08.04.2018 | 08h:21

CORAÇÃO DE CUIABÁ


É hora de revitalizar e ocupar o Centro Histórico, diz urbanista

José Antônio Lemos avalia que medida não teria grandes custos e traria inúmeros benefícios à cidade

Alair Ribeiro/MidiaNews

"Não existe nada mais anti-histórico do que um prédio histórico tendo um poste imenso", disse o arquiteto José Lemos

No momento em que Cuiabá se aproxima dos 300 anos, seu Centro Histórico pede ajuda. Diversos prédios na região sofrem com a ação do tempo e o abandono, como é o caso da Casa de Bem Bem, na Rua Barão de Melgaço, que chegou a desabar.

 

Para o arquiteto e professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), José Antônio Lemos, é essencial - e possível - revitalizar a região.

 

Conforme o urbanista, que durante muitos anos esteve à frente do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano (IPDU), da Prefeitura de Cuiabá, o trabalho precisa começar pelo rebaixamento da fiação, acomodando-a em dutos subterrâneos. 

Não existe nada mais anti-histórico do que um prédio histórico tendo um poste imenso na frente

 

“Não existe nada mais anti-histórico do que um prédio histórico tendo um poste imenso na frente, desproporcional, com um transformador absurdo, um monte de fios”, afirmou.

 

Lemos ainda explicou que a revitalização vai proporcionar a movimentação e o incremento da economia da cidade, principalmente com o turismo.

 

“Isso deveria estar sendo trabalhado de uma forma que viesse gente do Brasil inteiro. Isso gera emprego, renda”, revelou o urbanista, considerado uma das maiores autoridades no assunto em Mato Grosso.

 

Além disso, o arquiteto também avaliou diversas outras obras em Cuiabá, como a Arena Pantanal, e seus potenciais para o futuro.

 

Veja os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews - Como avalia o prometido legado da Copa do Mundo em Cuiabá? Quais obras de fato valeram a pena?

 

José Antônio Lemos - Eu sempre fui entusiasta da Copa, enquanto possibilidades de investimentos públicos e privados. O Shopping Goiabeiras, por exemplo, estava parado e triplicou de tamanho. O de Várzea Grande estava só na promessa há muitos anos. Aí surgiu esse outro na Avenida Miguel Sutil. São muitos empregos e investimentos significativos de investidores que acreditaram na cidade. Isso sem falar no setor hoteleiro. Mas o legado está aí.

 

Nós vivemos um período de pleno emprego que eu nunca tinha visto. Esse aeroporto, embora não tenha sido concluído, teve uma grande evolução. A Avenida Miguel Sutil, hoje, virou até uma opção de passeio. E antes era um engarrafamento total. Outro é a Arena Pantanal, que foi classificada como uma das mais espetaculares do mundo. E é um equipamento que deu oportunidade de se trazer turistas, movimentar a economia. Não só com jogos, mas com shows e uma série de coisas.

 

MidiaNews - Então o senhor acha que hoje, quatro anos depois da Copa, ainda há esperanças de que a Arena Pantanal não seja um elefante branco?

 

José Antônio Lemos - Eu já vi muitas coisas serem chamadas de elefante branco em Cuiabá. No caso da Arena, nós vamos depender do Governo tomar as iniciativas que já deveria ter tomado há muito tempo. Só de mantê-la acesa com aquele painel que ilumina em volta e troca de cor, já é uma atração. Só o prédio ninguém iria ver. Poderia também criar um tour lá dentro, como acontece em muitas cidades do Brasil e do mundo. Além disso, é um equipamento multimídia de abrangência global. Nenhuma arena sobrevive só com a bilheteria local. Ela teria que receber shows, eventos como jogos da seleção brasileira. Um evento como esse é transmitido para o mundo inteiro. Mas ela foi vista mais como um elefante branco do que uma possibilidade de investimentos. Eu tenho certeza que, mais dia menos dia, os órgãos públicos vão chegar à altura do desenvolvimento que o Estado e Cuiabá estão vivendo.

 

MidiaNews - Um ponto muito discutido pelo antigo IPDU (Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Urbano), do qual o senhor foi diretor, era o aglomerado urbano Cuiabá-Várzea Grande. Como evoluiu a ideia? O que pode melhorar na relação entre as duas cidades?

 

Alair Ribeiro/MidiaNews


"Espero e torço para que a Orla seja administrada com competência" 

José Antônio Lemos - Isso evoluiu para a Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá. Hoje se chama Região Metropolitana. E está sendo finalizado um plano diretor integrado para essas cidades que compõem a Região Metropolitana. Agora é Cuiabá, Várzea Grande, Santo Antônio de Leverger e Nossa Senhora do Livramento. Esse plano diretor vai virar lei e eu espero que realmente esse trabalho permita que a gente faça uma ação integrada entre os Municípios. Na verdade, nós somos uma cidade só, embora dividida politicamente. Não faz sentido você planejar o transporte coletivo só para uma cidade - tem que planejar para todas. Assim também vale para abastecimento de água, esgoto, o tratamento do rio.

 

MidiaNews - Sob o ponto de vista urbanístico, quais as obras o senhor considera prioritárias para os próximos anos em Cuiabá?

 

José Antônio Lemos - Eu gosto de falar do futuro quando se trata de Cuiabá. Planejamento é futuro. A gente pensa uns 20, 30 anos para frente. Muitas vezes, a gente não consegue nos fazer entender porque as pessoas, normalmente, estão vivendo os problemas de hoje. Mas eu entendo que o maior patrimônio de Cuiabá é o futuro. A cidade se transforma cotidianamente e você tem que acompanhar. A gente tem que olhar para o futuro para consertar o passado. Ainda acredito que na Arena poderia ser feito um palácio dos esportes, academia de tudo o que for relativo a esportes, clínica de fisioterapia, loja de materiais esportivos, escolas de educação física. Poderia estar produzindo atletas para futuras olimpíadas ou simplesmente cidadãos. A questão da ferrovia também. Cuiabá é um encontro de caminhos e a gente não pode deixar de lado essa ferrovia [Norte-Sul], que é a mais viável do mundo. Sobre o rodoanel, eu acho que é uma das obras mais importantes para Cuiabá. Outro projeto muito importante seria a revitalização dos córregos. Um melhor aproveitamento dos rios e dos córregos. Quando saí da Prefeitura, deixamos como lei um plano de hierarquização viária. Nesse plano, a Avenida do Córrego do Barbado, que sai lá da Universidade e passa pelo Shopping Pantanal, seguindo o Córrego do Barbado, seria uma avenida-parque. Aquilo foi projetado no final da década de 80.

 

MidiaNews - Como senhor avalia o impacto de iniciativas como a implantação de espaços como os parques das Águas e Tia Nair e a Orla do Porto? Avalia que foram ideia bem executadas?

 

José Antônio Lemos - Espero e torço para que a Orla seja gerenciada com competência e que o pessoal não ache que isso seja fácil. Fazer a obra é fácil, mas criar uma situação dessa corajosa, bonita, mas em uma área que é de difíceis condições sociais, se não for bem gerenciada, tende a não dar certo de novo. Eu vejo que a Cidade Verde está dentro do paradigma colocado pelos nossos antepassados. Nós precisamos do verde e precisamos desses parques todos - e muito mais. Acho que sempre pode melhorar, mas não sou o dono da verdade. O importante em um projeto de urbanismo é quando você vê o usuário feliz. Eu não acredito em arquitetura e urbanismo sem povo para ocupar. E parece que existem condições desses lugares serem permanentes. Além disso, precisamos revitalizar o Centro Histórico de Cuiabá, começando com um projeto que é o calcanhar de Aquiles, que é o rebaixamento da fiação. Não existe nada mais anti-histórico do que um prédio histórico tendo um poste imenso na frente, desproporcional, com um transformador absurdo, um monte de fios. É um projeto caro, mas foi feito em Salvador (BA), em Ouro Preto (MG), em Goiás Velho (GO), Corumbá (MS).

 

MidiaNews - Em relação ao Centro Histórico, o senhor vê alternativa que contemple a revitalização e a ocupação urbana?

 

José Antônio Lemos - Começa pelo rebaixamento da fiação. Isso vai abrir as ruas para construir galerias para passagem de fios, esgoto. Tudo vai passar por baixo. Depois a criação de todo um incentivo fiscal. Você trabalhar o Centro Histórico como um shopping. Também seria interessante trazer escolas para o Centro Histórico porque escolas e faculdades viabilizam a locação de imóveis para repúblicas, restaurantes, lanchonetes, livrarias. E também projetos culturais. Ali não é tão grande. Então dá para trabalhar com esses projetos. É totalmente viável porque lá é o coração da cidade, é o lugar mais acessível porque praticamente todos os sistemas de transporte passam por lá.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

José Antônio Lemos acredita que revitalização movimentará turismo em Cuiabá

MidiaNews - Ainda sobre o Centro Histórico, recentemente a imprensa mostrou o abandono de alguns imóveis, como a Casa de Bem Bem, que até desabou. Quem é o culpado por isso? E qual a solução?

 

José Antônio Lemos - A gente pode enxergar o Centro como um abacaxi, igual à Arena, ou pode enxergar como uma oportunidade de investimentos e de lucro para a cidade. No caso do Centro Histórico, acho que os grandes culpados somos nós, cuiabanos, que devíamos estar pressionando muito mais do que simplesmente ficar chorando depois que o leite derramou. Existem exemplos bem sucedidos de revitalização no Brasil e no mundo. Nós temos o Pelourinho [em Salvador], por exemplo. Aqui é menor, seria muito mais fácil de revitalizar e ser realmente transformado em uma atração turística. Isso deveria estar sendo trabalhado de uma forma que viesse gente do Brasil inteiro. Gera emprego, renda. O turismo é a indústria que mais agrega renda e é ambientalmente inócuo, não polui, traz cultura...

 

MidiaNews - Durante muito tempo, o mote dos planejadores urbanos de Cuiabá era a necessidade de “crescer para dentro”, ou seja, ocupar os espaços vazios urbanos de antes da abertura de novas áreas residenciais. Esse objetivo foi alcançado?

 

José Antônio Lemos - Não. Isso é uma coisa que acontece no País inteiro. O plano diretor para Cuiabá propõe crescer para dentro, que significa crescer dentro do perímetro urbano, que já é muito grande. Nós não precisamos e não podemos ampliar mais. Isso significa custo operacional. Quando você tem uma cidade muito rala, você tem muitas ruas pavimentadas em que não mora ninguém. O caminhão de lixo anda trechos enormes sem ter imóveis dos quais coletar. Isso é custo. Os carros de segurança pública têm que andar por uma série de distâncias imensas para poder fazer a cobertura.

 

MidiaNews - Em meio ao limbo da questão do VLT e considerando que a solução ainda possa levar muito tempo, qual alternativa considera mais viável para aprimorar o sistema de transporte coletivo da Capital?

 

José Antônio Lemos - A Região Metropolitana precisa ser vista em conjunto. O planejamento tem que ser conjunto. O transporte coletivo precisa ser visto dentro da cidade como um todo. Você não pode planejar transporte coletivo sem planejar uso e ocupação do solo, por exemplo. Tem que também considerar a mobilidade urbana como um todo. Desde o pedestre até o carro mais moderno. Enquanto a gente pensar no problema do trânsito enquanto ele mesmo, só vai ficar cada vez pior. E assim pensar soluções. E eu sou a favor do passe livre universal como uma solução. O transporte coletivo não é de uso só do usuário, não é só a pessoa que usa que se beneficia. Beneficia o dono do banco, o comerciante, o comerciário, toda a cidade. Basta parar o transporte coletivo que para tudo. O transporte coletivo tinha que ser arcado por todo mundo, quase como a iluminação pública, que é para todo mundo. Qual seria a vantagem? Primeiro, que é uma injustiça a pessoa que está usando o transporte, que é a solução para o futuro da mobilidade urbana, ter que sofrer por andar em um transporte de pouca qualidade e ter que pagar por isso.

 

MidiaNews - Como o senhor vê a situação do VLT, com gastos já superiores a R$ 1 bilhão, obra parada e sem perspectiva de retomada?

 

José Antônio Lemos - Eu vejo como uma pena. Quando se discutiu o VLT ou BRT, eu defendi o BRT. Após o início das obras do VLT, eu sou VLT e quero que ele fique pronto da melhor maneira possível e servindo a cidade. Já foi feita muita coisa do VLT. Tem que ser viabilizado e a gente tem que cobrar que seja feito.

 

MidiaNews - Acha que ele sai, apesar das dificuldades?

 

José Antônio Lemos - Eu acho que tem que sair. E vai ter que sair. Nós somos seres inteligentes e podemos cobrar.

 

MidiaNews - Se sair, acha que saem os dois troncos: Aeroporto/Centro e Coxipó/Centro? Ou apenas o primeiro, que está mais adiantado?

 

José Antônio Lemos - Eu espero que façam todos. Mas tem que começar pelo início e ver o que está mais fácil. Eu não posso garantir nada porque não tenho bola de cristal.


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