No ano de 1950, bem ali no fim de Cuiabá, na Rua General Mello, após a Santa Casa de Misericórdia, exatamente onde hoje está o sinaleiro de trânsito ou semáforo, após a Rua da Caridade ou Miranda Reis, havia o “casarão do Mundéu”. Assim era conhecido pelo seu tamanho.
Feita de terra, barro e capim ou taipa socada, grossas paredes de quase um metro de largura e oito metros de altura, sem forro algum e telhas de barro todas pretas das fumaças da cozinha. Grandes portas e janelas de pesadas madeiras com tramelas e trancas nunca usadas.
Dois enormes fornos de barro e pedras também “movidos à lenha” de onde saíram memoráveis bolos de arroz, empadinhas, pastéis e dezenas de bolos misteriosos e gostosos para todo mundo.
Lampiões “de querosene”, lamparinas, borrifos de chuva, gigantescas mangueiras dançavam em cima do telhado nas noites claras de luar naquele “fim de mundo” de tantas saudades. Na frente do casarão do Mundéu ficava a casa do Maestro China e sua família, amizade prá mais de metro.
Eu morei alguns meses lá, com as tias Naná, Preta, Pichuta, Nenê, Maria e todos os parentes que vinham até Cuiabá trazendo aquela boiada entupida de cangalhas com carne seca, muito leite, lenha, verduras... Tanta coisa, muita fartura, tudo da Fazenda “Abrilongo” de propriedade dessa minha gente, nossos valores, situada em Chapada dos Guimarães que ainda pertencia a Cuiabá.
Era gostoso empilhar aquele monte de melões, melancias, banana, carne seca, leite e tanta coisa de meu Deus nos cantos frios, até o telhado, de uma das enormes salas fechadas.
Depois, todos organizavam uma “expedição” até a “Praia Rica”, debaixo da ponte de ferro do Rio Coxipó da Ponte, através daquela “floresta”, mato dentro, picada até lá, pois praticamente não havia casas do Mundéu até lá naquelas águas frias, cristalinas. Enigmáticos extraterrestres trocaram o nome de Chapada “DOS” Guimarães para “DE” Guimarães e a cortaram daqui só para que os americanos presbiterianos que eram donos do Colégio “Buriti” não fossem fiscalizados demais...
Mas, minha tia Naná Pacheco, líder da família que era professora e dava aulas ali mesmo naquela casa de sua gente que minha mãe pertencia, sempre fora uma santa mulher. Inteligente, carinhosa, delicada e com fineza de tratos invejável.
Sempre aconselhava todo mundo a ser evangélico, presbiteriano, bom e temente a Deus, mesmo em qualquer religião e me chamava a atenção seus conselhos sobre as heranças que fazem tantas famílias se desunirem.
Ela demonstrava o quanto não ligava para heranças, pois Deus a tinha abençoada com tudo, menos o casamento do qual nunca se importou. Isso me marcou, perante exemplos que eu vi e conheci.
Aprendi a não confiar muito nas promessas humanas, por mais delicadas que sejam
Mas, não demorou muito. Quando um dos familiares donos da enorme fazenda morreu, fizeram a partilha. Minha tia nada queria. Até o dia da divisão oficial que seria confirmada em Cartório aos herdeiros, inclusive ela.
Foi um Deus-nos-acuda. Um escândalo de gritos e desespero, só faltando revólveres na questão. Minha tia tão serena ficou irreconhecível, fez questão de parar tudo, anular tudo, prender, matar, arrebentar. Todo mundo quieto.
Meus pais me contaram que tudo estava dividido certinho. Porém, como ela era mulher e nem sabia mexer com o gado ou fazenda, preocupando-se com as aulas aos meninos e ensinar a palavra de Deus nos cultos presbiterianos em sua casa, o Mundéu, um dos herdeiros pegou uma bigorna que estava jogada enferrujada num canto da casa e colocou na lista dele.
Afinal, poderia ser útil para o seu sítio já dividido para moldar e pregar ferraduras. A família brigou doze anos. Um dos herdeiros chegou a propor a compra de uma nova bigorna para a minha bondosa tia birrenta. Mas, ela queria aquela pesadona, feia, enferrujada em nome de troféu do direito e culto aos entes queridos.
Aprendi a não confiar muito nas promessas humanas, por mais delicadas que sejam. Se um candidato me diz hoje que jamais será candidato ao governo, usando a prefeitura como trampolim, eu vejo a enorme bigorna de minha tia bem em cima da cabeça dele.
PAULO ZAVASKI era jornalista e advogado e escrevia aos sábados neste espaço. Ele morreu no último domingo (19), vítima de um câncer no estômago. Foi pioneiro no jornalismo eletrônico em Mato Grosso. A exemplo do
Diário de de Cuiabá, do qual ele era colaborar, o
MidiaNews presta hoje uma homenagem ao jornalista. Este foi o último artigo de Zaviaski, publicado no dia 28 de julho, quatro dias antes de sua internação hospitalar.
Comentários (15)
SAUDADES PAULO ZAVIASKY... SAUDADES DO MEU QUERIDO \"PADRINHO IRMÃO\", IRMÃO... QUE O G.´.A.´.D.´.U.´. CONTINUE TE ILUMINANDO ETERNAMENTE. FOI CERTAMENTE O RESPONSAVEL DIRETO PELO MEU CRESCIMENTO PESSOAL NA LAPIDAÇÃO DA PEDRA BRUTA. MEU QUERIDO COLEGA RADIOAMADOR PY9PZ, MUITAS SAUDADES VOCE. NOS DEIXOU COM MUITA TRISTEZA, PROFUNDO PESAR EM MEU CORAÇÃO...
enviada por: EUCLYDES CANHETTI JUNIOR Data: 30/08/2012 11:11:05
Sentirei falta de seus textos. Excelente profissional, fico muito triste com mais esta perda.
enviada por: MIRIAN REGINA CAMARGO Data: 22/08/2012 07:07:06
Quando cheguei em Cuiaba era \"menino\" mais um que com milhares de antecessores aqui foram adotados por este Estado acolhedor. Estudante do Liceu Nilo Póvoas cansei de chupar pitomba no morro da luz.Ao ler este artigo do agora saudoso Paulo Zavaski é impossivel não ser tomado por uma certa nostalgia em suas palavras. Avido leitor de jornais e revista vou sentir saudades de suas crônicas e comentários, neste que sem dúvida foi uma estrela na cosntelação do jornalismo de Mato Grosso.
enviada por: Orlando Osmar Vilela Neto Data: 22/08/2012 05:05:12
A família de Paulo Zaviasky agradece todas as homenagens e manifestações de solidariedade, apoio, carinho e pesar recebidas dos amigos membros dos poderes Estaduais e Municipais (Executivo, Legislativo e Judiciário), dos colegas da imprensa em geral, dos irmãos maçons, dos companheiros e funcionários do Banco do Brasil, de seus parentes e demais amigos.
enviada por: Elias Miguel Monteiro Zaviasky Data: 22/08/2012 00:12:25
CORRETAMENTE JERONIMO UREI (NETINHO), NÃO PODEMOS ESQUECER TBM DA ESCOLA DOMINICAL QUE ALI FUNCIONAVA MINISTRADA SEMPRE PELA TIA NANÁ, JOASIL BUCAIR E OUTRAS QUE MOMENTANEAMENTE ME FOGE DA MENTE, SEMPRE NO FINAL OS PRESENTE RECEBIAM PIRULITO, ARROZ-DOCE, ETC, ÉRAMOS FELIZES E NÃO SABIÁMOS. POIS NÃO É ?
enviada por: JURANDI SOUZA DO AMARAL Data: 21/08/2012 18:06:20
Este artigo que meu Tio escreveu já ouvi pelas palavras do meu Pai (o irmão dele) já me contou também, fico feliz por eles terem passado momentos felizes na casa da Tia Naná, lembranças que toda vez em que eu passo com meu pai e minha mãe por ali eles repetem novamente tudo sobre a casa que tinha ali, onde eles foram felizes. É....., o meu coração está partido e chorando pela partida do meu Tio, estou com saudades, mais deixou lembranças e foi um exemplo de Tio na minha vida.
enviada por: ANNE LOUISE ZAVIASKY Data: 21/08/2012 18:06:03
Cuiabá cada ano que passa fica mais pobre e triste com as partidas dos seus ilustres filhos queridos. Infelizmente,não dispomos de material humano suficiente com a mesma formação moral,caráter e a dignidade para substituir os cuiabanos antigos e verdadeiros que nos deixam. A voz crítica e analítica do jornalista, sempre dissonante da monolítica e servil maioria, fará muita falta para todos que possui coragem e independência na busca pela verdade. Boa passagem para o Oriente Eterno Dr. Paulo Zaviaski!
enviada por: RONEI DUARTE Data: 21/08/2012 16:04:23
Meus pesames a Familia do Paulo, fiquei muito emocionada com a reportagem bigornia da tia Naná, fui criada naquele casarão, com todos mencionados na reportagem, meu nome é Ruthinha, tambem criada pela tia Naná, como muitos outros
enviada por: ruth alice bianconi Data: 21/08/2012 12:12:46
Perdemos um grande articulador de letras e historias cuiabanas.Sentiremos muita falta do nosso amigo Zaviaski. Vai com Deus meu amigo e o receba bem.
enviada por: Marco Abib Data: 21/08/2012 11:11:48
Foi-se a escolinha da professora Naná, bem na esquina da São Cristovão com a General Melo, hoje é bar do tertus, eu queria estudar lá, mamãe nunca quiz, mas eu tinha inveja dos alunos de Naná, ela parecia uma mulher tão boa. Passava todo dia em frente áqueles janelões e olhava os meninos felizes. Mas isso tudo é passado. Até Zaviaski, que parecia eterno se foi. Que pena.
enviada por: joao concho Data: 21/08/2012 11:11:06
Ali pelos meados dos anos 70, Paulo Zaviaski era o meu chefe, junto com seu Gastão, eu era o impressor do jornal e cismei de adquirir um sapato fino, marca Terra, que Paulo comprou em sua conta na Casa Prado. Foi um investimento e tanto, consumindo todo o salário de um mês, paguei tudo de uma vez. Fato inesquecível das lembranças que guardo do jornal Equipe e dessas pessoas marcantes, o Paulo e seu Gastão. Os seus artigos eram para mim o deleite, com as abordagens semelhantes a estas sobre a tia dele e o velho Mundéu; sobre o Baú e o mundo político, Clube Feminino; Colégio Estadual (Liceu Cuiabano) e outras reminiscências cuiabanas. O tempo é implacável, as vezes nem tanto, nós é que somos passageiros...
enviada por: Ditão/Nobres Data: 21/08/2012 10:10:34
Não o conhecia, mas sem dúvidas por este artigo ja da pra sentir a GRANDE PERDA QUE sofremos, pois pessoas como esta é que ajuda a enriquecer nossa cultura.
enviada por: elisangela da silva soares Data: 21/08/2012 09:09:57
PARABÉNS AO MIDIANEWS PELA HOMENAGEM. GRANDE JORNALISTA. SENTIREI SAUDADES DAS SUAS CRÔNICAS.
enviada por: JOEL Data: 21/08/2012 08:08:47
Meus sentimentos a esposa e filhos do Sr. Paulo. Sou neto de Alice Pacheco, irmã da minha tia avó Nana Pacheco, apenas uma breve correção, a herdeira do Abrilongo era a minha avó Alice Pacheco, casada com meu avô Jerônimo Barbosa este sim herdeiro da referida fazenda.
enviada por: Jeronimo Urei Data: 21/08/2012 08:08:43
Grande Paulo, A cuiabania perdeu um dos seus maiores baluartes. Cuiabá perdeu um personagem que vivenciou a sua história e por causa disso podia contar os seus fatos nas entrelinhas. A cidade ficou mais pobre: um grande cuiabano partiu deixando um vazio em seus leitores. Sem os seus inteligentes e polêmicos escritos os sábados não serão mais os mesmos. Eu era uma grande admiradora da sua integridade. Mesmo quando não concordava com o seu texto, eu o respeitava pela sua coragem. A autenticidade era a sua marca, doesse a quem doesse. Essa fibra vem da educação que nos foi dada na Cuiabá de outrora. É uma marca dos cuiabanos de bem que mantiveram os ensinamentos dos antigos. Ainda guardo com orgulho e carinho o email que você enviou-me quando da publicação do meu texto, Outubro. Fiquei lisonjeada. Espero que um dia eu possa ter em mãos um exemplar do livro que você escrevia. Parece-me que faltava patrocínio para a publicação do mesmo. Espero que a sua família leve adiante esse seu sonho. Não estava em Cuiabá e por isso não fui em sua despedida. À Vera, que conheço há muito, todo o meu carinho. Aos seus filhos, a minha solidariedade. Tenho certeza que foram bem formados à sombra dos seus ensinamentos. Esteja na paz de Deus, meu amigo.
enviada por: Telma Cenira Couto da Silva Data: 21/08/2012 08:08:18