Cuiabá, Terça-Feira, 24 de Junho de 2025
LUIZ HENRIQUE LIMA
30.07.2017 | 20h00 Tamanho do texto A- A+

Desafio para um orçamento

Nossa democracia não será completa enquanto a discussão orçamentária for hermética, opaca e semiclandestina

Todos reconhecem a grande relevância da lei orçamentária. Há quem afirme que, depois da Constituição, as leis orçamentárias são as mais importantes para o cidadão, pois nelas se traduz um compromisso entre as múltiplas aspirações da coletividade com a limitada capacidade de pagá-las mediante tributos e outras fontes de receita pública.

 

Historicamente, desde a Magna Carta, a Convenção de Filadélfia e a Revolução Francesa, a própria origem dos parlamentos modernos está vinculada aos temas da legitimidade e dos limites da arrecadação e da despesa públicas.

 

O debate do orçamento deveria ser o momento mais nobre da agenda anual das casas legislativas, no qual elas encarnariam com plenitude a sua intransferível natureza de representantes do povo.

 

Seria a oportunidade de questionar as prioridades na execução das políticas públicas, denunciar excessos e lacunas, reforçar pontos positivos, eliminar desperdícios, convocar autoridades para esclarecimentos, promover audiências públicas setorizadas, convocar especialistas para contribuírem nas discussões temáticas etc.

Entretanto, como se sabe, não é o que sói acontecer em nosso país.

O debate do orçamento deveria ser o momento mais nobre da agenda anual das casas legislativas, no qual elas encarnariam com plenitude a sua intransferível natureza de representantes do povo

 

Malgrado inúmeras iniciativas pontuais no sentido de buscar maior participação popular no processo de aprovação das leis orçamentárias, o assunto continua muito distante da maioria dos cidadãos, o que é uma lástima, pois decisões de vital importância para a coletividade são adotadas por grupos restritos de técnicos, políticos e lobistas, representantes de interesses corporativos.

 

Diversos fatores explicam o fenômeno. A ausência do voto distrital fomenta um modelo político em que o parlamentar não desenvolve vinculação orgânica com determinada base eleitoral, além de multiplicar os custos de campanha.

 

A pulverização partidária conduz à formação de maiorias parlamentares instáveis e não-programáticas. A complexidade da legislação tributária converte sua discussão em conciliábulo de iniciados.

 

O secular ranço autoritário e patrimonialista ainda contamina as relações entre os poderes e entre esses e a sociedade.

 

Porém os problemas não se situam apenas nas etapas de elaboração do orçamento pelo Poder Executivo e sua discussão e aprovação pelo Legislativo.

 

Criou-se entre nós uma regra não escrita de que o orçamento é documento meramente autorizativo e que os gestores dispõem de ampla discricionariedade em relação à escolha dos programas e atividades que serão de fato implementados.

 

Assim, é comum constatar que, embora determinados projetos, por exemplo, nas áreas ambiental ou cultural, tenham, a duríssimas penas, conquistado a previsão de dotações nas peças orçamentárias, ao final do exercício apresentam índices de execução inferiores a 10% ou até nulos.

 

Não basta a alocação de créditos na lei do orçamento; é necessária a efetiva aplicação dos recursos nos objetivos a que se destinam, vale dizer, o empenho, a liquidação e o pagamento das despesas autorizadas pelos créditos orçamentários.

 

Conclui-se que as etapas de execução e de controle do orçamento são de enorme importância e exigem minucioso acompanhamento pelo Legislativo e pela sociedade, de modo a não frustrar o equilíbrio pactuado quando da tramitação dos projetos de lei.

 

Nesse sentido, os relatórios previstos pela Lei de Responsabilidade Fiscal são instrumentos úteis, porém ainda pouco utilizados em relação ao seu potencial.

 

Na realidade, frequentemente é o próprio Parlamento que abdica de sua missão constitucional, ao conceder aos governantes generosas autorizações prévias para abertura, mediante decretos, de créditos adicionais suplementares e especiais, inclusive com a anulação das dotações aprovadas em lei.

 

Ora, se o orçamento é a principal peça de planejamento da gestão pública, como esperar ou cobrar resultados se o planejamento é alterado dezenas de vezes em poucos meses?

 

Nossa democracia não será completa enquanto a discussão orçamentária for hermética, opaca e semiclandestina para a maioria dos brasileiros.

 

LUIZ HENRIQUE LIMA é conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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