Cuiabá, Quarta-Feira, 9 de Julho de 2025
"BARRACÃO"
31.03.2019 | 08h30 Tamanho do texto A- A+

Liderança em aterro, mulher cria projeto para ajudar catadores

Cidinha é catadora há 24 anos e criou o "Projeto Barracão" para tirar catadores do lixão

Jana Pêssoa/Secom-MT

'Cidinha' é uma das lideranças do aterro sanitário em VG; ela é presidente de associação dos catadores

'Cidinha' é uma das lideranças do aterro sanitário em VG; ela é presidente de associação dos catadores

BRUNA BARBOSA
DA REDAÇÃO

Maria Aparecida do Nascimento, conhecida como "Cidinha", 48, entrou pela primeira vez no aterro sanitário de Várzea Grande quando tinha apenas 24 anos. Hoje, mais de duas décadas depois, ela é vista como liderança – título que já lhe rendeu algumas ameaças de morte na luta pelos direito dos catadores.

 

Ela também desenvolveu um projeto para que eles não precisem mais ficar no lixão, que é insalubre e ostenta altos níveis de violência, conforme os relatos de Cidinha. 

 

“A gente se torna catador pela necessidade, depois alguns acabam se apaixonando pela profissão, porque está dando o ‘ganha pão’. Do lixão não gosto, mas fico lá”, contou ela, que tem duas filhas e viu uma delas seguir os seus passos.

 

A jovem de 22 anos trabalha com a seleção de materiais recicláveis em um mercado da Capital e divide o expediente com a avó. Juntas, as mulheres somam três gerações de catadoras na família de Cidinha.

Alair Ribeiro/MidiaNews

Cidinha catadoraCidinha trabalha como catadora há 24 anos e sonha em tirar do papel projeto para ajudar outros catadores

 

“Minha mãe tem 68 anos e ‘cata’ até hoje. Minha filha deixou de trabalhar em uma loja para virar catadora. Ela está com essa equipe de cinco trabalhadores e fica responsável pela fiscalização. A maioria dos catadores não sabem nem ler”, disse.

 

Segundo Cidinha esse tipo de “fiscalização” por parte dos catadores é necessária, já que muitas vezes acontecem desvios e furtos, tanto no lixão como fora dele.

 

Uma das vantagens do trabalho de catadores realizado em mercados – e outros grandes geradores de lixo - são de que os trabalhadores conseguem receber a mais pelos materiais, já que os mesmos estão “limpos”.

 

“Quando separamos no lixão conseguimos vender por R$ 0,40 e R$ 0,60 o quilo. Mas quando ele está ‘limpinho’ o preço é outro. Conseguimos até o R$ 0,90 pelo quilo. Quando o material está limpo, o preço é melhor”, contou.

 

Vida de catadora

 

Apesar de ser uma mulher colecionadora de planos e sonhos, o olhar de Cidinha se estristece quando a mulher se lembra das situações de preconceitos sofridas durante os anos como catadora.

 

Ela contou que já passou por muitas situações ruins por ser mulher, negra e catadora de lixo reciclável, mas prefere não prolongar o assunto doloroso. 

 

A rotina de Cidinha é movimentada. A mulher de traços marcantes e olhar firme costuma acordar cedo para realizar coletas em órgãos do Centro Político Administrativo (CPA), que possuem parceria com a Associação de Catadores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Sustentável (Asmats), presidida pela catadora.

 

“Chego sábado cedo e volto domingo à tarde. Tenho meu barraquinho lá [no lixão], ele é bonitinho”, disse a catadora, que abre um sorriso quando fala da moradia. 

Minha mãe tem 68 anos e ‘cata’ até hoje. Minha filha deixou de trabalhar em uma loja para virar catadora

 

O local foi construído pela própria catadora com restos de materiais encontrados no próprio aterro sanitário.

 

Com quarto, sala, cozinha e quintal, o “barraquinho” de Cidinha serve como depósito para os materiais reciclados recolhidos durante os dias no lixão e abrigo para as noites escuras e silenciosas no depósito de resíduos.

 

O “barraquinho” também funciona como ponto de encontro entre os catadores que participam de reuniões da Asmats.

 

“No quintal, coloco papel e faço reuniões com outros catadores. Às vezes ganhamos muitos papéis, então coloco nessa área para separar por cor depois. Temos que separar tudo”, disse.

 

A distância entre o lugar onde o lixo é colocado antes de ser aterrado é de cerca de 400 metros, que Cidinha percorre debaixo de sol e chuva em busca de papelão, plástico e latinhas para vender.

 

Geralmente, o lucro mensal da catadora é de cerca de R$ 900.

 

Durante a noite, pela falta de luz no lixão, os catadores costumam “amanhecer” em busca dos materiais recicláveis no local. Devido a escuridão, precisam usar capacetes com lanternas para evitar acidentes.

 

Violência e criminalidade

 

Cidinha contou que os furtos dos materiais recicláveis recolhidos pelos catadores no aterro sanitário de Várzea Grande são frequentes. Por dia, ela estimou que cerca de 200 trabalhadores passam pelo local.

 

“É tanta gente nova que entra lá dentro [do lixão], que muitas vezes não sabemos quem é. Dia e noite, aqueles que não querem ser vistos aparecem durante à noite”, contou.

 

Há duas semanas, enquanto estava impossibilitada de ir até o lixão, Cidinha foi surpreendida por um furto a uma de suas cargas de materiais recicláveis.

 

Jana Pêssoa/Secom-MT

CIDINHA

 De acordo com 'Cidinha', violência é um dos maiores problemas no lixão

O furto custou um dia inteiro do trabalho da catadora, além de R$ 50 a menos nos lucros do mês de março.

 

“A maioria dessas pessoas são viciadas em droga e roubam para vender aos traficantes que ficam dentro do lixão”, disse ela sobre a realidade dos catadores que ficam no local.

 

O aterro sanitário do município está localizado na BR-070, sentido Cáceres (a 220 km de Cuiabá). Para Cidinha, os criminosos encontram no local um bom esconderijo para cargas roubas e tráfico de drogas.

 

“Até vestem roupas sujinhas como a gente e ficam lá dentro. Há dois anos fui ameaçada, depois resolvi ficar quieta. Para mim, a violência é um dos piores problemas do lixão hoje”, relatou.

 

Educação

 

A catadora foi incentivada a dar continuidade nos estudos – ela terminou o ensino médio em 2016 -, por uma promotora do Ministério Público do Trabalho de Mato Grosso.

 

“Ela pediu para que eu voltasse a estudar para ajudar minha família. Quando voltei a estudar, surgiu a ideia de criar uma associação, a última a ser criada dentro do lixão. Criamos a Asmats pela necessidade de sair do lixo”, avaliou.

 

Animada com os estudos ambientais, área na qual Cidinha já realizou cursos, atualmente a catadora ministra workshops sobre sustentabilidade em mercados e redes de hotéis.

 

Para a presidente da associação é essencial que os catadores sejam capacitados e tenham acesso à educação, além de conhecimentos técnicos sobre as questões ambientais.

 

“Tem muitas pessoas só da minha família: filha, irmão, cunhada e mãe. Fora os outros catadores. Onde essas pessoas iam arrumar emprego? A maioria não sabe fazer outra coisa da vida. Seria muito melhor capacitá-los e tornar isso uma fonte de renda”, explicou.

 

Questionada sobre os planos e sonhos para o futuro, Cidinha ressaltou a necessidade de ser um "exemplo" para os outros catadores. De acordo com ela, é importante que as próximas gerações dos trabalhadores da coleta de materiais reciclados sejam incentivados a estudar, além de adquirirem conhecimentos financeiros para auxiliarem as famílias. 

 

"Quero levar conhecimento para eles, orientar esses catadores e seus filhos de que eles podem estudar e exercerem outras profissões. A maior dificuldade dos catadores é o financeiro, muitos não sabem fazer a autogestão", contou. 

Quero levar conhecimento para eles, orientar esses catadores e seus filhos de que eles podem estudar e exercerem outras profissões

 

Cidinha também contou que um de seus sonhos é se tornar assistente social. Em 2017, a catadora chegou a participar do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). 

 

Ela pretende insistir no sonho de seguir a profissão quando finalmente conseguir tirar do papel o "Projeto Barracão", criado por ela.

 

'Projeto Barracão'

 

Orgulhosa, Cidinha exibe um documento assinado pela Prefeitura de Várzea Grande, que cede uma área para a construção da sede do Projeto Barracão.

 

A mulher conta com parcerias para conseguir tornar o sonho realidade. Por enquanto, o projeto social, que pretende dar acolhimento, educação, além de tirar os catadores do lixão, tem apenas um terreno. 

 

"Temos apenas o terreno, mas já temos o projeto arquitetônico. Meu sonho é que quando o 'Barracão' tiver construído, nós possamos também receber os catadores de outros municípios. Quando algum deles precisam vir à Cuiabá para resolver problemas pessoais ou tratamentos médicos, eles não tem onde ficar. Eu mesma já recebi catadores na minha casa", contou. 

 

Futuramente, quando o projeto estiver estabelecido, Cidinha pretende focar em ações sociais para os catadores, como espaço para aulas e educação ambiental na sede do Projeto Barracão. 

 

A mulher também pretende criar uma associação de catadores para formalizar uma contratação da categoria pela Prefeitura de Várzea Grande. 

 

"Meu objetivo é criar uma associação que possa ser contratada pela Prefeitura para fazer a coleta. Se isso acontecesse, solucionaria todos os nossos problemas, porque seríamos pagos pelo trabalho que já fazemos há tanto tempo", explicou. 

 

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Alair Ribeiro/MidiaNews

Cidinha catadora

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Cidinha catadora

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Cida Ribeiro  31.03.19 13h46
tenho muito orgulho de ter conhecido a dona Cidinha, mulher trabalhadora, forte, que defende seu povo com unhas e dentes, e que ama o que faz. Todo meu respeito pela grande pessoa que a senhora é!!!
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