Zelosas e bravas senhorinhas costumam cuidar de hortas orgânicas nas franjas da cidade.
Enquanto isso, no meio da avalanche diária de informações, duas notícias produzem a sensação de que precisamos repensar os rumos da humanidade. Interromper a marcha da insensatez que nos envenena, adoece e mata!
A primeira notícia: ignorando os alertas e os apelos de expoentes do meio científico, dedicados à saúde pública, foi sancionada a Lei que autoriza a pulverização aérea de veneno em cidades - Lei nº 13.301/2016.

O agrotóxico será pulverizado diretamente sobre áreas habitadas. Serão atingidas residências, escolas, creches, hospitais, cursos d’água, clubes de esporte, feiras, comércio de rua e ambientes naturais, centrais de tratamento de água para consumo humano e fábricas de alimentos. Inclusive hortas orgânicas de zelosas senhorinhas da zona urbana!
Serão atingidas, cruel e inadvertidamente, pessoas em deslocamento urbano, estudantes, bebês de colo, gestantes, idosos, carteiros, boêmios de ruas calçadas ou de terra e doentes em geral.
A segunda notícia: a Organização Mundial da saúde – OMS divulgou números impressionantes sobre a ocorrência de suicídios no mundo.
A cada semana, são 20 mil suicídios! Portanto, segundo a OMS, um milhão de pessoas por ano se suicidam.
É uma quantidade anual de mortes maior do que a resultante de guerras e homicídios.
Embora o tema seja cercado de tabu, desde 1990 a OMS trata o suicídio como um grave problema de saúde pública. Há inclusive uma data em que se celebra o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio – dia 10 de setembro.
No caso do Brasil, preocupa o ritmo de crescimento dos índices, principalmente entre a população mais jovem. O suicídio já é a terceira causa morte entre homens com idade de 15 a 29 anos. Em regra, os distúrbios mentais estão associados aos casos de suicídios registrados no país.
Aprofundando a análise, a OMS indica a ingestão de agrotóxicos como um fator que aparece como mecanismo disseminado de suicídios. A partir daqui as notícias se entrelaçam.
Além da ingestão voluntária, a exposição ambiental aos agrotóxicos, involuntária, não pode ser desprezada como causa que contribui, indiretamente, para a produção dos números que preocupam a OMS.
Na plataforma Scielo (www.scielo.br/) - biblioteca eletrônica que abriga uma coleção selecionada de periódicos científicos brasileiros – há uma série de pesquisas acadêmicas que relacionam o acréscimo no consumo de agrotóxicos, em determinado período e região específica, ao crescimento dos casos de suicídio.
Um dos estudos mais conhecidos refere-se à cultura do tabaco, no município gaúcho de Venâncio Aires. Pesquisa de 1995 apontou suspeitas de relação entre os suicídios e o agrotóxico usado no tabaco – organofosforados.
A revelação teve forte repercussão nos meios econômico, político e jurídico. O Ministério Público Federal instaurou Inquérito para investigar a relação.
No mesmo sentido, estudos do Instituto Nacional do Câncer – Inca têm apontado o maior risco das pessoas expostas aos agrotóxicos de desenvolver alterações neurocomportamentais, capazes de evoluir para quadros de depressão e suicídio.
É complexo o diagnóstico de algumas enfermidades. No caso dos transtornos mentais, que podem levar ao suicídio, é difícil rejeitar a teoria multicausal e a importante contribuição dos fatores ambientais, inclusive os produtos que envenenam o ambiente.
Assim é bastante compreensível o alerta da Organização Mundial da Saúde para a necessidade de limitar o acesso das pessoas a armas de fogo e a produtos químicos letais.
Certamente, deveríamos estar preocupados com a autorização para que o veneno seja despejado sobre as nossas cidades por aeronaves que, até o mês passado, apenas estavam autorizadas a envenenar os campos.
E os produtos utilizados para controlar vetores, urbanos, possuem os mesmos princípios ativos daqueles usados na agricultura.
A zelosa senhorinha da horta orgânica, que talvez nem saiba ler, também receberá sua cota!
LEOMAR DARONCHO é procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso.
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