07.08.2016 | 09h:00

SHOPPING POPULAR


Shopping Popular se consolida como centro de compras

Camelódromo surgiu após retirada de ambulantes da região central de Cuiabá

Marcus Mesquita/MidiaNews

Reforma feita em 2016 trouxe mais organização ao Camelódromo

Há 21 anos, um terreno sem muitos recursos tornou-se o novo local de trabalho de ambulantes que atuavam no Centro de Cuiabá. Os trabalhadores foram realocados pela Prefeitura para o lugar, no bairro Dom Aquino, onde funcionaria o Shopping Popular. Pouco mais de duas décadas se passaram e o espaço tornou-se um dos maiores centros de compras da Capital.

 

Pessoas de todas as classes econômicas frequentam o lugar, também conhecido como “Camelódromo”. Conforme a Associação dos Camelôs, o espaço recebe de 10 a 15 mil pessoas diariamente. Os dias em que há mais público são sexta-feira e sábado. Um dos principais atrativos, segundo frequentadores do Shopping Popular, é a variedade dos itens. Estima-se que haja mais de 10 mil diferentes produtos no local.

 

No último ano, a Associação dos Camelôs aponta que o público do lugar cresceu em torno de 20%. O principal motivo para o aumento de frequentadores é a reforma do prédio. A reestruturação foi entregue em 16 de agosto e se tornou o espaço mais amplo, organizado e com refrigeração. As bancas passaram a ser pequenas construções, alinhadas entre si.

 

Para o presidente da Associação, Misael Galvão, a reforma representou uma “nova página” para os trabalhadores do Shopping Popular. Ele acredita que o lugar perdeu o estigma de comércio à margem dos outros centros de compras e passou a ser considerado referência para o Estado.

 

“A reforma trouxe diversas melhorias. Os maiores benefício dessa mudança foram a qualidade de vida para as pessoas que trabalham aqui no Shopping Popular e o conforto trazido aos nossos clientes. As pessoas têm orgulho de dizer que trabalham ou fazem compras aqui, porque se tornou uma referência para todo o Estado”, afirma.

 

Reprodução

Terreno do Shopping Popular em 1995, ano em que os ambulantes foram levados ao local

O espaço conta atualmente com 500 bancas de camelôs, das quais 95% estão em funcionamento. Há também praça de alimentação, uma unidade do Serviço Nacional de Emprego (Sine) e um espaço cultural.

 

Para reformar o camelódromo, a associação fechou um Termo de Concessão Honrosa com a Prefeitura de Cuiabá, para continuar no espaço. O acordo para permanecer no local incluiu a restauração e a manutenção do Complexo Dom Aquino, que se tornou responsabilidade dos comerciantes do Shopping Popular.

 

A reforma e as novidades do Camelódromo aconteceram em um período em que o País enfrenta uma intensa crise econômica, que ocasionou aumento do desemprego e queda nas vendas. Misael Galvão, porém, relata que o lugar não está sendo muito impactado pelas dificuldades financeiras do Brasil. Ele afirma que o centro de compras teve crescimento de 5% nas vendas, em comparação ao ano passado.

 

“O Camelô tem um histórico muito grande de aprender a sobreviver às dificuldades. Apesar da crise, temos habilidade de trabalhar e superar isso. Fizemos alguns deveres de casa, como valorizar o cliente, e deixamos de obter grandes lucros. Mantivemos nossa clientela e nosso lucro não caiu tanto”, explica.

 

Chegada ao Dom Aquino

 

Entre as dificuldades enfrentadas pelos camelôs do Shopping Popular, uma das maiores foi a chegada à atual região onde se estabeleceram. A Prefeitura de Cuiabá determinou que todos os ambulantes que atuavam no Centro fossem encaminhados ao bairro Dom Aquino em 21 de abril de 1995.

 

Na época, o principal motivo para a retirada dos vendedores da região central eram reclamações de comerciantes, que afirmavam que os camelôs traziam prejuízos às vendas. Os ambulantes não concordaram com a saída da região central e protestaram contra a decisão. Para contornar a confusão que se tornou a retirada, foram acionados 500 policiais militares e 150 funcionários da Prefeitura. 

 

Um dos que atuavam na região central era Misael Galvão, que trabalha como ambulante desde 1992. O presidente da Associação dos Camelôs lembra que o local onde funciona o Shopping Popular não tinha nenhuma estrutura quando recebeu os vendedores.

 

“Aqui era um lugar muito afastado e sem movimento. A gente tinha medo de não ter público para comprar nossas mercadorias. Não tinha nenhuma estrutura, o nosso teto era o céu, havia somente alguns pisos e dois banheiros”, comenta.

 

O Camelô tem um histórico muito grande de aprender a sobreviver nas dificuldades. Apesar da crise, temos habilidade de trabalhar e superar isso

A comerciante Otília Martins, que possui uma banca de maquiagens e perfumes, também era ambulante do Centro de Cuiabá. Logo que chegou ao Shopping Popular, ela perdeu grande parte de seus produtos em enchentes.

 

“O lugar aqui, para onde a Prefeitura nos mandou, era muito ruim. Eu perdi minhas mercadorias três vezes durante enchentes, nos primeiros anos em que vim para cá. A minha banca ficava em um lugar baixo e a água acabava entrando e estragando minhas mercadorias”, diz.

 

Otília revela que perdeu roupas e óculos, que comercializava na época, em razão das enchentes. Ela chegou a pensar em desistir do lugar e voltar ao Centro, porém, decidiu esperar, pois acreditava que o Camelódromo pudesse melhorar.

 

“Todas as nossas fases foram sofridas, mas foram aprendizados. No início foi muito difícil vir para cá e continuar aqui, mas decidi tentar por mais algum tempo, porque sabia que todo recomeço seria complicado”.

 

Depois de passar por dificuldades, a comerciante acredita que o Shopping Popular vive uma de suas melhores fases.

 

“Hoje estamos em um paraíso, porque temos um ambiente limpo e climatizado e, principalmente, que agrada aos nossos clientes”, comemora.

 

A reforma

 

Para a reforma, a Associação dos Camelôs informou que foram gastos R$ 27 milhões. O dinheiro teria sido obtido com recursos próprios do Shopping Popular, por meio de pagamentos de seus associados.

 

A participação da Prefeitura de Cuiabá e do Governo do Estado para a reconstrução do shopping teria se restringido ao contrato de concessão da área.

 

A nova fachada do lugar é uma homenagem a construções antigas da região do Porto. No ambiente interno, o branco é a cor predominante. Todas as bancas possuem o mesmo tamanho, as maiores são junções de mais de uma delas. 

 

Uma pesquisa feita pela associação apontou que os clientes passaram a gastar mais tempo dentro do Camelódromo depois da reforma. Antes da melhoria, as pessoas costumavam ficar 30 minutos no local. Atualmente, o tempo médio aumentou para 2h30.

Marcus Mesquita/MidiaNews

Misael Galvão, presidente da Associação dos Camelôs, acredita que reforma trouxe benefício ao lugar

 

“Antigamente o cliente vinha aqui para fazer a compra e ia embora. Agora ele vem ao Shopping e traz a família inteira, para visitar as bancas e também para ir à praça de alimentação”, relata Misael Galvão.

 

O presidente da Associação dos Camelôs conta que a reforma atraiu diversas pessoas do interior do Estado e até de outras regiões do País.

 

“O Shopping Popular se tornou um ponto turístico. Não tem ninguém que venha a Cuiabá e que não passe por aqui. Muita gente que recebe visitantes de outro Estado, ou até mesmo de outro País, traz a pessoa para vir conhecer”, comenta.

 

Uma das novidades trazidas pela reforma foi a variedade de comércio. Além das bancas de produtos eletrônicos e itens de beleza, o lugar também abriga outros estabelecimentos, como restaurantes, salão de beleza e farmácia.

 

A comerciante Josiane Santos é proprietária da farmácia instalada no lugar. Ela e o marido possuem outros comércios na Capital e decidiram, depois da reforma, alugar um espaço no camelódromo.

 

“Nós percebemos que existia a necessidade de haver uma farmácia aqui dentro, por isso viemos para cá. A reinauguração também foi um atrativo para estabelecermos o nosso comércio aqui”, explica.

 

Apesar dos pontos positivos, nem tudo é elogio em relação à reforma. Uma das reclamações referentes à nova construção do shopping é a rampa que dá acesso ao segundo andar. Criada para trazer acessibilidade a deficientes físicos, a subida é dividida em três partes. Os cadeirantes, no entanto, afirmam que a rampa é extensa.

 

O vendedor Bráulio Moraes passou por uma cirurgia e precisou andar de cadeira de rodas. Ele reclama das dificuldades que encontrou para chegar ao segundo andar.

 

“A subida é muito longa, por isso acho a acessibilidade muito precária. Um cadeirante não consegue subir sozinho e sempre precisa da ajuda de outra pessoa”, diz.

Antigamente o cliente vinha aqui para fazer a compra e ia embora. Agora ele vem ao Shopping e traz a família inteira

 

A Associação dos Camelôs afirma que o plano inicial era fazer uma rampa menor, porém o projeto foi vetado pelo Ministério Público Estadual (MPE). O órgão teria exigido que a subida fosse feita nos moldes atuais.

 

Outra opção de acessibilidade que está nos planos da administração do shopping é o elevador. No entanto, ainda não há prazo para a implantação do transporte.

 

Valor dos produtos

 

Equipamentos eletrônicos, artigos de beleza, bebidas, roupas e serviços de manutenção de aparelhos celulares são alguns dos itens e serviços oferecidos no Shopping Popular. O preço acessível e os grandes descontos dados pelos comerciantes, durante a venda dos produtos, sempre foram um dos maiores atrativos do lugar.

 

Para a gerente comercial Mislene França, que frequenta o Camelódromo há mais de uma década, o valor dos produtos é o grande motivo que a faz optar por fazer suas compras no local.

 

“Adoro comprar aqui por ser um lugar mais prático e mais barato que em outros estabelecimentos. Já comparei os valores dos itens vendidos aqui e sempre são menores, além disso, os produtos daqui têm qualidade”, diz.

 

A reforma no shopping não trouxe aumento nos custos dos produtos, garante o presidente da Associação dos Camelôs. Ele culpa a alta do dólar pela recente alta nos preços dos itens comercializados.

 

“Continuamos com o melhor valor. O problema é que o dólar é quem delimita o preço das coisas e, atualmente, ele está em alta. Mesmo assim, continuamos com preços justos. Os valores não subiram muito, mas temos que acompanhar o dólar”, argumenta.

Marcus Mesquita/MidiaNews

Diversos itens são comercializados no Shopping Popular, entre eles se destacam os acessórios para celular

 

Apesar de Misael assegurar que o valor dos produtos comercializados não teve grande aumento, há clientes que afirmam que os preços do local subiram e se equiparam a outros lugares.

 

A servidora pública Kary Diana Almeida conta que era cliente assídua do Shopping Popular há cerca de quatro anos. Nos últimos meses, no entanto, ela deixou de ir com frequência ao lugar.

 

“Antes havia concorrência entre os vendedores, igual a uma feira. Mas hoje os preços são iguais aos outros shoppings, o mesmo produto tem quase o mesmo valor em todas as bancas e eles não dão muito desconto”, relata.

 

Kary ainda faz compras no lugar, mas comenta que reduziu a quantidade de vezes em que vai ao Camelódromo. Para ela, os valores não são mais atrativos.

 

“Acho que o camelô popularizou tanto que eles estão querendo vender as coisas pelo mesmo valor dos outros lugares. Mas eles esquecem que o grande atrativo deles era o valor abaixo do mercado”, argumenta.

 

A relações públicas Rachel Almeida também acredita que os valores de alguns produtos vendidos no Shopping Popular estão altos. Ela revela que achou o lugar organizado, após a reforma, mas se decepcionou com alguns preços.

 

“Eu comprei uma capinha de celular e achei o valor muito em conta. Por isso, decidir voltar ao Camelódromo, para comprar roupas de bebê para o meu filho, mas comecei a perceber que os outros produtos estavam exatamente o mesmo preço de outros shoppings, ou até mais caros”, declara.

 

A Associação dos Camelôs argumenta que os produtos importados de outros países são tributados na Receita Federal e pagam impostos, que chegam a 7% em relação ao valor do produto.

Comecei a perceber que os outros produtos estavam exatamente o mesmo preço de outros shoppings

 

Muitas compras dos comerciantes são feitas no Paraguai. No entanto, em razão do atual valor do dólar, diversos camelôs optaram por comprar os produtos em São Paulo. Segundo a associação, a decisão de adquirir itens dentro do Brasil é motivada pela alta tributação da Receita Federal a produtos vindos de outros países.

 

Mesmo com as tributações, Misael Galvão assegura que os preços praticados no Camelódromo são acessíveis.

 

Produtos apreendidos

 

Um dos maiores problemas enfrentados pelo Shopping Popular são as apreensões de mercadorias de algumas bancas. Produtos roubados e outros vindos ilegalmente ao Brasil, sem serem taxados, foram alguns dos itens apreendidos com vendedores do lugar.

 

O presidente da Associação dos Camelôs destaca que todos os associados têm empresas constituídas e cada um responde pelos seus atos. Porém, ele informa que a associação acompanha os casos de apreensão.

 

“Acompanhamos todos os processos de apreensões. Mas é importante destacar que em uma família nem todos são iguais. Somos 500, às vezes tem um que faz algo que não é legal. Não podemos julgar todos os comerciantes por causa de um que cometeu alguma irregularidade”, declara.

 

Segundo Misael, os vendedores que cometem alguma irregularidade são penalizados pela Associação.

 

Comerciantes do Camelódromo

Marcus Mesquita/MidiaNews

Otília Martins é comerciante no Camelódromo desde quando os ambulantes chegaram ao local

 

Em meio à recente reforma e às polêmicas, o Shopping Popular é a fonte de renda de diversas famílias mato-grossenses. O lugar emprega, direta e indiretamente, cerca de três mil pessoas.

 

Misael Galvão acredita que a força de vontade dos comerciantes foi o principal fator para que a região abandonada do Dom Aquino se tornasse um dos maiores centros de compras do Estado.

 

“Logo que chegamos aqui, falamos que esta região era o que tinha sobrado para nós e, por isso, faríamos daqui o melhor lugar do mundo para trabalhar. Hoje está aí, concluído”, enfatiza.

 

A comerciante Otilia Martins orgulha-se da história do lugar onde trabalha há duas décadas. Para ela, a mudança da região Central e as três enchentes que enfrentou a fortaleceram. Hoje, apesar de ver as vendas reduzirem, ela pouco se preocupa com a crise econômica.

 

“Na crise, a gente dá um olé e segue em frente, sem deixar que ela nos abale”, ensina, com a experiência de quem teve que recomeçar por diversas vezes durante a vida como camelô.

 


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