Milena Alencar, 27, é fisiculturista e tem uma condição extremamente rara, chamada de síndrome de Proteus, que altera o crescimento de membros do corpo.
Ela passou por várias cirurgias e amputações no braço, e começou a praticar exercícios físicos para melhorar sua autoestima. A VivaBem, ela conta sua história:
"Nasci em Barro, cidade de cerca de 22 mil habitantes, no sertão do Ceará, mas não morei lá por muito tempo, já que meus pais viviam procurando recursos para descobrir meu diagnóstico. Nos anos 1990, tudo era muito escasso em informações, e minha síndrome é extremamente rara. Nos mudamos para Guarulhos (SP) para começar meu tratamento.
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Minha deficiência é uma má-formação do corpo. Então, por mais que eu não queira chamar a atenção, as pessoas olham e sempre vão olhar com estranhamento ou curiosidade.
'Isso pra mim foi um trauma'
Frequentei a escola como qualquer outra pessoa e, até a pré-escola, foi tudo bem. O Proteus já existia [em mim], mas não era tão evidente.
Minha mãe sempre tentou me proteger. Minha mão chamava muita atenção e ela colocava uma fralda como uma luva. E assim foi nossa vida, até não existir mais essa possibilidade.
Posso dizer que a síndrome foi 'dando sua cara' conforme eu ficava mais velha, porque os membros foram crescendo também. Na primeira série, eu ainda não tinha feito a amputação na mão esquerda.
Em um primeiro contato com uma sala maior, todos os alunos ficaram me observando e isso para mim foi um trauma. Foi quando eu entendi que era 'diferente'. Fiquei pouco tempo na sala, incomodada o suficiente para pedir que as professoras ligassem para a minha mãe.
Falei para a minha mãe que nunca mais queria ir à escola, e ela foi supercompreensiva. Pouco tempo depois disso, fiz a amputação na mão, porque meus dedos [com exceção do polegar] cresciam cada vez mais e não tinham movimentação.
Os médicos disseram que a amputação me deixaria mais confortável e que eu poderia frequentar a escola quando me sentisse bem. Após a amputação e com auxílio psicológico, parei de ver o 'sou diferente das crianças' como algo necessariamente ruim e parei de dar tanta importância a isso. Comecei a trabalhar isso dentro de mim. Foi um amadurecimento.
Aos poucos, entendi que não tinha como mudar quem sou e que precisava definir o que eu queria na minha vida. Foi quando falei para minha mãe que queria ir à escola, aprender.
'Braço aberto'
As internações aconteciam quando tinha cirurgias e retornos. Então, na infância, ia mais a hospitais.
Meu braço foi aberto três vezes para redução de massa muscular e reconstrução, além de lipoaspiração para redução de tamanho e a amputação de quatro dedos da mão. Creio que até o momento fiz em torno de 12 a 18 cirurgias, a última em 2016.
As cirurgias eram uma tremenda felicidade. Estava melhorando, visualmente. A cada cirurgia eu via a melhora.
'Me olhei no espelho de outra forma'
Minha trajetória como fisiculturista começou em 2019, quando entrei na Ufscar (Universidade Federal de São Carlos), para cursar engenharia de alimentos.
Em 2020, veio a pandemia e o ensino ficou a distância. Voltei para a casa dos meus pais e a faculdade começou a me consumir demais. Tive compulsão alimentar, me alimentava muito mal e fiquei com sobrepeso.
Chegou um momento em que me olhei no espelho de outra forma: eu precisava controlar essa situação. Os exercícios físicos tiveram início em casa. Eu imitava videoaulas de dança e depois pedi para que um amigo educador físico montasse um treino.
Aos poucos, os resultados apareceram e foi inacreditável. No final de 2021, comecei a academia e sabia que as pessoas iam olhar para mim.
Malhar estava me fazendo muito bem, porque eu comecei a ver a mudança no meu corpo. Não queria estar em outro lugar. Um ou outro olhavam torto, óbvio, mas eu não tinha desconforto. Continuava sempre ali com meu fone, ouvindo minhas músicas favoritas e fazia o que tinha de ser feito.
'Não passou pela minha cabeça que me aceitariam'
Foi um professor da academia que me colocou no esporte. Um dia eu estava treinando abdômen e ele falou que eu precisava subir de nível e tentar um campeonato.
O campeonato de fisiculturismo era em duas semanas, em 2022. Acho que a questão é que eu levei tudo muito na brincadeira. Eu aceitei o convite, mas não passou pela minha cabeça que eles me aceitariam.
A prova é usando biquíni e eu não postava fotos nas redes sociais. Se postava, nunca do meu braço esquerdo. Não por vergonha de mim mesma, mas para evitar a exposição. Mas tinha consciência que, se subisse, haveria uma exposição imensa.
Só que na hora em que subi no palco, me bateu uma tranquilidade. Eu não sabia sequer desfilar, mas acho que quando é para ser, tudo conspira ao seu favor. Era o SPFF (São Paulo Fisiculturismo e Fitness) e fui a primeira colocada. Em seguida, ganhei a INBA (Federação Brasileira para Atletas de Fisiculturismo Natural).
Meu perfil no Instagram era privado e recebi muitas solicitações de seguidores. Uma delas foi de quem viria a ser meu treinador. Agora estou treinando especificamente para campeonatos e entrando mais a fundo nas características pedidas pela arbitragem. Até então, eu era leiga. Minha busca é conseguir ser reconhecida como atleta profissional.
Estou inserida em um esporte que frisa o corpo e isso acaba sendo um ponto de reflexão para as pessoas. Para ser feliz não é preciso esse corpo perfeito que todo mundo fala."
O que é a Síndrome de Proteus?
Doença rara, de causa genética e não hereditária. A Síndrome de Proteus causa o crescimento exagerado e descontrolado de diversos tecidos e ossos. A prevalência é de um caso a cada 1 milhão de nascidos vivos.
Crescimento assimétrico. Como a doença é causada por um defeito no controle do crescimento das células, o paciente vai apresentar crescimento fora do normal de várias partes do corpo, como mãos, pés ou crânio, comumente de forma assimétrica.
Sinais clínicos não são visíveis no nascimento. O paciente com Proteus manifesta a síndrome ao longo da vida, porque é algo que tem relação direta com o hormônio do crescimento e progride a partir da primeira infância.
O diagnóstico é feito pelo conjunto dos sintomas e sinais clínicos. Pode-se ainda realizar testes genéticos, que apontam a causa exata da doença. Sabe-se atualmente que a síndrome é causada por uma alteração genética que leva a um crescimento exagerado das células e tecidos. Dois genes foram envolvidos, chamados de AKT1 e PTEN.
O tratamento é de suporte. Pode envolver cirurgias para tratamento das manifestações no esqueleto ou retirada de pele, além de fisioterapia e terapia ocupacional. Como esses pacientes têm mais risco de desenvolver tumores, precisam de uma vigilância constante, para identificação precoce. Aconselhamento psicológico para o paciente e familiares também é um componente importante do tratamento.
Fontes: João Bosco de Oliveira Filho, chefe da Genômica do Hospital Israelita Albert Einstein; Salmo Raskin, médico pediatra, mestre em genética pela Universidade Federal do Paraná e Presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria.
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