Brinquedoteca do Hospital de Câncer de Mato Grosso

Quando há 15 anos Dejanira Pirovani, de 57 anos, perdeu a filha para o câncer, decidiu transformar a dor da perda na alegria de ajudar o próximo. Ela criou o grupo Girassol da Alegria, que visita seis instituições da capital a cada 15 dias.
Professora e geógrafa, Dejanira foi pega de surpresa quando aos 13 anos a filha Ana Paula foi diagnosticada com Sarcom de Ewing, um tipo de câncer ósseo.
Na época, em 2000, Cuiabá não tinha especialista nessa área, então mãe e filha precisaram ir às pressas para São Paulo iniciar o tratamento de Ana Paula.
“Eu nunca tinha visto ninguém com câncer, aí a gente pensa que fez o tratamento e acabou. No primeiro hospital que a gente tratou, uma mãe falou pra mim que o câncer voltava”, contou a professora.
Ana Paula, a princípio, foi curada, mas com alguns meses a doença voltou. Com isso, a família retornou a São Paulo, dessa vez para o Hospital do Câncer da cidade.
“Foi mais um ano de tratamento e chega uma hora que a doença vence, não tinha mais como”, lembrou Dejanira, muito emocionada.
A menina iria fazer 15 anos, logo, ao voltarem para a cidade, iniciaram a preparação de sua festa. Ana Paula era apaixonada por girassóis e, por isso, sua festa seria toda com esse tema.
Porém pouco antes da data, ela deixou de conseguir andar e não quis mais a realização da festa, que acabou se transformando em uma missa na casa da família.
Pouco antes do falecimento de Ana Paula, Dejanira estava procurando um livro de Rubens Alves, que contava pequenas histórias, uma delas se chamava “como nasceu a alegria”.
“Ela gostava muito de girassol, e tem várias coincidências assim que aconteceram. Quando ela já tinha falecido, eu fui convidada pra ir no Instituto, que é uma das escolas que ela estudava, era para eu falar, ai passei no shopping e achei o livrinho ‘como nasceu a alegria’, e na hora que eu abri tinha um Girassol. Ai eu já sabia”, contou a mãe.
Alair Ribeiro/MidiaNews
Dejanira acredita que as coincidências a mostram estar no caminho certo. Como esse Girassol que nasceu ao lado de sua casa, bem próximo ao dia das mães, sem que ela plantasse
Quando Ana Paula ficou doente, a casa de Dejanira se tornou, como ela mesma diz, uma "romaria", com vários amigos passando diariamente para contar as novidades para a menina.
“Durante toda a doença dela, quando ela via uma criança, quando ela via qualquer pessoa triste, ela sempre chegava perto pra brincar, pra animar. Então eu já sabia que eu iria fazer esse trabalho. Na missa de 7º dia eu falei que os meus amigos e os amiguinhos dela iriam receber um chamado pra gente começar”, disse a geógrafa.
Além de tudo isso, Dejanira contou que teve um sonho em que via um ônibus passando, com fotos de Ana Paula, vários girassóis e o rosto de muitas crianças.
“Juntei esse sonho com a história do livrinho que eu consegui achar, que tinha o girassol e que tinha alegria. A partir disso foi que decidi tudo”, disse Dejanira.
Ana Paula faleceu em 2002. Um ano depois, o grupo teve início.
O grupo
Como Dejanira era catequista, ela já conhecia algumas entidades, como o abrigo Bom Jesus. Ela foi até algumas dessas entidades e disse que queria fazer um trabalho, mas que não fosse ligado a coisas materiais.
“Eu só queria fazer como ela: chegar, brincar, alegrar, não coisas materiais. Aí eles falaram que esse tipo de coisa não tinha, porque alimento a gente dá, agora dispor esse tempo de ir lá tentar brincar, não tinha naquela época”, disse a criadora do grupo.
Em 2003, os voluntários eram os padrinhos de Ana Paula, professores e amigos. Hoje são quase 150 voluntários de todas as idades.
As visitas são feitas a cada 15 dias, sempre aos sábados. O grupo é subdivido em cores, verde, azul, amarelo, vermelho, branco e roxo, cada um com seu coordenador responsável.
Reprodução
Hoje são quase 150 voluntários de todas as idades
Seis entidades recebem os voluntários: o Abrigo Bom Jesus - onde vivem hoje 96 idosos; a Casa Transitória Irmã Dulce - que recebe adultos com câncer; a AACC - que é a Associação dos Amigos das Crianças com Câncer; a Casa de Apoio Esperança – que também recebe pessoas de outras cidades e estados em tratamento em Cuiabá; o Hospital Júlio Muller – onde são visitadas as crianças internadas; e o Hospital do Câncer – na ala adulta.
“São seis grupos, são seis entidades, seis coordenadores. Então a hora que a sua visita está acontecendo, a minha está acontecendo, as visitas acontecem simultaneamente, sempre no mesmo dia. E lá no Hospital de Câncer a gente tem a nossa brinquedoteca, onde a gente tem pessoas do Girassol durante toda semana”, explicou Dejanira.
Segundo a criadora, o coordenador é responsável por preparar as atividades, mas os voluntários tem total de liberdade de propor dinâmicas.
As visitas duram em média duas horas: começam às 14h dos sábados no Abrigo Bom Jesus e na AACC, e às 15h nas demais. E o grupo não tem ligação com nenhuma religião.
“Eu sou católica, tem espírita, messiânico, evangélico, a gente não vai lá falar de religião, a gente vai mostrar Deus através dos nossos atos, com amor, com alegria, passando pra eles que eles são importantes pra nós”, disse Dejanira.
Brinquedoteca no Hospital de Câncer
O Hospital de Câncer foi um dos primeiros lugares escolhidos para as visitas do Girassol, visto que a médica que acompanhava a filha de Dejanira em Cuiabá, Suely Santos Araújo, era de lá, hoje diretora do Hemocentro e uma das médicas referências na área de oncologia do Estado.
“Lá no hospital teve uma época que não tinha espaço de brincar. E como a gente já estava lá dentro e o hospital passou por uma reforma grande, a doutora Sueli falou ‘vocês não querem um espaço de vocês?’”.
Daniel Morita / Hospital do Câncer
Brinquedoteca do Hospital de Câncer de Mato Grosso
A princípio, o espaço do grupo era menor, todo organizado por eles mesmos, que pintaram as paredes e desenharam uma imagem de girassol na porta. Quando ganharam a nova sala, uma arquiteta que era voluntária do grupo fez o projeto.
“Eles ofereceram o espaço físico, a estrutura, e a gente humanizou”, disse a professora.
Uma amiga de Dejanira tinha uma filha que também tinha câncer e escrevia poemas, chamada Laís Amicucci Soares Martins. O talento da jovem virou um livro e toda a renda da venda foi doada para a criação da brinquedoteca.
Além da venda do livro, os voluntários também venderam rifas e várias pessoas fizeram doações. Com isso, o grupo comprou computadores e montou o espaço, que hoje fica aberto todas as manhãs, com um grupo de voluntários cuidando das crianças.
“Eles trazem para as crianças um momento lúdico enquanto eles aguardam a consulta, pra não ficar lembrando que vai ter o remédio, que vai ter a injeção, que vai ter momentos de tanta invasão”, disse Erluce Delmondes, coordenadora da psicologia hospitalar do Hospital do Câncer.
Ela contou que nessa semana que precede o dia das mães, os voluntários promoveram uma atividade e fizeram presentes para as crianças entregarem às mães.
“Então isso na verdade acaba ajudando quem está nesse enfrentamento da doença a ter um pouco mais de ânimo, de ver que a vida não perdeu o sentido, não é só dor, não é só tristeza de continuar lutando”, explicou a psicóloga.
Além da brinquedoteca direcionada às crianças, o grupo também realiza visitas à ala adulta aos sábados.
“Como a maioria deles tem uma história também de perda, de dor, eles conseguem ver o pai, a mãe, o adulto, como uma pessoa que também precisa ser ajudado. Não só na questão de bens, mas principalmente na questão emocional, porque na verdade às vezes sentar, conversar com uma pessoa e ouvir a queixa, a dor, o lamento daquela pessoa já é o suficiente pra ela”, disse a coordenadora.
E a gratidão é vista nas palavras da psicóloga: "Pra nós, na verdade, é um braço dentro do hospital. Um braço que se movimenta o tempo inteiro nesse motivo da ajuda”.
MC Dia Feliz
O MC Dia Feliz é uma campanha, que acontece em todo Brasil, em prol de crianças e adolescentes com câncer, sempre no último sábado do mês de agosto.
Segundo dados do site oficial do evento, em 2016, 79 projetos de 58 instituições de todo o país receberam recursos da arrecadação da campanha. Nesse dia, toda renda da venda do lanche mais famoso da rede MC Donalds é revertida para projetos de instituições que trabalham com crianças com câncer.
Dejanira já participava do MC dia feliz desde 2000, antes da perda de Ana Paula, visto que a médica Suely Santos Araújo, que acompanha a menina, foi quem trouxe o evento para Cuiabá.
Quando o Girassol da Alegria começou, os voluntários participavam do evento como quisessem, indo a qualquer ponto em que estivessem sendo vendidos os lanches e camisetas.
Há seis anos atrás ofereceram ao grupo que ficassem reunidos em um só ponto. A ideia foi passada para os coordenadores e voluntários, que aceitaram. Desde então o grupo fica reunido em algum ponto da cidade.
“É incrível a alegria deles (voluntários) participarem, porque todo ano o Girassol da Alegria, onde ele está, consegue bater a meta e superar o ano anterior”, disse Dejanira.
Ela explicou que os voluntários participam sem pretensão alguma.
“Eu falo assim: É muito fácil você ser bom pra quem é bom pra você, te dou um presente, você me dá outro presente. Mas quando você está fazendo isso pra pessoas que você não sabe se vai encontrar ainda, pessoas que você não conhece, é diferente. Sem pretensão nenhuma de retorno. A gente só quer ajudar, só quer amar, só quer alegrar”, contou a criadora do grupo.
O trabalho voluntário
Dejanira deixou claro o quanto o trabalho voluntário é recompensador.
“Eu acho que é um acalento pra qualquer pessoa. Primeiro é Deus manifestando através dos nossos gestos. Todos os depoimentos das pessoas, tanto das casas, quanto dos voluntários, são de uma emoção indescritível”, disse a professora.
Ela contou que muitos voluntários procuram o grupo acreditando que irão fazer muito pelo próximo, mas por fim descobrem que quem acaba sendo ajudados são eles mesmos.
Alair Ribeiro/MidiaNews
"A nossa única missão e pretensão é alegrar e isso a gente está conseguindo"
“Tem aquela história de que quando você joga qualquer coisa na pessoa, a maior parte fica ao seu lado. Então às vezes a gente acha que estamos sendo o máximo para as pessoas, mas na verdade não, eu estou recebendo muito mais do que estou dando. Toda vez que a gente dá, a gente recebe mais”.
Segundo ela, muitas pessoas chegam ao grupo tristes, mas ao visitar as entidades veem o sofrimento do outro e se transformam.
“Eu acredito que a vida do voluntário é mudada. A visão dele, aquele olhar dele, é diferente quando ele depara com essa realidade tão sofrida. Porque a gente acha que o sofrimento da gente... ‘ai, vou morrer por causa disso’, e aí a gente percebe que o outro sofre muito mais, vê o que é a dor realmente”, disse a professora.
Ela relatou que ao fim das visitas, sempre é feita uma oração e os depoimentos das pessoas são ouvidos.
“Teve um menininho em uma visita que estava com dor na perna e ele era peraltinha, mas estava sentadinho. Começaram a brincadeira e ele foi lá pro meio, brincou o tempo inteiro, a dor na perna sumiu. Na casa transitória também teve um senhor que estava deitado, e nesse dia a gente tinha levado um grupo de violeiros pra cantar, na hora que ele ouviu eles cantando, levantou, foi pra lá e cantou a tarde inteira com a gente. Eu acredito que toda visita é muito abençoada, a gente ouve coisas lindas, que mudam a vida da gente”, contou Dejanira.
Para a criadora, o grupo é a realização de um sonho e torce para que fique exatamente como está.
“Porque quando você cresce muito, às vezes a gente sai um pouco do foco. Então do jeito que está eu acho que está bom, porque a nossa única missão e pretensão é alegrar e isso a gente está conseguindo”, comemorou.
“A cada visita, a cada rosto que vejo, eu sinto que minha filha, apesar de ter ido com 15 anos, deixou uma história, que nos inspira a continuar, a saber que Deus nos ama apesar do sofrimento, que vale a pena a gente tentar alegrar o próximo. Então eu acho que é alegria, amor, é Deus, eu acho que o Girassol é metade da minha família”, disse Dejanira Pirovani.
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12 Comentário(s).
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Patrícia Lorena 20.08.17 19h36 | ||||
Jamais esquecerei do trabalho de vcs dentro do HCC...obrigado por fazerem dos meus dias e dos dias da minha filha Eulállia mais leves de passarem...Deus paguem a vc Dejanira, Sônia e td os voluntários do Girassol por td q fizerfizeram e faz! 😍🌻 | ||||
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Fabiane 23.05.17 09h43 | ||||
Faz 10anos que mudamos de Cuiabá. Fiz parte desse grupo e agradeço a Deus por esse tempo. Quando cheguei, achei que precisava ter um dom ou fazer algo bem planejado e logo vi que isso não funciona. Precisava ser eu mesma! Precisava doar alguns minutos do meu tempo para uma conversa ou um abraço. Coisas simples que tornam nosso dia e principalmente o dia de quem recebe o carinho, em um dia de alegria. Foi um período maravilhoso e peço a Deus que o Girassol da Alegria dure para sempre!! | ||||
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Thaynara Sampaio 16.05.17 07h36 | ||||
Esse trabalho é incrível e muito lindo!! Admiro mtooo essas três mulheres - Dejanira, Erluce e Dra Suely - vocês fazem total diferença na vida de cada um que vocês visitam! Que Deus continue abençoando todas vocês e o Girassol da Alegria! Lindassss | ||||
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CILLMAR 15.05.17 15h50 | ||||
Que trabalho maravilhoso.. que exemplo de alguem que supera tamanha dor ... com certeza essa mãe tem muitos anjos a sua volta... que continuem com essa linda missão ... | ||||
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zaine A. Moreira da Silva 15.05.17 13h54 | ||||
Parabéns Dejanira você é muito importante para todos. | ||||
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