Há quase 10 anos o produtor Cristovão Luiz Gonçalves da Silva conduz um projeto que tenta preservar a cultura africana, indígena e popular de Cuiabá. Trata-se da Rota da Ancestralidade, que consiste em uma caminhada pelo Centro Histórico e entorno com visitas a locais que foram cenário de acontecimentos importantes de nossa história.
A ideia da Rota surgiu quando Cristovão que percebeu que a história tradicional popular precisava ter visibilidade na Capital.
O MidiaNews conversou com o produtor sobre o movimento, que ocorreu pela última vez no dia 31 de maio.
Ele teve a ideia a partir do projeto “Kizomba África de Todos Nós”, que surgiu em 2012 em alusão à consciência negra, e ocorria só no mês de novembro. No entanto, os organizadores foram percebendo uma grande lacuna de tempo sem a discussão da presença africana e dos povos originários na Capital, e Cristóvão decidiu criar a Rota.
Surgido de 2015 para 2016, o movimento acontece durante todo o ano, de dois em dois meses, por meio de agendamento. Também pode ocorrer com maior frequência, conforme solicitado por parceiros ou colaboradores.
A Rota passa por locais que, muitas vezes, não possuem mais características físicas das histórias que aconteceram ali, com o objetivo de não deixá-las serem apagadas. E conta com o apoio de pesquisadoras da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT).
“É uma rota antirracista. A Rota da Ancestralidade tem esse viés de mostrar os pontos simbólicos, mas também a preservação dessa memória, desse patrimônio material e imaterial de influência africana e dos povos originários”, diz Cristóvão.
A Rota
Paróquia Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
A igreja foi construída durante a época da mineração, na metade do século XVIII. Este é o primeiro ponto em memória dos africanos que morreram no local enquanto escavavam a mando do senhorio português. O local, que também abrigava duas irmandades constituídas por negros libertos e escravizados, é conhecido como Alavanca de Ouro e Buracão.
Outro costume que a Rota integra, a Lavagem das Escadarias do Rosário, também tem como um dos motivos a lembrança desses africanos soterrados até hoje no local.
Casas antigas nos calçadões
As casas antigas localizadas em ruas e calçadões do Centro são outro ponto de parada da Rota da Ancestralidade. Elas eram moradia de populações ribeirinhas às margens do córrego da Prainha. As mulheres negras trabalhavam lá diariamente sendo amas de leite, lavadeiras, engomadeiras e costureiras.
Praça da Mãe Preta
Localizada no bairro Baú Sereno, tem esse nome em homenagem a Ana Benedita das Neves. Ela foi uma parteira, cozinheira e lavadeira, e ficou conhecida por ser também ama de leite de diversos filhos da elite local, mesmo após a abolição da escravidão. Nasceu em 1919 e faleceu em 1971, tendo um de seus filhos ainda vivo, com 85 anos.
Arquivo pessoal
Rota da Ancestralidade na Paróquia Nossa Senhora do Rosário e São Benedito
Praça da Mandioca
Foi a primeira e principal praça do período colonial, surgida em 1727. As residências dos primeiros governadores e de parte da elite eram formadas nos seus arredores. O local também recebeu o pelourinho (estrutura que simbolizava o poder português sobre os colonos).
No pelourinho, muitas pessoas que eram contra as ordens e leis portuguesas foram castigadas, sendo ele o instrumento de tortura e de castigo contra a população escravizada mais utilizado na época.
Rua das Pretas
A rua é identificada por este nome por ser onde negros escravizados passavam para buscar água das bicas e do córrego da Prainha. Também é nomeada Rua do Meio, porque essas pessoas não podiam passar pela Rua de Cima nem pela Rua de Baixo, que eram passagem dos senhorios.
Beco do Candeeiro
A rua recebeu este nome por estar entre os muros dos casarões e por ter sido a primeira rua da cidade a ser iluminada por candeeiros. Juntamente com as Ruas do Meio, de Baixo e de Cima, é uma das primeiras a serem criadas. Foi nesta praça que ocorreu a chacina de quatro jovens nos anos 1990.
Museu de Imagem e Som de Cuiabá (Misc)
O último ponto de parada é o Misc, que foi a casa de Alferes Joaquim Moura, que cobrava impostos na época. O prédio antigo é localizado na rua Voluntários da Pátria. Lá estão fotografias que retratavam o cotidiano da capital antigamente.
A Rota é feita entre uma hora e uma hora e meio, de acordo com a visitação dos pontos e as discussões fomentadas pelos participantes. No entanto, é possível que menos pontos sejam visitados, ainda que seja preferível a visita dos sete. Atualmente, a quantidade de participantes por Rota varia entre 80 e 100 pessoas. Conta com o apoio dos projetos Psicanálise na Rua e do Fórum de Capoeira, da Associação Mato-grossense de Capoeira MT.
Projetos
Há mais de 30 mil pontos de influência africana em Mato Grosso, que são muito pouco divulgados e estudados, o que faz com que suas histórias acabem se perdendo.
Por isso Cristóvão tem um projeto de implantação de totens, que são dispositivos que podem ser implantados com informações sobre o passado de cada local. Este é um projeto que já tem diversos espaços definidos em Cuiabá, como o Parque Mãe Bonifácia, o Morro da Luz, a praça do Quilombo e a avenida 8 de Abril.
Ainda há diversos locais que poderiam ser visitados como parte da Rota no interior de Mato Grosso, mas até a escuta e o registro dessas histórias se tornam difíceis por conta da falta de apoio financeiro.
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