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COMIDA EM CASA
21.08.2022 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Restaurantes: "Aplicativos detêm o poder e empresário é refém"

Presidente da Abrasel diz que donos não têm outra opção a não ser permanecer nas plataformas

MidiaNews

A presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MT), Lorenna Bezerra

A presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MT), Lorenna Bezerra

GUSTAVO CASTRO
DA REDAÇÃO

A presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MT), Lorenna Bezerra, diz que os aplicativos de comida, como Ifood, se transformaram quase em sócios dos estabelecimentos, uma vez que ficam com até 28% do valor de cada prato. 

 

Apesar disso, ela diz que não é possível deixar de ter o serviço, uma vez que atualmente é muito baixo as pessoas que pedem comida pelo telefone ou WhatsApp. 

 

"Se você não estiver lá [no aplicativo], você não vende. O empresário acaba sendo refém. Se ele não estiver lá, ele não vende, não corre nenhum risco de vender", explicou em entrevista ao MidiaNews.

 

Outro desafio do setor também tem sido a inflação dos alimentos. Segundo Lorenna, as casas têm usado da criatividade para não repassar os preços. "A gente está aproveitando muito a sazonalidade dos produtos e usando isso a nosso favor. O que está na época e que você encontra pelo menor preço é o que vai ser usado no cardápio", diz. 

 

Confira trechos da entrevista:

  

MidiaNews – Como tem sido, para o setor, essa alta no preço dos alimentos? 

  

Lorenna Bezzera – A inflação está aí, pegou em um momento que não deveria. Por que tem gente que está fechando? Nem se recuperou da pandemia, não conseguiu fazer delivery, estava com o aluguel atrasado, rescisão para pagar, empréstimo e, com o aumento dos insumos, a margem dele diminui. Principalmente dos pequenos, que temos muito no nosso setor, que faturam entre R$ 30 mil e R$ 50 mil. Esses pequenos sentem muitos impactos e, às vezes, não conseguem repassar e têm que usar a criatividade.

  

Não é tudo repassado. O que acontece é que a gente está aproveitando muito a sazonalidade dos produtos e usando isso a nosso favor. O que está na época e que você encontra pelo menor preço é o que vai ser usado no cardápio. Antes, você servia uma variedade de tudo quanto é coisa. Ia só comprando e colocando no buffet. Hoje não. Optamos por usar a criatividade com o que está na época, que é o produto da estação, vamos dizer assim.

  

MidiaNews – A senhora sabe especificar de quanto foi a inflação para o setor?

  

Lorenna Bezzera – Sabe o que é curioso? É que está mais caro para o consumidor comer dentro de casa, comprando no mercado, do que nos restaurantes, exatamente por conta dessa engenharia de cardápio que os restaurantes estão tendo que fazer. Hoje, comer fora de casa, está em 6% de inflação, enquanto no supermercado chega de 13% a 16% [no ano]. Está quase duas vezes mais. Quando você compra no mercado, você compra uma quantidade de produtos que não necessariamente vai conseguir usar, tem desperdício. Como no restaurante tem a rotatividade, ele consegue fazer o reaproveitamento do alimento na sua totalidade.

  

MidiaNews – A senhora tem recebido reclamações dos associados da Abrasel em relação a esses aumentos no preço? 

 

Esses pequenos sentem muitos impactos e, às vezes, não conseguem repassar e têm que usar a criatividade.

Lorenna Bezzera – Claro. Quem que gosta de aumentar? O que faz? A conta não fecha. Não dos consumidores, mas dos empresários mesmo. Os restaurantes não repassam, não dá para você repassar tanto. Se eu subir tanto assim o preço, o consumidor não vai. Tem que ter esse equilíbrio para manter o movimento. O mercado está aquecido. A gente está com um movimento legal, está contratando, inclusive estamos precisando de mão de obra. Todo o restaurante tem, pelo menos, umas duas vagas precisando de gente para trabalhar, principalmente nos finais de semana. Eu acredito que o consumidor tenha percebido isso também.

  

MidiaNewsA queixa de muitos clientes é que estão reduzindo o tamanho das porções e também a qualidade do produto. Isso tem mesmo acontecido?

  

Lorenna Bezzera – Olha, o setor é muito amplo. Tem restaurantes por quilo, à la carte, alta gastronomia, rodízio, pizzaria, hamburgueria, lanchonete. Assim, para eu falar para você que a gente é a favor de usar produtos de baixa qualidade, não, mas onde é que esse consumidor foi buscar isso? Porque tem informal, tem formal... É muito difícil falar e generalizar assim para o setor todo. Vou te falar mais do lado de cá. Eu vejo uma preocupação muito grande em atender bem o cliente, servir produto de qualidade, para você manter esse cliente. O empresário que pensa desse jeito, que está diminuindo a porção e a qualidade, não está visando o negócio dele em longo prazo. O cliente que vai e tem essa experiência, não volta.

  

MidiaNewsO que a pandemia trouxe de ensinamento aos empresários do setor?

Está mais caro para o consumidor comer dentro de casa, comprando no mercado, do que nos restaurantes

  

Lorenna Bezzera – Trouxe muita criatividade e resiliência. Talvez por isso, alguns estejam passando melhor por esse momento de inflação alta. Esse setor é um setor que, como a compra é feita na maioria das vezes diária ou semanalmente, não se faz um estoque mensal. Não é uma coleção que chegou. Tem empresário que está todos os dias no restaurante, vende o almoço, fecha o estabelecimento e vai no supermercado fazer a compra para o outro dia ou fazer o pedido com o fornecedor. Ele tem que acompanhar esses números todos os dias. Não dá para deixar, sabe? Conferir quando chega a entrega, para ver se não está faltando produto... Tem que vigiar o tempo todo as brechas e fazer muito uso da engenharia de cardápio. Como é que eu posso reaproveitar esse alimento? Quais são os derivados que posso fazer com esse alimento aqui para não haver desperdício?

  

MidiaNewsEm relação a questão de isenções e benefícios propostos pelos governos durante a pandemia, os empresários utilizaram, têm utilizado?

  

Lorenna Bezzera – Isenções nós temos algumas. Pelo governo, tem o IPVA que foi isento. Pela prefeitura de Cuiabá e algumas nos estados tem o IPTU, mas ainda não saiu o resultado falando: “Você está isento, você não está isento”. Não foi deferido. Muitos ainda estão esperando. É uma expectativa, vai ajudar muito. Um projeto aqui de Cuiabá, que a gente até tentou levar para as cidades, uma a gente conseguiu e outras não, é o que isentou alvará e IPTU de 2020, 2021 e 2022. Isso ajudou bastante.

  

MidiaNews – A senhora falou há pouco sobre a questão dos deliverys. Principalmente na época da pandemia, que não estava abrindo necessariamente o espaço físico, houve o aumento do delivery...

  

Lorena Bezzera – Vou te falar sobre delivery. Poucas pessoas têm essa informação. O delivery serve para uma parcela bem pequena de restaurantes. Bares, por exemplo, não fizeram delivery durante a pandemia. As marmitarias não fazem delivery porque o consumidor, o cliente dela, estava em casa, então ele preparava sua refeição em casa durante a pandemia. Os pequenos restaurantes do centro, por exemplo, que dependiam do movimento das ruas para poder vender, não venderam e também não fizeram delivery.

 

Outra curiosidade sobre o delivery: a maioria tem feito através de aplicativos, e a taxa para fazer por aplicativo é de até 28%. Então, 28% do valor de um produto é para o aplicativo e não para o restaurante. Se você tirar 28% para o aplicativo, 30% do custo da mercadoria, aí tem o aluguel, tem os funcionários e sua renda própria, a margem é muito injusta. Por isso tivemos muitos que fecharam durante a pandemia e hoje a gente ainda vê os pequenos que não estão conseguindo se manter e estão fechando.

 

Os pequenos restaurantes do centro, por exemplo, que dependiam do movimento das ruas para poder vender, não venderam e também não fizeram delivery.

 

MidiaNews – Os bares e restaurantes não conseguem negociar diretamente com essas empresas para ter uma redução nessas taxas?

  

Lorenna Bezzera – Isso é uma luta nacional. Não conseguem, porque eles detêm o poder. Se você não estiver lá [no aplicativo], você não vende. O empresário acaba sendo refém. Se ele não estiver lá, ele não vende, não corre nenhum risco de vender, porque hoje o consumidor que quer fazer um pedido vai ao celular. Ele não telefona mais. São raros os que fazem isso. Hoje ainda acontecem algumas vendas pelo WhatsApp ou por telefone, mas é muito pequeno, chega a ser 5% só.

  

MidiaNews – Vocês se sentem reféns dessas plataformas?

  

Lorenna Bezzera – Sim, com certeza. É assim: ele é um sócio que não tem como ficar sem, porque o cliente quer. Ele já tem um entregador que vai levar para o cliente e ele está onde o cliente quer, porque ele está na palma da mão do cliente. Tem que alinhar essa força, tem que saber usar essa força. É aí que eu te digo que é de olho nos números também.

  

MidiaNews – O que a senhora acha que é preciso para ter essa linha com os aplicativos? O que acha que falta?

  

Lorenna Bezzera – Eles não negociam. Se você quiser, fica na plataforma. Se não quiser, não fica. Não negociam.

  

MidiaNewsQual é a tendência do setor de bares e restaurantes aqui em Cuiabá e também quais tipos de estabelecimentos têm mais chances de prosperarem?

  

Lorenna Bezzera – Os que fazem controle. Os que estão de olho nos números, que cuidam dos seus clientes, da sua equipe. Eles que vão prosperar, porque o restaurante existe para atender pessoas e são pessoas que atendem pessoas. Tem que cuidar dos funcionários, dos fornecedores, porque eles precisam sobreviver, também.

 

A gente precisa manter uma relação saudável com o fornecedor, com o cliente e com a equipe. Treinar bastante a equipe

A gente precisa manter uma relação saudável com o fornecedor, com o cliente e com a equipe. Treinar bastante a equipe e estar sempre de olhos nos números. Tem uma ferramenta que a gente chama de ficha técnica, que o empresário pode fazer no Excel. É muito fácil. É só colocar e escrever qual é o insumo, o produto que ele usa, a grama, o quilo, para fazer a conta para ver se está fazendo sentido para ele aquele valor que ele está vendendo. Porque, as vezes, ele está vendendo, entra o dinheiro no caixa e ele deixa de pagar alguma conta e ele acha que está sobrando dinheiro, o que não é verdade, porque daqui a pouco ele vai ter que pagar essa conta e não vai ter dinheiro.

 

É importante estar de olho nos números também. Ter criatividade. Se você puder aproveitar, o Sebrae tem muitos programas que podem ajudar. A Abrasel tem o site com bastante cursos também que podem ser oferecidos para a equipe e também para fazer a gestão da sua empresa, cursos online gratuitos.

  

MidiaNews – A senhora gostaria de deixar uma mensagem para os filiados à Abrasel?

  

Lorenna Bezzera – Quando a gente une essas forças, é mais fácil, porque a minha dor pode ser a dor do outro, então a gente faz reuniões de associados, reuniões mensais e ali trocamos informações sobre o negócio. A Abrasel sempre leva um palestrante diferente para falar sobre assuntos pertinentes ao setor. A gente sempre está buscando desenvolver o empreendedor, a gente luta por desburocratizar também o empreender.  É bom ter representatividade. Quando você está com problema, você tem alguém que te representa e que te ajuda a resolver esse problema. Esse é o papel do Abrasel.

  

Ao contrário do que as pessoas pensam que todos são concorrentes e que estão querendo pegar o funcionário um do outro, querendo pegar o cliente um do outro, não é. O cliente hoje vai ao meu, amanhã vai ao seu, depois no outro. Ele não vai comer a vida inteira, todo dia, no mesmo lugar. Tem espaço para todo mundo. Tem lugar para todo mundo.

 

Cuiabá tem uma gastronomia tão agradável. Se você pegar 30 dias para ir, você não consegue ir a todos. Hoje a gente está, graças a Deus, com uma gastronomia muito boa. Aquela hora que você falou que estão reclamando das coisas de má qualidade e de pequena porção, não é isso que a gente preza, não é isso que a gente prega e quer. A gente quer que as pessoas ofereçam sempre o melhor para que o cliente volte a comprar.

 

 

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Jorge Cintra  22.08.22 21h42
Bacana o setor levantar a discusão. Tecnologia e inovação sempre bem-vindos, mas vamos debater as taxas.
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Ricardo  22.08.22 18h07
Que os empresários do setor de restaurantes e etc, se unam e criem um app exclusivo para suas entregas. Mexam-se, ou vão ficar refém de uma empresa multinacional que não produz nada, somente intermedia a entrega e ainda explora os entregadores? Vamos lá, reajam! Antigamente os empresários tinham mais vontade, mais garra. Cadê as associações (ABRASEL), façam um APP e se livrem desses aproveitadores de plantão. Esses apps são grandes evasores de divisas brasileiras, dinheiro nosso indo para fora.
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Leandro  22.08.22 07h52
Sobre o App de delivery dominante no mercado nacional é simples resolver. A Abrasel cria um novo App (Cuiabá Food) e todos associados migram para essa nova plataforma deixando de vez o App de delivery antigo. Claro que a Abrasel deverá fazer uma campanha forte e contínua na divulgação do novo App. Tá fácil resolver, basta querer. Att,
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Cesar  21.08.22 21h51
É só comprar motos e contratar motociclistas entregadores!!! Há uma parceria, mas se acha ser refém, essa é a solução.
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Marcos Justos   21.08.22 09h05
Se o restaurante tem sua operação via aplicativo, então ele não precisa estar em um ponto comercial "caro", não precisa "estacionamento", pode trabalhar com número de funcionários "reduzidos", não precisa ter garçom. Agora se a venda por aplicativo não representa a maioria da vendas, pode se repassar esse custo para o usuário, afinal o usuário que se tornou refém do aplicativo querendo comida em casa sem nenhum trabalho. Fácil resolver: Só todos os estabelecimentos repassarem o custo do "ifood" para o prato pedido. Ela criar uma nova plataforma (custo mais baixo) onde os usuários que utilizarem vão pagar mais barato que ifood.
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