Cuiabá, Terça-Feira, 1 de Julho de 2025
VIVER SEM LIMITES
24.03.2013 | 18h14 Tamanho do texto A- A+

Acessibilidade em Cuiabá ainda desafia quem precisa

Calçadas irregulares, rampas desproporcionais, buracos e falta de sinalização são partes dos problemas

Mary Juruna/MidiaNews

Nem sempre, o portador de deficiência encontra facilidade para circular no meio urbano

Nem sempre, o portador de deficiência encontra facilidade para circular no meio urbano

ISA SOUSA
DA REDAÇÃO
A falta de planejamento do espaço urbano de Cuiabá reflete diariamente na vida do cidadão: ônibus lotados, trânsito engarrafado, vias interditadas, calçadas irregulares, ausência de trechos para pedestres, falta de sinalização.

Difícil para boa parte da população que têm os cinco sentidos, pernas e braços, qualquer trajeto ou simples ação, como subir em um coletivo ou atravessar uma avenida, pode se transformar em uma maratona para quem possui deficiência física ou intelectual.

Longe de estar entre as cidades mais populosas do país, com seus 551.098 mil habitantes, a Capital mato-grossense tem hoje 128.425 mil pessoas autodeclaradas deficientes. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Proporcionalmente, Cuiabá se equipara a São Paulo, que tem mais de 11, 2 milhões de habitantes e 2, 7 milhões de deficientes, ou Rio de Janeiro, com 6,3 milhões de habitantes e mais de 1,5 milhões de deficientes: nas metrópoles a parcela que possui algum tipo de deficiência representa 25% da população, na Capital de Mato Grosso o índice é de 23%.

Em Várzea Grande, a parcela da população que necessita de cuidados especiais também é alta: com 252.596 mil habitantes, o município possui 56.696 mil deficientes, o que representa 22% da população.

Caos urbano

Para a estudante Fabíula Barbosa de Macedo, 29, levando-se em conta os dados do IBGE e a acessibilidade (ou falta dela) em Cuiabá a conclusão na prática pode ser definida pela palavra “caos”.

Mary Juruna/MidiaNews

Fabíula: "Andar de ônibus é um caos"


Com menos de um metro de altura e deficiência óssea que a faz precisar da cadeira de rodas de forma temporária em casos de incidentes, Fabíula sai de casa, no bairro Doutor Fábio, antes das sete da manhã para chegar ao trabalho, no centro da cidade.

O primeiro desafio é o trajeto até o ponto de ônibus. O segundo, de acordo com ela, é o próprio transporte coletivo.

“Com a cadeira de rodas ou as muletas, a dificuldade sempre é a locomoção, que é precária na nossa cidade. Quando fico como cadeirante temporária e tento usar as rampas dos ônibus, tudo se transforma em caos”.

“É colocado na mídia que existem transportes adaptados, que você pode ir e vir. É mentira. Eles podem até existir, mas boa parte têm problemas e nem sempre funcionam. Eu não posso ficar esperando o ônibus que funciona chegar, mesmo porque tenho hora para entrar no trabalho”, completou.

Além do “caos” no trajeto de casa para o trabalho, Fabíula finaliza o dia enfrentando falta de cidadania.

“Estudo no Senai e existem rampas nas calçadas para que nós tenhamos facilidade para chegar até as salas de aula, mas a prática mais comum são pessoas que estacionam o carro em frente as rampas. Falta cidadania”.

Readaptação

A necessidade de uma cidade adaptada é a prerrogativa fundamental para aqueles que desenvolvem deficiências físicas ou intelectuais com o passar dos anos.

Atualmente com 58, Maria Oliveira começou a perder a visão com 35 anos. Há 15 desenvolveu completamente a cegueira. Desde então, passa por processos contínuos de readaptação.

“No começo foi muito difícil, tinha medo de me locomover, pegar ônibus, sair na rua. Enfrentei com coragem o preconceito e hoje moro sozinha e faço tudo, lavo, passo, cozinho”, afirmou.

A independência dentro de casa, no entanto, não se reflete nas vias da cidade. Antes moradora de Várzea Grande, Maria pegava quatro ônibus para chegar no CPA, onde estuda no Instituto de Cegos do Estado de Mato Grosso (Icemat).

“Era difícil porque muitos motoristas não nos respeitavam, não paravam. Existem exceções, mas foi mais fácil me mudar para o bairro onde estudo. Ainda assim, faltam calçadas e minha sorte é que hoje no CPA as pessoas me conhecem e ajudam. Andar por Cuiabá é torcer para não cair em um buraco”, afirmou.

"Nem sempre, o portador de deficiência encontra facilidade para circular no meio urbano"

Também em processo de readaptação, Edinival Xavier, 57, encontra adversidades em Cuiabá. Após um Acidente Vascular Cerebral (AVC) que paralisou todo seu lado esquerdo há 10 anos, o ex-funcionário da Receita Federal precisa da cadeira de rodas para se locomover.

Morador de um loteamento no Parque Universitário e cuidado unicamente pela mãe, a aposentada Ester Xavier, de 74 anos, Edinival evita sair de casa.

“Conto nos dedos as vezes que saio durante o mês. Quando preciso, vou ao médico e solicito o programa municipal Buscar para me levar. Ainda assim, eles exigem 72 horas de antecipação para agendar e em 50% das vezes não cumprem. Agora, desde quando se programa uma doença para chegar em 72 horas? A nossa cidade não dá condições nenhuma para que sejamos realmente cidadãos”, pontuou.

Legislação e estado

Visando a reestruturação e a acessibilidade das cidades brasileiras, o Governo Federal lançou em 2011 o programa “Viver Sem Limites”. Ainda desconhecido por boa parte dos municípios, Cuiabá está entre as cidades que pactuaram com a União em 2012.

A iniciativa da criação de um plano federal é reflexo da proteção que a Organização das Nações Unidas (ONU) oficializou em 2008 para as pessoas com deficiência, bem como de legislações que tem garantido cada vez mais os direitos dessa parcela da população no país.

No Brasil, a lei número 10.098, que atende e assegura os direitos das pessoas portadoras de deficiência ou mobilidade reduzida, é de 2011.

De acordo com o coordenador do setor de terrenos baldios e calçadas da Prefeitura de Cuiabá, Antônio Carlos de Oliveira, o município tem se adequado às exigências de acessibilidade.

“Estamos reformando o passeio público, notificando os donos de imóveis onde as calçadas estiverem quebradas, já que manutenção é responsabilidade do proprietário. Onde precisar de acessibilidade, estamos tomando as medidas para colocar no padrão”, afirmou.

Ainda assim, segundo a apoiadora institucional do “Viver Sem Limites”, inserido na Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Ana Carolina Nascimento, Cuiabá está muito aquém do que dita o programa.

Divulgação

Nem sempre, o portador de deficiência encontra facilidade de locomoção

“Existem legislações. Tanto prédios públicos como calçadas precisam ser construídos ou reformados de formas acessíveis. Cuiabá está em atraso. A nossa maior preocupação é com as calçadas e ônibus acessíveis. Em estados como Goiás e Distrito Federal, as adequações já estão sendo feitas”, afirmou.

Invisibilidade e independência

Para Ana Carolina, o programa “Viver Sem Limites” é um marco, que precisa ser conhecido e disseminado.

“O que se pensava antigamente é que pessoas com deficiência eram aberrações da natureza ou castigos de Deus. Essa visão mudou. Quando notamos que em Cuiabá são pelo menos 128 mil pessoas com deficiências leves, graves ou severas, impedidas de serem livres completamente, o que buscamos é oportunidade. E como a gente oferece? Com cidades acessíveis”

De acordo com o presidente do Instituto dos Cegos de Mato Grosso, Marcino Oliveira, é preciso que haja comprometimento de representantes dos governos e entendimento dos próprios deficientes de que eles são capazes.

“Muitos cegos convivem com a família, trancados em casa e se sentindo diferentes. A partir do momento que vêm para a instituição ou conhecem outras pessoas nas mesmas condições, acabam entendendo que o mundo é diferente do que eles têm com a família. De fato, abre-se uma esperança muito grande e a possibilidade de evoluírem socialmente”.

Segundo Ana, a mudança é cultural. “O que essas pessoas querem é autonomia e liberdade. Querem chegar sozinhas nos lugares, entrar no mercado de trabalho, competir e chegar em posições de chefias. O envolvimento tem que ser geral e a cultura precisa ser mudada”, completou.

Para Edinival Xavier, que na maior parte de sua vida não precisou da cadeira de rodas ou de programas de governo, a palavra é uma só. “Falta cidadania”.

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antonio carlos  24.03.13 23h00
Venham até a CEF do CPA II para ver o que é o desrespeito dos motoqueiros com os idosos e deficientes. Mesmo suplicando à instituição bancária providências nada é feito, policiais quase nem passam ali e nas vezes que passam fazem que nada veem! Poderemos economicamente ser um dia um grande país, mas, jamais seremos uma grande nação!
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