O tenente-coronel José Henrique Costa Soares afirmou que foi "cooptado" e "coagido" pelo ex-secretário de Estado da Casa Militar, coronel Evandro Lesco, por sua esposa, a personal trainner Helen Christy Lesco, e pelo major Michel Ferronato.
Segundo Soares, os três queriam que ele ajudasse o grupo a atrapalhar as investigações que apuram o esquema de interceptações clandestinas no Estado.
A coação foi revelada pelo tenente-coronel em depoimento prestado no último dia 16 de setembro, à delegada Ana Cristina Feldner. Trechos do depoimento foram citados na decisão do desembargador Orlando Perri, que resultou na deflagração da Operação Esdras, na manhã desta quarta-feira (27). O trio suspeito da cooptação foi preso.
De acordo com José Soares, a situação ocorreu logo após ele ser convocado para atuar como escrivão do Inquérito Policial Militar (IPM) que apura a participação de militares no esquema dos “grampos”, investigação conduzida pelo coronel Jorge Catarino Ribeiro.
O suposto esquema era viabilizado pela prática da “barriga de aluguel”, quando números de telefones de cidadãos comuns, sem conexão com uma investigação, são inseridos em um pedido de quebra de sigilo telefônico à Justiça.
José Soares disse que foi procurado na Corregedoria da Polícia Militar pelo advogado Marciano Xavier das Neves, que atuava para dois investigados no esquema: o ex-secretário Evandro Lesco e o cabo Gerson Correa.
Na ocasião, Soaraes afirmou que advogado lhe disse Helen Christy gostaria de falar com ele - “em razão de já ter informações a meu respeito e que a Secretaria de Segurança Pública já teria essas informações”.
O tenente-coronel contou que, então, ligou para Helen, via aplicativo WhatsApp, e combinaram de se encontrar no posto de combustível Bom Clima, na saída para Chapada dos Guimarães.
Ele disse que já desconfiava que o assunto fosse relacionado ao inquérito, uma vez que ele e o coronel Lesco eram da mesma turma, apesar de não ter amizade com a esposa do mesmo.
“Nos encontramos no Posto Bom Clima, sendo que eu fui em meu veículo Cross Fox branco, e Helen em um veículo tipo SUV. Ao estacionar no pátio, entrei no veículo da Helen. Eu fui bastante receptivo, dizendo que estaria disposto a ajudar, porém, precisava saber o que ela tinha contra mim”.
De acordo com ele, Helen Christy disse que a Secretaria de Segurança Pública, comandada por Rogers Jarbas (também preso nesta quarta), possuía interceptações e vídeos que revelariam a sua dependência química.
A esposa de Lesco, segundo Soares, também afirmou que o ex-secretário da Casa Civil, Paulo Taques (novamente preso), tinha conhecimento de outras situações supostamente criminosas atribuídas a ele.
“Eu suponho que seriam referentes a situação de uma empresa que eu tinha sociedade e que Paulo Taques foi meu advogado, tendo conhecimento de todos os fatos, inclusive minha dependência química foi revelada a Paulo Taques nessa oportunidade”.
José Soares afirmou que, naquele momento, apenas pensou o quanto essa informação sobre a sua dependência iria expô-lo na corporação, “encerrando definitivamente minha carreira, bem como da minha preocupação com eventuais crimes militares por ter mantido a sociedade, todos de conhecimento do advogado Paulo Taques, a quem confidenciei referidos fatos”.
Na época, o coronel Lesco estava detido na primeira prisão decretada contra ele no episódio dos grampos.
“A Secretaria de Segurança, assim como a Polícia Militar, não sabia dessa sua situação pessoal, do contrário já teria aberto procedimento contra si, nem teria lhe conferido a missão de atuar na Corregedoria e Ouvidoria da Polícia Militar, bem como escrivão no IPM. Desse modo, eu acredito que essas informações possam ter sido passadas por Paulo Taques, para que fossem usadas para coagi-lo”, disse José Soares.
Para o desembargador Orlando Perri, de fato não é plausível que a Secretaria de Segurança Pública ou a Polícia Militar soubessem do vício de José Soares e não tivessem aberto qualquer procedimento contra ele.
“Tudo aponta para uma única e provável direção: a de que as informações provieram mesmo do representado Paulo Cesar Zamar Taques [...] Todas as circunstâncias apontam no sentido de que as situações que fragilizavam o coagido, Ten.-Cel. Soares, foram mesmo passadas por Paulo Taques, cujos segredos – da sabença de ninguém –, recebeu quando patrocinou-lhe a defesa de uma causa na justiça”, apontou o magistrado.
A personal trainner Helen Christy, esposa de Evandro Lesco: presa em operação
“Conhecendo-os, fácil foi subjugar o Ten.-Cel. Soares, um homem cuja situação de dependência química – que busca superar – o fragilizava e o colocava de joelhos. Sabiam eles do seu estado emocional delicado, franzino nas circunstâncias de quem lutava para se reerguer. A própria abstinência de drogas já o debilitava emocionalmente”, complementou.
Cooptação
O tenente-coronel confessou que, “sentindo-se coagido e receoso do vazamento dessas informações pessoais”, concordou em colaborar com a esposa de Lesco.
“Helen disse que coronel Lesco estava preso e que precisava resolver essa questão. Então Helen pediu para eu avisar todo o ocorrido que acontecesse no curso do inquérito policial militar, bem como que monitorasse todos os passos do desembargador Orlando Perri”.
José Soares contou que chegou a gravar em áudio uma reunião em que estava ele, o responsável pelo IPM, Jorge Catarino; a delegada Ana Cristina Feldner; e Perri.
“Foram 2 horas de gravação em seu celular. O segundo encontro com o grupo se deu na casa da Helen e o Lesco continuava preso; Nos encontramos novamente no Posto Bom Clima, sendo que eu deixei meu veículo naquele local e entrei no veículo de Helen e dirigiram-se à minha residência. Na residência de Helen entreguei via bluetooth todo o conteúdo da reunião para o celular do advogado do coronel Lesco, Dr. Marciano”.
Após a soltura de Lesco, em agosto, José Soares disse que foi feita uma nova reunião na casa do ex-secretário e da esposa.
No encontro, o tenente-coronel disse a Lesco que já havia uma ordem do coronel Jorge Catarino para iniciar o documento que pediria a prisão do secretário de Justiça e Direitos Humanos, coronel Airton Siqueira Júnior.
“Lesco disse que essa prisão não poderia ocorrer de forma alguma. Dizia ‘faça o que tiver que ser feito, mas não deixe acontecer’. Eu acredito que há nos autos elementos para requerer a prisão do coronel Siqueira, porém em razão dessa coação sofrida não concluí essa representação da prisão”.
Em outra reunião, conforme José Soares, Lesco pediu que ele passasse a monitorar em vídeo o desembargador Orlando Perri, no intuito de conseguir algo que pudesse afastar o magistrado da condução das investigações.
Para tal, em um novo encontro, o sargento João Ricardo Soler – que também foi preso – combinou com ele de colocar um equipamento na farda para fazer as gravações em vídeo. Porém, como não houve nenhum outro encontro com Perri, o equipamento não foi utilizado.
Oferta de vantagens
Posteriormente, de acordo com o depoimento, o coronel Lesco teria dito que o secretário de Segurança Pública, Rogers Jarbas, enviaria alguém para procura-lo e informa-lo de um novo plano para descreditar Perri.
“No dia em que recebi a farda do sargento Soler, 12/09, fui jantar na Peixaria Lélis. Tenho por hábito frequentar aquele restaurante. Naquela noite vi algumas pessoas da Secretaria de Segurança Pública naquele mesmo restaurante. Eu estava sozinho na mesa, quando o major [Michel] Ferronato se dirigiu até minha mesa e me disse que no dia seguinte, de manhã, iria fazer uma caminhada no Parque Mãe Bonifácia e que era para eu encontra-lo lá”.
José Soares então disse ter deduzido que o major Ferronato seria a pessoa enviada por Rogers Jarbas, “uma vez que não tem intimidade com o mesmo para ter sido ‘convidado’ para caminhar juntos”.
No dia seguinte, durante a caminhada marcada, José Soares afirmou que o major Ferronato o abordou, o questionando sobre como estaria sua promoção para o cargo de coronel.
Ferronato também teria dito que sabia da gravação da reunião com Perri e que o secretário Rogers Jarbas precisaria desse áudio.
“Eu percebi que inicialmente fui cooptado para agir em favor dos militares, porém houve um avanço nas investigações e nessa semana o secretário de Segurança Pública ficou exposto, em razão da denúncia feita na imprensa da irregularidade do secretário no curso CSP e do avanço nas investigações conduzidas pela Delegada Anja Cristina Feldner. Eu acredito que passei a ser útil para ajudar também o secretário de Segurança Pública”.
De acordo com José Soares, em outra caminhadao major Ferronato lhe ofereceu uma promoção para a patente de coronel, “em razão dos serviços que estaria prestando para o grupo”;
“Eesse oferecimento foi explícito, perguntando inclusive a mim qual seria a garantia que eu queria”.
O tenente-coronel contou para a delegada que foi cooptado por duas vezes. A primeira mediante coação para proteger os militares e, em troca, a sua situação de dependente químico continuar em segredo. E a segunda para ajudar o secretário Rogers Jarbas em troca de receber promoção ao cargo de coronel.
“Nesse segundo encontro com o major Ferronato fui questionado especificamente sobre o que eu sabia a respeito das investigações conduzidas pela Polícia Civil em desfavor do secretário Rogers Jarbas; o major Ferronato disse que a situação em desfavor do secretário Rogers Jarbas estaria indo longe demais”.
O major, conforme o depoimento, orientou José Soares a perguntar diretamente para Ana Feldner se alguma medida seria tomada em relação a Rogers Jarbas.
“Eu respondi que acreditava que teria uma medida vindo por parte da delegada, em razão da sua postura profissional, de ser séria, porém não tinha conhecimento de qual medida seria; o major Ferronato disse que precisaria resolver tudo nessa próxima semana”, contou.
José Soares ainda relatou que houve insistência para que ele conseguisse alguma imagem comprometedora de Perri com urgência, antes de que o secretário fosse alvo de alguma medida.
“Inicialmente eles queriam a captação da imagem do desembargador Orlando Perri com outras falas, mesmo sendo provocadas; no entanto, como as investigações em desfavor do secretário de Segurança Pública haviam avançado, eles teriam que agir ainda nessa semana, apresentando a gravação clandestina realizada pelo depoente com imagens que fossem obtidas no decorrer da semana”.
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