O que mais chama a atenção, hoje, é que a mesma maioria da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal que hoje soltou José Dirceu – Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski – votaram para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses.
A história de Delano Parente
O ex-prefeito Delano Parente não teve a mesma sorte de José Dirceu. Ele foi acusado por corrupção, lavagem e organização criminosa. São os mesmos crimes de Dirceu, mas praticados em menor vulto e por menos tempo. Foram 17 milhões de reais, entre 2013 e 2015, quando Dirceu é acusado do desvio de mais de 19 milhões, entre 2007 e 2014, sem contar o Mensalão.
O âmbito de influência de Delano era bem menor do que o de Dirceu. Chefiou o pequeno Município de 8.618 habitantes do interior do Piauí, Redenção do Gurgueia. Na data do julgamento no Supremo, em 7 de fevereiro de 2017, nem mais prefeito era. Contudo, todos os integrantes da 2ª Turma entenderam que sua prisão era inafastável. A decisão de prisão original estava assentada na prática habitual e reiterada de crimes.
O Ministro Dias Toffoli afirmou: “O Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que é legítima a tutela cautelar que tenha por fim resguardar a ordem pública quando evidenciada a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa.”
A prisão de Thiago Poeta
Preso aparentemente há mais de 2 anos (mais tempo do que José Dirceu), Thiago Maurício Sá Pereira, conhecido como “Thiago Poeta”, também não teve a sorte de Dirceu em julgamento de março deste ano. Ele reiterou a prática de crimes de tráfico em diferentes lugares e foi preso com 162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha, além de alguns materiais que podem ser usados para manipular drogas. Sua pena foi menor do que a de Dirceu, 17 anos e 6 meses – a de Dirceu, só na Lava Jato, supera 30 anos, sem contar a nova denúncia. Contudo, para Thiago, não houve leniência. Todos os ministros da 2ª Turma votaram pela manutenção da prisão.
O Ministro Gilmar Mendes assim se pronunciou: “Por oportuno, destaco precedentes desta Corte, no sentido de ser idônea a prisão decretada para resguardo da ordem pública considerada a gravidade concreta do crime”. E seguiu dizendo que “Ademais, permanecendo o paciente custodiado durante a instrução criminal, tendo, inclusive, o Juízo entendido por sua manutenção no cárcere, ao proferir sentença condenatória, em razão da presença incólume dos requisitos previstos no art. 312 do CPP, não deve ser revogada a prisão cautelar se não houver alteração fática apta a autorizar-lhe a devolução do status libertatis .” Essas colocações também serviriam, aparentemente em cheio, para manter José Dirceu preso, com a ressalva de que a situação de Dirceu é mais grave.
O caso de Alef Saraiva
Alef Gustavo Silva Saraiva, réu primário, foi encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha. Após quase um ano preso, seu habeas corpus chegou ao Supremo. Em dezembro de 2016, a prisão foi mantida por quatro votos, ausente o Ministro Gilmar Mendes, em razão da “gravidade do crime”.
O Ministro Ricardo Lewandowski foi assertivo na necessidade de prisão de Alef: “Com efeito, há farta jurisprudência desta Corte, em ambas as Turmas, no sentido de que a gravidade in concreto do delito ante o modus operandi empregado e a quantidade de droga apreendida - no caso, 130 invólucros plásticos e 59 microtubos de cocaína, pesando um total de 87,90 gramas, e 3 invólucros plásticos de maconha, pesando um total de 44,10 gramas (apreendidas juntamente com anotações referentes ao tráfico e certa quantia em dinheiro), permitem concluir pela periculosidade social do paciente e pela consequente presença dos requisitos autorizadores da prisão cautelar elencados no art. 312 do CPP, em especial para garantia da ordem pública.”
Conclusão
Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também. A grande corrupção e o tráfico matam igualmente. Enquanto o tráfico se associa à violência barulhenta, a corrupção mata pela falta de remédios, por buracos em estradas e pela pobreza. Enquanto o tráfico ocupa territórios, a corrupção ocupa o poder e captura o Estado, disfarçando-se de uma capa de falsa legitimidade para lesar aqueles de quem deveria cuidar. A mudança do cenário, dos morros para gabinetes requintados, não muda a realidade sangrenta da corrupção. Gostaria de poder entender o tratamento diferenciado que recebeu José Dirceu, quando comparado aos casos acima.
O Supremo Tribunal Federal é a mais alta Corte do país. É nela que os cidadãos depositam sua esperança, assim como os procuradores da Lava Jato. Confiamos na Justiça e, naturalmente, que julgará com coerência, tratando da mesma forma casos semelhantes. Hoje, contudo, essas esperanças foram frustradas. Mais ainda, fica um receio.
Na Lava Jato, os políticos Pedro Correa, André Vargas e Luiz Argolo estão presos desde abril de 2015, assim como João Vaccari Neto. Marcelo Odebrecht desde junho de 2015. Os ex-Diretores Renato Duque e Jorge Zelada desde março e julho de 2015. Todos há mais tempo do que José Dirceu. Isso porque sua liberdade representa um risco real à sociedade. A prisão é um remédio amargo, mas necessário, para proteger a sociedade contra o risco de recidiva, ou mesmo avanço, da perigosa doença exposta pela Lava Jato.
Deltan Dallagnol é procurador da República e coordenador da Força Tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato
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3 Comentário(s).
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antonio 03.05.17 23h29 | ||||
Resolução da Questão 43 - Direito Processual Penal 43 - (FAURGS) Sobre a prisão preventiva (art. 312 do Código de Processo Penal), assinale a alternativa correta: A) Somente pode ser decretada durante a investigação criminal se for caso de crime hediondo, sendo vedada a liberdade provisória. B) Poderá ser decretada com base na gravidade do delito e na repercussão do fato na comunidade. C) Não possui prazo para a sua duração determinado em lei, mas deve atender aos princípios da proporcionalidade e necessidade. D) Poderá ser decretada nos casos de crimes dolosos e culposos, desde que para assegurar garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal. E) Poderá ser decretada mesmo existindo nos autos prova de que o agente agiu com amparo em excludente da ilicitude. NOTAS DA REDAÇÃO: A alternativa correta é a letra C: C) Não possui prazo para a sua duração determinado em lei, mas deve atender aos princípios da proporcionalidade e necessidade. Como inexiste em lei um prazo determinado para a duração da prisão preventiva, a regra é que perdure até quando seja necessário. Claro que é necessário respeitar a razoabilidade de duração, atendendo sempre os princípios da proporcionalidade e necessidade. A prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo se prolongar indefinidamente, posto que, se isto ocorrer configura constrangimento ilegal. Vejamos também porque as demais alternativas não estão corretas: A) Somente pode ser decretada durante a investigação criminal se for caso de crime hediondo, sendo vedada a liberdade provisória. Assim dispõe o art. 313 do Código de Processo Penal : Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I-punidos com reclusão; II-punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III-se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal . IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. B) Poderá ser decretada com base na gravidade do delito e na repercussão do fato na comunidade. Assim dispõe o art. 312 do Código de Processo Penal : Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. D) Poderá ser decretada nos casos de crimes dolosos e culposos, desde que para assegurar garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal. Como frisado anteriormente, no art. 313 do Código de Processo Penal dispõe que a prisão preventiva somente será decretada nos crimes dolosos, portanto, a contrario sensu, não será admitida nos crimes culposos. E) Poderá ser decretada mesmo existindo nos autos prova de que o agente agiu com amparo em excludente da ilicitude. O Código de Processo Penal veda a decretação da prisão preventiva nos casos em que o agente agiu com amparo das excludentes da ilicitude. Vejamos: Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19 , ns. I, II ou III do Código Penal . | ||||
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Costa Santos 03.05.17 17h12 | ||||
O Brasil precisa tomar um banho, lavar os pés, os cabelos e os olhos, principalmente, os olhos... | ||||
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Antonio Benedito de Assunção 03.05.17 14h44 | ||||
Cuiabania: Não estou defendendo ninguém, até porque não sou advogado de ninguem, mas pergunto: Essa lava jato está procedendo de acordo com a justiça? pois, a mim me parece que o JUiz Moro é seletivo,pois é notável a sua perseguição ao pessoal do PT, principalmente com o Presidente LULa. Esse pessoal que investiga na lava jato gostam de holofotes, o que na minha pobre opinião, é redículo e anti ético, uma vez que um Juiz deve ser anônimo. Por fim pergunto; qual o perigo e risco real à sociedade que o Zé Dirceu oferece, se o PT não está no poder, muito menos ele? | ||||
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