O favoritismo de Jorge Messias como candidato do presidente Lula (PT) à vaga aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) deixa a corte próxima de ter seu segundo ministro evangélico, mas o plenário continuará com uma ampla maioria católica.

De maneira geral, ministros do Supremo negam que a fé influencie decisões e a construção de seus votos. No entanto, o fator religioso surge em discussões sobre o perfil dos magistrados, e as citações bíblicas têm se avolumado em julgamentos, inclusive em casos não relacionados ao tema.
O catolicismo é a religião da maior parte dos 10 atuais ministros do STF --uma cadeira está vaga desde a saída de Luís Roberto Barroso.
Questionados pela Folha, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Flávio Dino responderam que são católicos. Kassio Nunes Marques afirmou ser cristão, com formação católica. Luiz Fux disse que é judeu, e André Mendonça, que é evangélico.
Cristiano Zanin preferiu não responder, mas declarou ser católico em conversas com políticos durante seu processo de nomeação para o tribunal. Cármen Lúcia, que já afirmou ser católica, não respondeu.
Mendonça mantém atividade religiosa frequente. Ele é pastor da Igreja Presbiteriana de Pinheiros, em São Paulo, e já foi pastor da Presbiteriana Esperança de Brasília.
O ministro registra a vinculação em perfis de redes sociais, onde também tem o hábito de publicar trechos de pregações de cultos que conduz. No Instagram, o magistrado tem 35 posts, dos quais 21 são de temática religiosa, entre vídeos e mensagens com reflexões e versículos.
"Soube recentemente que questionaram: vai ter mais um evangélico no Supremo? Estou há quase quatro anos no Supremo e ainda tenho que conviver com isso", afirmou Mendonça à Folha. "Há preconceito em relação aos evangélicos. Todas as religiões podem ter representação no Judiciário, mas, quando se trata de evangélicos, surge esse assunto."
O ministro disse que a religião guia decisões pessoais, mas aplica a lei no STF. "Repito o que já disse quando da minha indicação: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição", declarou.
Já Messias é diácono de uma congregação da Igreja Batista em Brasília. Costuma usar seus discursos e redes sociais para fazer comentários sobre como a Bíblia influencia suas visões sobre o mundo.
Os dois nomes indicados por Lula no mandato atual, até agora, são católicos. A preferência do presidente por Messias tem como ponto principal a relação de confiança entre os dois, mas aliados do petista apontam que a religião pode ser útil para a redução de resistências nesse segmento.
Nos últimos tempos, o fator religioso ganhou destaque quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou que escolheria para o STF um ministro evangélico. Ele privilegiou esse critério ao indicar Mendonça para uma das duas cadeiras abertas durante seu mandato.
No fim de 2024, o Supremo foi contrário à retirada de símbolos religiosos em prédios públicos. O entendimento foi o de que a manutenção dos crucifixos é adequada porque o Brasil é cristão e o cristianismo, sobretudo o catolicismo, faz parte da formação cultural do país.
O tema surge ocasionalmente durante julgamentos no tribunal. Dino, por exemplo, tem a religião presente em manifestações públicas. Durante seus votos, o ministro faz diversas citações bíblicas ou menções ao assunto.
Há algumas semanas, ele e Mendonça divergiram sobre o alcance da fé para as soluções de temas mundanos durante um julgamento sobre o destino de valores de condenações em ações civis públicas trabalhistas.
Depois que Mendonça questionou a aplicação da decisão tomada pelo tribunal de maneira mais ampla, Dino afirmou: "A solução definitiva e total se chama Reino de Deus. Nós concordamos com isso".
Mendonça reagiu: "Não. Está no plano dos homens. Aqui resolvemos muitas das coisas. Nessas questões de destinação de recursos, acho que cabe a nós, não a Deus".
Dino também fez referências bíblicas em uma das sessões do julgamento da trama golpista, provocando uma brincadeira feita por Moraes: "Vossa excelência é candidato a papa?".
Na véspera de assumir a presidência da corte, Fachin pediu a bênção ao papa Leão 14. Ele foi ao Vaticano participar do Jubileu da Justiça, evento destinado a profissionais do direito. Na ocasião, ele se encontrou com o pontífice para um cumprimento.
A viagem foi ajustada com integrantes da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) --com gastos custeados pelo ministro.
Kassio se apresenta como um cristão com diferentes posições. "Formação católica, com muita admiração pelas doutrinas evangélicas e kardecista", disse.
Questionado sobre se a fé influencia a construção de seus posicionamentos no tribunal, ele respondeu: "Apenas na fé por um Brasil melhor".
Em 2019, Moraes disse à Folha ter uma fé ampla: "Acredito na religião do amor, aquela que nos conecta com Deus e nos faz seguir o maior ensinamento de Jesus: amai-vos uns aos outros como eu os amei".
Com a saída de Barroso, reconhecido como judeu pela comunidade judaica por ser filho de mãe judia, Fux é o único ministro dessa religião. Após ser o único a votar pela absolvição de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, ele afirmou ter sofrido ataques antissemitas.
Em 2020, quando presidia a corte, o ministro foi homenageado pela embaixada israelense com a medalha Jerusalém de Ouro, uma condecoração pela contribuição ao fortalecimento da comunidade judaica brasileira e o estreitamento da relação com Israel.
Temas diretamente ligados à religião também passam pelo tribunal. No fim de 2022, Cármen discutiu com Mendonça quando o ministro afirmou que os "segmentos religiosos também sofrem preconceitos".
Cármen emendou: "Principalmente os de matrizes africanas. Não são os evangélicos, não são os católicos. No Brasil, o preconceito é contra as religiões de matrizes africanas".
Religiosa, a ministra votou a favor da Marcha da Maconha, da cota para negros, da união homoafetiva e da interrupção de gestação de fetos anencefálicos.
Ao se manifestar favoravelmente, em 2020, à possibilidade de diferenciar data e horário, em concurso, em razão de crença religiosa, ela afirmou que "o Estado separa-se da religião, mas o ser humano não se separa da fé".
Em composições anteriores, alguns ministros preferiam resguardar suas opções religiosas, como eram os casos de Celso de Mello e de Rosa Weber. A ministra aposentada disse, em 2017, no julgamento sobre ensino religioso em escolas públicas, que "religião e fé dizem respeito ao domínio privado, e não público. Neutro há de ser o Estado".
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