O delegado Rogério Ferreira, titular da Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor (Decon), responsável pela Operação Marca Registrada, que combate a venda de roupas de grife falsificadas, afirmou que empresários podem estar usando outlets em Mato Grosso para financiar o crime organizado.
No dia 28 de agosto, a operação foi realizada em seis lojas outlets de Cuiabá e Várzea Grande e apreendeu 20 mil peças de vestuário.
“Sabemos que uma pequena quantidade de pessoas está enriquecendo com a pirataria em Mato Grosso por meio dessas outlets, que foram fiscalizadas no último dia 28 por meio da operação Marca Registrada. [...] Em regra [os produtos vem] da 25 de Março em São Paulo”, afirmou o delegado em entrevista ao MidiaNews.
As outlets são lojas que teoricamente comercializam produtos de marcas a preços mais acessíveis. No entanto, empresários têm comercializado produtos ilegais, que vem principalmente de São Paulo.
Embora alguns consumidores saibam da ilegalidade dos produtos, outros são enganados pelas lojas. “Normalmente, os vendedores já são treinados pelos representantes dessas empresas para dizer que se trata de uma outlet, que vende produtos com pequenas avarias por um preço menor, e aí o consumidor é levado o erro”, disse.
Além disso, Rogério Ferreira disse crer que algumas empresas podem estar financiando o crime organizado.
Leia os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - No final do último mês, a Decon organizou a Operação Marca Registrada. Tem uma extensão dessa operação que está sendo preparada para acontecer? Mais lojas vão ser vistoriadas?
Rogério Ferreira - Não podemos falar sobre as investigações em andamento. Estão sob sigilo.
MidiaNews - E sobre a informação da quantidade de produtos apreendidos em milhares, pode falar?
Rogério Ferreira - Nessa primeira fase da operação Marca Registrada, apreendemos mais de 20 mil peças de vestuários.
MidiaNews - Um dos empresários afirmou que estava separando notas fiscais das mercadorias e citou que paga impostos, mas isso não significa que o produto dele não é falsificado, certo? O senhor pode me explicar sobre essa situação?
Rogério Ferreira - O fato dele ter ou possuir notas fiscais não quer dizer que o produto seja original. O primeiro ponto que temos a analisar é isso. Você pode ter nota fiscal de produto contrabandeado, de produto falsificado. O segundo ponto é: será que ele tem nota fiscal de todos os produtos que estava comercializando ou apenas uma pequena quantidade de notas fiscais para justificar ali durante uma fiscalização, uma tentativa de justificar?
E um terceiro ponto que quero destacar é que até o momento nenhum empresário entregou nenhuma nota fiscal na Delegacia do Consumidor. Passados aproximadamente 10 dias da Operação Marca Registrada, nenhum empresário apresentou notas aqui. Até porque se apresentarem, essas notas vão ser checadas e pode ser que eles incorram em mais um crime, que é a apresentação de documento falso.
MidiaNews - Quais são os principais produtos falsificados aqui em Mato Grosso que são vendidos?
Rogério Ferreira - Nós estamos comercializando muitos produtos ligados à área de vestuários, roupas e calçados. Isso é o foco principal do combate à pirataria aqui em Mato Grosso. Mas não só isso. Temos também o contrabando de cigarros e de pneus e de outros produtos que a gente precisa investigar.
MidiaNews - E já tem a informação de quanto de lucro essas empresas da operação dessa fase que já aconteceu conseguiam com esses produtos falsificados?
Rogério Ferreira - Não temos essa informação até o momento. Agora, sabemos que uma pequena quantidade de pessoas está enriquecendo com a pirataria em Mato Grosso por meio dessas outlets que foram fiscalizadas no último dia 28 por meio da operação Marca Registrada.
MidiaNews - Que ainda está acontecendo para verificar se tem outras?
Rogério Ferreira - As investigações continuam em andamento.
MidiaNews - Já se sabe de onde vinham esses produtos? Eram de São Paulo mesmo?
Rogério Ferreira - Em regra da 25 de Março em São Paulo.
MidiaNews - Os consumidores compram os produtos sabendo da sua falsificação?
Rogério Ferreira - Alguns consumidores têm conhecimento que estão comprando produtos falsificados e o que eles querem mesmo é ostentar ali uma roupa de marca, que tem a logomarca de uma marca conhecida nacional e internacionalmente. Outros consumidores são levados a erro porque são produtos de qualidade relativamente boa e que estão expostos por um preço muito abaixo de mercado mas que normalmente os vendedores já são treinados pelos representantes dessas empresas para dizer que se trata de uma outlet, que vende produtos com pequenas avarias por um preço menor, e aí o consumidor é levado a erro por essas condutas.
MidiaNews - Esse crime ocorre somente em lojas fora dos grandes shoppings ou há alguma informação de que lá também pode estar ocorrendo isso?
Rogério Ferreira - Nós estamos investigando isso ainda. Mas no shopping é mais difícil você ter lojas vendendo produtos piratas, porque o shopping toma um cuidado com isso. Em regra é mais fácil você colocar uma loja na rua do que dentro de um shopping para vender produtos falsificados, o que não impede essas empresas de agirem também dentro de shopping centers.
Victor Ostetti/MidiaNews
Rogério Ferreira, delegado titular da Decon
MidiaNews - A falsificação, pirataria e contrabando estão acontecendo em uma região específica de Mato Grosso ou estão espalhado no estado?
Rogério Ferreira - Está espalhado por todo o estado, em diversas cidades.
MidiaNews - Há articulação entre grupos criminosos locais e organizações de fora do estado ou até internacionais?
Rogério Ferreira - Com certeza. Hoje em dia as facções criminosas estão buscando se inserir no mercado em todo tipo de atividade econômica. Principalmente nas atividades ilícitas. Então quando você tem o contrabando de cigarros, quando você tem a venda de produtos piratas por outlets, com certeza as facções criminosas que atuam no nosso país estão de olho nesse mercado. Para lavagem de dinheiro ou para cobrança de algum tipo de proteção ou coisa do tipo. Então essas empresas podem sim estar financiando o crime organizado, as facções criminosas no nosso estado e em todo o país.
MidiaNews - E aí a Decon atua em combinação com outras delegacias, outros órgãos nesses casos?
Rogério Ferreira - Sim, nós estamos em constante integração com outros órgãos da polícia civil e até de outras instituições para o combate às organizações criminosas.
MidiaNews - Com a crescente digitalização, as fiscalizações também têm se voltado para o comércio online de produtos falsificados?
Rogério Ferreira - Claro, nós estamos também no mundo digital procurando prevenir o consumidor desse risco que são os produtos falsificados.
MidiaNews - A Decon já encontrou, já vistoriou lojas online em relação a isso?
Rogério Ferreira - Estamos investigando lojas online para apurar fatos criminosos praticados por essas empresas. Há diversos inquéritos envolvendo empresas que atuam só no meio online.
MidiaNews - Existem dificuldades enfrentadas pelas equipes da Decon durante essas investigações?
Rogério Ferreira - Com certeza, nós temos diversas dificuldades, mas com boa vontade e muito esforço nós estamos conseguindo driblar isso tudo e ter bons resultados.
MidiaNews - A população pode denunciar casos suspeitos de comércio ilegal? Como funciona esse canal de denúncia?
Rogério Ferreira - Ela pode fazer a denúncia por meio da Delegacia Digital, no telefone 197 da Polícia Civil onde ela faz uma denúncia anônima, vindo também à Delegacia do Consumidor, que fica aqui no bairro Duque de Caxias 1, e por outros meios, como e-mails da Polícia Civil. Nós temos nas matérias que nós divulgamos por meio do site da polícia sempre tem lá os canais de denúncias para o consumidor.
MidiaNews - O senhor tem mais alguma coisa para falar sobre o tema, algo que o senhor acha importante pontuar?
Rogério Ferreira - Não, só reforçar essa situação do prejuízo que causa para o Brasil. É o PIB de dois estados do Mato Grosso. Se nós juntarmos o PIB de Mato Grosso com o Mato Grosso do Sul em 2024 é o equivalente ao que o Brasil perdeu com a pirataria no ano. Então é como se nós tirássemos do país, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, tirássemos do PIB do Brasil. Isso é o tamanho do prejuízo que a pirataria traz para o nosso país, para a nossa sociedade.
E as pessoas não têm noção disso. Países desenvolvidos como Estados Unidos, Coreia do Sul, países da União Europeia como França, Inglaterra, Alemanha, proíbem e coíbem de forma muito forte a pirataria. Para você ter uma ideia, pessoas que ingressam em estádios na Europa usando camiseta pirata, são multadas.
Então há um combate à pirataria nesses países desenvolvidos muito forte porque a pirataria causa um mal muito grande à sociedade. Além do prejuízo, que é bilionário como nós vimos aqui, do número de empregos que nós perdemos todos os anos, 400 mil empregos formais aproximadamente, só no ramo de vestuário mais de 80 mil empregos formais todos os anos, nós temos também a lavagem de dinheiro e o financiamento dessas organizações criminosas, essas facções criminosas que ficam constrangendo a nossa sociedade. Isso tudo passa pela pirataria. Nós temos que combater a pirataria para combater o crime organizado.
MidiaNews - E o que o senhor acha que falta no país e em Mato Grosso para ter essa força como nesses países que o senhor citou contra a pirataria?
Rogério Ferreira - O primeiro ponto que eu acho que falta é consciência da sociedade. Consciência de que uma sociedade que tem um grande volume de produtos piratas é uma sociedade doente. A sociedade não enxerga que o combate à pirataria vai trazer benefícios. Benefícios em saúde, educação, segurança, saneamento básico. Ela não enxerga que o combate à pirataria vai trazer recursos para o país, empregos formais, dinheiro no bolso da população.
Ela vê quem enriquece por meio da pirataria, e muitas vezes faz parte do crime organizado, como um empreendedor de sucesso, quando na verdade ele é só um vendedor de produtos piratas que está se aproveitando das brechas na sociedade, na nossa legislação, para enriquecer e para financiar o crime organizado, as facções criminosas que atuam no nosso país. Nós precisamos combater isso e o combate às organizações criminosas, às facções criminosas passa pelo combate ao contrabando, às falsificações, ao descaminho, à pirataria em geral.
MidiaNews - Em relação à legislação, o que o senhor acha que precisa mudar nela, se há algo que precisa mudar para melhorar essa fiscalização?
Rogério Ferreira - Nós precisamos de penas mais rígidas para os crimes aqui praticados. O legislador tem debatido isso. Houve um aumento nas penas em alguns crimes, mas nós precisamos de mais penas altas e regras processuais penais mais graves para essas pessoas. Prisão e outras facilidades para efetuar a prisão, perda de bens e valores, coisas do tipo. Eu acho que a legislação pode se aperfeiçoar um pouco em relação a isso.
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