O Código de Processo Penal brasileiro usa deliberadamente a expressão “qualquer pessoa do povo”, conferindo a ela legitimidade em sua forma mais abrangente para tomar iniciativas que, em tese, caberiam ao poder público.
Assim, dispõe que qualquer um do povo que tiver conhecimento da prática de crime em que caiba ação pública, poderá, verbalmente ou por escrito, comunicar o fato à autoridade policial, que irá verificar a procedência das informações e, se for o caso, instaurará inquérito policial.
A “notitia criminis” levada ao conhecimento da autoridade competente pela vítima, testemunha ou qualquer pessoa do povo, apresenta-se como uma ferramenta de alto valor para subsidiar uma persecução criminal responsável.
Afinal, se o próprio povo tem legitimidade para julgar nos crimes dolosos contra a vida (Tribunal do Júri), terá também igual competência para fazer a comunicação de um fato delituoso.
"A denúncia anônima carrega farto material para se realizar investigação preliminar e não para servir, isoladamente, de embasamento para a instauração do inquérito policial "
A delação tratada pelo processo penal é aquela em que a pessoa faz o relato do fato pessoalmente ou por escrito ao delegado de polícia; porém, nesse caso, irá se identificar para que o órgão policial possa ter um respaldo legal em seu procedimento.
Diferente, no entanto, é a denúncia feita sob o manto do anonimato, muitas vezes com o patrocínio do próprio poder público, que cria um canal direto de comunicação com a comunidade, através do disque-denúncia.
Com a organização e especialização de quadrilhas voltadas para a prática de atos ilícitos, a notícia anônima carrega um arsenal importante de informações que deverão ser filtradas e analisadas criteriosamente para verificar sua procedência.
Desta forma, a denúncia anônima carrega farto material para se realizar investigação preliminar e não para servir, isoladamente, de embasamento para a instauração do inquérito policial.
Os tribunais superiores vêm recomendando extrema cautela com a denúncia apócrifa, que, se não for bem conduzida, poderá acarretar sérios danos contra a segurança jurídica e gerar uma insegurança social desnecessária.
Se, por acaso, a denúncia anônima servir de base para o inquérito policial ou até mesmo para a ação penal, tratando-se de prova ilícita, não autorizada, contaminará todos os atos praticados fulminando-os de ilegalidade, tais como a interceptação telefônica, quebra se sigilo bancário, prisões cautelares decretadas, sequestros de bens e outras medidas restritivas.
Assim, desde que sejam feitas as devidas investigações preliminares, pela autoridade competente, para se comprovar os indícios apontados, a denúncia anônima é válida para instauração de inquérito policial e de ação penal.
O entendimento já é cristalizado no Superior Tribunal de Justiça- (STJ). Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou, jurisprudência da própria Suprema Corte no sentido de admitir a instauração de inquérito policial e a posterior persecução penal fundados em delação anônima, desde que a autoridade policial confirme, em apuração sumária e preliminar, a verossimilhança do crime ou ato ilícito supostamente cometido: “É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que “nada impede a deflagração da persecução penal pela chamada 'denúncia anônima', desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados”.Precedentes”. (HC 105484/MT/habeas corpus/Relator(a): Min. Cármen Lúcia. Julgamento: 12/03/2013 . Órgão Julgador: Segunda Turma.
A denúncia anônima, assim, é uma arma a ser usada com critério e muito bom senso; não é instrumento de vingança.
AUREMÁCIO CARVALHO é advogado em Cuiabá e ex-ouvidor Geral de Polícia em Mato Grosso.
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