Cuiabá, Sexta-Feira, 19 de Setembro de 2025
TORTURA E MORTE NO MANSO
26.05.2010 | 07h15 Tamanho do texto A- A+

Oficiais do Bope mataram PM por vaidade, diz inquérito

Soldado Abinoão Oliveira, da PM de Alagoas, era da Força Nacional e teria provocado inveja aos instrutores de pelotão de MT

ANTONIELLE COSTA
DA REDAÇÃO

A delegada Ana Cristina Feldner, que presidiu as investigações sobre a morte do soldado da Polícia Militar de Alagoas, Abinoão Soares de Oliveira, afirmou, em entrevista coletiva, na terça-feira (25), que o policial foi morto por mera vaidade dos oficiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope), por serem considerados "caveiras".

Segundo o relatório final do inquérito, "caveira" são aqueles que concluem o curso de operações especiais, recebendo ao final o direito de se tatuar com o símbolo e ser considerado como um ser especial. 

"Desta forma, notamos que por ser um "caveira", os instrutores se acham no direito de submeter os alunos a se sujeitarem as mesmas humilhações e torturas que eles aceitaram e se submeteram. E ainda se dizem serem melhores e especiais, deixando a vaidade se sobrepor as razões técnicas, legais e os objetivos da capacitação", afirmou a delegada.

O soldado morreu vítima de tortura, por meio de afogamento, no dia 24 de abril passado, durante treinamento do 4º Curso de Tripulante Operacional Multimissão (TOM-M), realizado no Terra Selvagem Golf Club, na estrada de acesso ao Lago do Manso, em Chapada dos Guimarães, a 50 km de Cuiabá.

Perseguição

O treinamento foi ministrado pelos tenentes Carlos Evane Augusto e Dulcézio Barros de Oliveira, indiciados pela delegada por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, tortura e impossibilidade de defesa).

De acordo com Feldner, o caso teve início no dia 22, quando Abinoão passou a ser perseguido e punido, devido ao fato de ser "uma pessoa ímpar, qualificada e prestativa, com invejável espírito de humanidade e preocupação com os colegas".

Na mesma data, seria realizada uma instrução de Ofidismo, para identificar animais peçonhentos, quando então se iniciaram os excessos por parte do tenente Carlos Evane Augusto, que aplicou spray de pimenta nos olhos de Abinoão.

No final da atividade, segundo o inquérito, Evane falou ao militar que iria "recomendá-lo" para a instrução dos "caveiras", realizada no dia 24. A instrução foi ministrada pelo tenente Barros, que convidou o tenente Evane para auxiliá-lo. Para a delegada, tratou-se de um fato incomum, uma vez que as instruções são compostas por um instrutor (oficial) e monitores (praças).

Naquele dia, o tenente Evane estava de plantão no Bope e não deveria estar no local do curso. Conforme a delegada Feldner, o oficial se ausentou do quartel e deixou o Bope desguarnecido, para "brincar de afogamento", junto com Barros, no treinamento.

Quando todos os alunos do curso estavam a postos, chegaram os instrutores segundo depoimentos, com atitudes antiprofissionais, fazenda arruaça e gritando com megafones, fazendo apologia a uma falsa superioridade.

"(...) quando os instrutores do Bope chegaram, a pressão psicológica foi muito maior; as palavras utilizadas pelos instrutores do Bope eram no intuito de zombaria e aumentar o nível de medo dos alunos, para que saíssem do curso; falavam que, se não saísse nenhum aluno do curso de forma voluntaria, a instrução seria horrível; coisas horríveis iriam acontecer; falavam "que hoje vai morrer gente"; tais palavras eram do ten. Evane e do ten. Barros...", diz um trecho do depoimento do policial Jhonny Wanderson Sena Lima.

Em seguida, o instrutor determinou que o aluno Luciano Frezato (PM/PR) fosse retirado do grupo para permanecer em posição de flexão por 20 minutos. Logo depois, orientaram o PM de Tocantins Claudomir Braga para que se reunisse com demais alunos e fazer com que três pedissem para sair, que a instrução seria leve.

Sessão de tortura

Sem a desistência voluntária, Barros e Evane distribuíam três bóias, que foram colocadas no pescoço pelos militares Claudomir, Abinoão e Thiago, que por sua vez, foram marcados para sofrer até desistirem do curso.

A partir daí, conforme o inquérito, iniciou-se uma sessão de afogamentos, com golpes de mata-leão, "gravatas"e outros meios de tortura.

Segundo a delegada Ana Cristina Feldner, os alunos foram submetidos a condições diferentes, uma vez que muitos nada sofreram e outros foram "massacrados".

"Coincidentemente, o nobre Abinoão era um dos mais baixos, portanto encontrava-se mais ao fundo, com uma maior distância da margem, e, não obstante ao já sofrido, Evane e Barros ainda aplicaram o golpe de misericórdia, covardemente e com o exercício já encerrado... Golpe este, fatal, pois conforme demonstrado, Abinoão saiu da água morto!!!! Pelas mãos de assassinos frios e cruéis travestidos de instrutores!!!", relatou a delegada, no inquérito civil.

"(...) o ten. Evane o segurou e deu mais um "caldo"; este caldo foi fatal, pois ele desmaiou debaixo d'água e não subiu mais com vida; mesmo Abinoão não tendo mais movimento embaixo d'água, o ten. Evane dizia: 'Você é bom em apnéia, aluno', 'Então, fica mais um pouquinho ai", e assim continuava a segurar o corpo do aluno 14 embaixo d'água; o tenente Evane tirou Abinoão da água já inconsciente; na areia, começou a gritaria pelo socorro, pedindo ambulância, oxigênio; o Ten. Evane começou a fazer massagem cardíaca, mas foi sem sucesso; a massagem cardíaca no aluno 14 durou aproximadamente 7 minutos; muitos alunos perceberam que Abinoão estava sem vida, pois não respondia a massagem cardíaca...", diz outro trecho do depoimento Jhonny Wanderson Sena Lima.

"Por fim, verifica-se o caos naquele local: aluno com parada cardiorespiratória, ou seja, morto; aluno convulsionando; aluno desmaiado... Analisemos o saldo dos 'marcados' pelas bóias e pela escolha de ser xerife", concluiu Feldner.

Aluno 03 = Luciano Frezato (PM/PR) - escolhido como xerife, gritou por sua mãe, convulsionou e teve que ser levado de helicóptero para o hospital;

Aluno 05 = Claudomir Braga (PM/TO) - agraciado com a bóia, clamou por Deus durante a sessão de afogamento, necessitando de socorro médico no dia seguinte e, ao final, recebeu o apelido de "pulmão de sapo" pelos demais alunos por ter conseguido sobreviver;

Aluno 34 = Thiago Andrigo (PM/GO) - agraciado com a bóia, ficou inconsciente e teve que ser levado ao hospital;

Aluno 14 = Abinoão Soares de Oliveira (PM/AL) - agraciado com a bóia, saiu da água morto...

No inquérito da Polícia Civil, os policiais indiciados negaram a autoria do crime e declararam outra situação, compatíveis a uma instrução de boas maneiras.

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
35 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

neuza  10.12.12 16h49
neuza, seu comentário foi vetado por conter expressões agressivas, ofensas e/ou denúncias sem provas
Thiago Rodrigues Carvalho  03.12.10 19h49
Este é preso que pagamos por instruirmos cães de guerra, para resolver problemas de profunda complexidade como a violência das grandes cidades brasileiras. Procura-se pela repressão, adestramento, autoritarismo e conflito, superar nossas condições e limites sócio políticos como homens que pensam estar pensando. Lamentável! Até quando seremos isso???? Só isso?????
1
1
Luiz Fergon  06.06.10 02h33
e por isso que quando essas bestas saem nas ruas agridem os cidadãos, os que trabalham para pagar impostos e assim, o estado pagar seus salários. Se tornam pessoas recalcadas, magoadas, querem revidar no primeiro ser fraco, desprovido de defesas que surgir em sua frente. NÃO É ESSA A POLÍCIA QUE QUEREMOS. NÃO QUEREMOS CAVEIRAS NAS POLÍCIAS MILTIARES
2
2
Walessa Soares  27.05.10 14h05
Abinoão, tiraram a sua vida, mais não a sua honra e sua dignidade. Diferente desses assassinos q/ qndo morrerem não terão honra e mto menos dignidade, só se for dignos de vergonha...
2
0
Flávia Pacheco Balestra  27.05.10 08h31
Mas o que é isso minha gente. Quanta crueldade. Esses dois militares assistiram mtas vezes aquele filme, TROPA DE ELITE. Um filme que, na minha opinião, deveria ser proíbido. Além de humilhar os policiais ainda causam um problema psicologico tremendo. Sem contar a vida desse policial que foi tirada na base da palhaçada, na falta de vergonha. E como fica a família dele? Quem vai cuidar? Espero que a justiça seja feita, que esses dois tenentes pagem pelo ASSASSINATO q cometeram. Nada muda nem tira a dor da família, mas pelo menos longe da corporação, eles nao poderam matar mais ninguem assim. Nao poderao matar mais ninguem que está tentando subir hontestamente e fazendo o que gosta.
5
0