22.11.2015 | 09h:10

ALCOOLISMO PRECOCE


Adolescentes têm contato com o álcool cada vez mais cedo

Estudo aponta que metade dos que bebem teve contato com o álcool antes dos 18 anos

Marcus Mesquita / Mídia News

Uso descontrolado de álcool prejudica juventude; metade começou antes do 18 anos

Foi aos oito anos de idade que Mateus (nome fictício) teve o primeiro contato com o álcool. Hoje, com 19 anos, ele já conheceu os extremos causados pelo uso descontrolado do álcool e de outras drogas, como a maconha.

 

Seu primeiro gole foi dado por pressão do seu tio, que acreditava que sua afirmação como homem só ocorreria caso consumisse a bebida alcoólica.

 

“Não foi por curiosidade, e sim por influência. Meu tio chegava e falava: ‘Homem de verdade tem que tomar um gole de cachaça’. E acabei tomando e gostando. Veio aquela euforia, me senti nas nuvens, como se estivesse esquecido de tudo”, disse ele ao MidiaNews.

 

Meu tio chegava e falava ‘homem de verdade tem que tomar um gole de cachaça’

O jovem também afirmou que o uso da bebida era uma tentativa de fuga. Órfão de mãe desde os primeiros anos de vida, ele vivia com o avô e o pai, ambos alcoólatras.

 

Com apenas dez anos, Mateus começou a fumar maconha. A partir daí, seu rendimento escolar já não era mais o mesmo e ele começou a entrar no mundo da criminalidade, realizando pequenos furtos e traficando drogas, para sustentar o seu vício. As prisões por conta do seu modo de vida foram inevitáveis.

 

“Para mim, quem não usava drogas, ou não bebia, não era normal. No fundo, o que eu queria era chamar a atenção. Tenho um irmão com déficit de atenção. Ele sempre foi o querido da casa, então, tinha uma inveja tão grande, que fazia tudo isso para chamar a atenção”, declarou Mateus.

 

No fundo do poço, Mateus chegou a se internar em clínicas de reabilitação. Porém, sua vida começou a mudar quando foi levado para o Alcoólicos Anônimos (AA), irmandade que desenvolveu um programa de recuperação para ele.

 

A história de Antônio (nome fictício) também exemplifica o perigo do uso do álcool sem controle, ainda na adolescência. Sua vida é parecida com a de tantos outros.

 

O primeiro contato com a substância ocorreu aos 12 anos, em uma festa com os amigos. Sua timidez e as companhias o fizeram buscar no álcool o combustível para se socializar.

 

“Tinha entre 12 e 13 anos. A turma na qual cresci é a gurizada que já vi morrer. Sai para festas e, em uma dessas saídas, eu conheci o álcool. Nesse dia, eu já gostei, pois sempre fui muito retraído, tinha vergonha de algumas coisas e, quando bebi, consegui fazer muitas coisas que não tinha conseguido sóbrio”, disse.

 

“Comecei a usar isso como ‘muleta’. Qualquer tipo de festa que eu ia, tinha que beber para me sentir bem. Para me sentir seguro e fazer parte do ambiente”, completou.

 

Comecei a usar isso como ‘muleta’. Qualquer tipo de festa que eu ia, tinha que beber para me sentir bem.

O uso constante do álcool fez com que o jovem buscasse outras drogas, como a maconha e o ecstasy, conhecido socialmente como “doce” ou “bala”.

 

Sem emprego e longe da família, Antônio se desenlaçou do orgulho que o impedia de buscar ajuda e procurou o pai, que, preocupado com a situação do filho, o levou para a comunidade dos Alcoólicos Anônimos (AA).

 

“Sempre fui apegado à minha família, principalmente ao meu pai, que era alcoólatra. Ele está há 12 anos sem beber. Mas minha infância foi muito conturbada, pois a família era toda desestruturada. A partir do dia em que fui ao AA, descobri o verdadeiro significado de família”, afirmou Antônio, que hoje está casado, com casa própria e trabalhando na área em que sempre sonhou.

 

Mateus e Antônio fazem parte de uma preocupante estatística.

 

No Brasil, 47% dos usuários de bebidas alcóolicas começaram a beber com menos de 18 anos. Dentro desta margem, 34,5% dos usuários tiveram o primeiro contato com a bebida alcoólica entre os 15 e os 17 anos - e 12,5% antes dos 15 anos.

 

Estes são os dados da mais recente Pesquisa Nacional de Saúde, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no final de 2014.

 

O resultado da pesquisa acaba por evidenciar algo que muitos adultos notaram nos últimos anos: que o número de adolescentes que começam a beber precocemente é cada vez maior.

 

Questão cultural

 

A preocupação de pais e responsáveis aumenta quando começam a perceber que o "mundo" em que os filhos estão inseridos é propenso ao uso descontrolado do álcool e de drogas ilícitas.

 

Além da facilidade de acesso – mesmo com a existência de legislações que restringem a venda -, o uso do álcool também pode ser entendido como uma busca pela construção da identidade do adolescente, que nesta fase passa por um turbilhão de questionamentos, como a necessidade de afirmação perante os colegas e a sociedade.

 

A psicóloga Pâmela Rocha disse que, por estarem em um momento de formação, na passagem da infância para a vida adulta, o álcool e outras drogas acabam se tornando uma fuga ou justificativa para eles.

 

Marcus Mesquita/MidiaNews

Pâmela Rocha: família tem papel primordial

“Os adolescentes, por estarem nesta fase de descoberta do mundo adulto e se sentirem inseguros em questões como relacionamento, afetos, vão usar o álcool para se sentir melhor, mais 'soltos', para interagir”, afirmou.

 

A presença da família nesta fase, segundo a profissional, é essencial para que o adolescente tenha segurança e encontre as respostas para os seus questionamentos, que, por muitas vezes, são existenciais.

 

O fato é que, neste momento, para grande parte da sociedade, estar presente na formação psicossocial do adolescente é um problema. Afinal, conciliar a rotina profissional com a participação efetiva na vida dos filhos é uma árdua tarefa.

 

A distância familiar, os questionamentos existenciais e sociais, somados à facilidade de acesso ao produto, fazem com que a proximidade com o álcool aconteça cada vez mais cedo, em um período em que o adolescente não está preparado totalmente para perceber os seus limites físicos.

 

“A família deve estar próxima do adolescente, para entender o que ele vive. A questão é que hoje os pais têm dificuldade de estarem próximos dos filhos. Saber o que ele vive, saber o que ele pensa sobre isso tudo. Nós precisamos falar sobre isso com os adolescentes”, declarou a psicóloga.

 

“É muito importante que os adolescentes tenham os pais como um apoio. Que os pais saibam com quem eles convivem, onde costumam circular, como se dão as suas relações, conhecer os amigos dos adolescentes. Atuar não no sentido proibitivo, mas no de orientar o adolescente, para que ele entenda o que ele pode viver”, completou.

 

Hábito e família

 

Pâmela Rocha também observou que o uso da bebida alcoólica é uma questão familiar, já que muitos pais bebem na presença dos filhos. Fato que aumenta a necessidade da supervisão, para que os adolescentes saibam que suas escolhas podem causar grande prejuízo.

 

Além disso, a psicóloga afirma que a associação do prazer ao uso do álcool deve ser modificada.

 

“O adolescente precisa sentir que existem prazeres além daquele [trazido pelo álcool]. Então essa sensação de que algo só será legal se tiver o álcool e outras drogas são ilusórias. Existem outras formas de prazer, além destes”, afirmou.

 

Casos extremos

 

Mais grave que a questão do contato precoce com bebidas alcoólicas são os casos em que o adolescente acaba se viciando.

 

O vício entre os jovens já é considerado uma questão de saúde pública, por isso, muitos municípios já possuem centros especializados para atendimento deste grupo.

 

Em Cuiabá, o Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e Droga (Caps ADII), no bairro Jardim Europa, oferece um serviço multidisciplinar, na busca pelo fim da dependência química e da reinserção à sociedade e à família.

 

Segundo a gerente da unidade, Zeni Luercen, o Caps atende jovens de 12 aos 24 anos. Parte da demanda é encaminhada por conselhos tutelares.

 

O trabalho da equipe do local consiste na análise do meio em que esses adolescentes estão envolvidos. Normalmente, eles enfrentam problemas familiares e sociais.

 

O objetivo é fazer com que os danos sociais, causados pelo afastamento da família e da educação, sejam diminuídos.

 

“O trabalho da equipe consiste em ver o adolescente de forma integral. De analisar todas as condições que ele se encontra e buscar a sua reinserção na sociedade, na escola e na própria família”, afirmou Luercen.


Leia mais notícias sobre Cotidiano:

1999-2025 MidiaNews - Credibilidade em Tempo Real

(65) 3027-5770 - Todos os direitos reservados.

Ver em: Celular - Web