A distância entre Mato Grosso e as principais refinarias de petróleo do país cria oportunidades para a adulteração de combustíveis no meio do caminho. A revelação é do pesquisador Felipe Thomaz de Aquino, professor de Engenharia Química da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em entrevista ao MidiaNews.

De acordo com o profissional, o Estado depende de cargas que percorrem longos trajetos até chegar às bombas dos postos de combustíveis, o que possibilita que elas sejam adulteradas com mais facilidade.
“A distância, que às vezes é longa em relação a uma refinaria, vai permitir alguns momentos em que a pessoa pode usar da adulteração. Então, sem dúvida, em relação à logística, talvez a gente esteja um pouco prejudicado”, afirmou Aquino.
Em muitos casos, segundo o professor, nem os donos dos postos sabem da adulteração. Eles optam por compras mais rentáveis e acabam contribuindo com a fraude.
“O próprio dono do posto vai receber um combustível que está adulterado. Ele está buscando lucro sempre, porque é um empresário, é um comerciante. Só quando começam a surgir muitos problemas é que ele vai perceber que o combustível está adulterado”, disse o professor.
Conforme Aquino, o combustível mais suscetível à fraude é o etanol. Por ser incolor, há mais opções de líquidos que podem ser adicionados a ele sem levantar suspeitas.
A adição de água e de outros solventes transparentes faz com que o reconhecimento da adulteração seja imperceptível, a não ser que haja um teste de verificação, de acordo com o professor.
Ele afirmou que, diferentemente da gasolina, cuja adulteração pode ser notada dependendo da quantidade e do tipo de aditivo utilizado, a cor natural amarelada do combustível facilita a identificação da fraude.
Bombas reprovadas em Mato Grosso
A medição dos combustíveis nas bombas dos postos também é um problema percebido pelos consumidores, que muitas vezes pagam mais por menos produto. Só entre janeiro e outubro deste ano, cerca de 58,5% das bombas fiscalizadas em Mato Grosso foram reprovadas pelo Instituto de Pesos e Medidas de Mato Grosso (Ipem-MT).
Das 2.721 bombas fiscalizadas no período, 1.592 foram reprovadas e 124 precisaram ser interditadas.
Apesar de a reprovação não significar necessariamente erro de medição em desfavor do consumidor, ela pode envolver outros tipos de irregularidades.
“Em muitos casos, a medida é adotada por questões de segurança, como vazamentos de combustível, fiação exposta ou outros riscos que possam comprometer a integridade das instalações e a segurança dos usuários”, explicou o Ipem-MT ao MidiaNews.
Danos aos veículos
De acordo com o professor, além de reduzir o rendimento do veículo em quilômetros por litro, os combustíveis adulterados podem prejudicar determinados materiais, o que aumenta ainda mais o prejuízo.
Ele explicou que a adulteração provoca reações químicas capazes de degradar partes do motor, especialmente componentes eletrônicos e peças de plástico presentes nos dutos e nos sistemas de injeção.
“O motor, além da carcaça, tem os dutos por onde vão passar o combustível ou a emissão do combustível, que já são poliméricos, plásticos. O solvente pode gerar um prejuízo nesse funcionamento do carro, porque o motor não foi preparado para aquilo”, afirmou.
“Fora a questão da sujeira. A manutenção do carro é justamente no bico de injeção do combustível. Com o combustível adulterado, isso vai se sujando mais facilmente e prejudicando todo o sistema. Quanto mais eletrônico e automatizado for o carro, com certeza maior será o prejuízo nessa parte também”, complementou.
Segundo o professor, o motor é preparado para receber combustível regular e não consegue identificar corretamente o produto adulterado, o que pode causar pane no veículo.
Ligação com adulteração de bebidas
Ainda na entrevista, o professor explicou que a adulteração de bebidas alcoólicas por metanol também está relacionada à adulteração de combustíveis. Até o momento, Mato Grosso registrou 11 casos de intoxicação pela substância, sendo quatro já confirmados.
As bebidas, especialmente destiladas, foram alteradas com etanol combustível, que já estava adulterado com metanol. No organismo humano, a substância gera compostos altamente tóxicos.
As vítimas podem sentir tontura, dores de cabeça, enjoo e até cegueira. Nos casos mais graves, pode haver morte, como ocorreu no último dia 7 com uma mulher de 30 anos, em Várzea Grande.
“É uma substância que, dentro do nosso organismo, vai ter reações químicas diferentes e gerar substâncias muito tóxicas, que levam a diversos sintomas. Dependendo da quantidade de metanol existente na bebida adulterada, pode levar, inclusive, à morte do indivíduo”, afirmou Aquino.
“Ciência sem Moage”
O professor afirmou que a popularização da ciência é extremamente necessária para a sociedade, para que as pessoas compreendam melhor questões como a adulteração de produtos e as consequências das substâncias criadas por ela.
Além de uma fiscalização mais rigorosa, esse conhecimento pode evitar que o consumidor seja prejudicado.
Em muitos casos, o próprio fornecedor pode não saber que vendeu ou produziu um produto adulterado, o que prejudica tanto ele quanto o consumidor.
Pensando nisso, Aquino criou o projeto “Ciência sem Moage” e trabalha com alunos da UFMT para levar mais conhecimento à população local.
“A gente traz esse tipo de informação mais prática da ciência. Trazemos informação acessível, interessante, divertida, para que as pessoas criem esse hábito e evitem esses problemas na vida — tanto o impacto no bolso quanto na saúde, e também o risco de prejudicar o próximo”, finalizou o professor.
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