17.12.2015 | 06h:30

DOSSIÊ DA ARARATH


Desafeto patrocinou "arapongagem" contra ex-secretário preso

Aldo Locatelli protocolou dossiê com 220 páginas no MPF; documento faz parte do inquérito da Ararath

Divulgação

O ex-secretário Eder Moraes e o empresário Aldo Locatelli, em raro momento amistoso, em 2010: investigação e dossiê

Há quatro anos, o ex-secretário de Estado Éder de Moraes Dias estava no ponto mais alto de sua carreira meteórica dentro da hierarquia do Governo de Mato Grosso. Homem de confiança do então governador Silval Barbosa, de 28 de dezembro de 2011 a 3 de janeiro de 2012 ele se hospedou com a família no Hotel Windsor Excelsior, ao lado do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, para assistir a queima de fogos mais famosa do mundo. Nesse período, a hospedagem no hotel cinco estrelas não sai por menos de R$ 6 mil, por pessoa.

 

Mas Éder e sua família não estavam sozinhos. Já há algum tempo, detetives particulares acompanhavam todos os seus passos. Sabiam desde o número do telefone do quarto em que ele estava hospedado na noite de Ano Novo, até cada uma das transações comerciais que ele supostamente fazia para esconder e lavar recursos públicos desviados do Estado.

 

Pode-se comparar Éder a um psicopata. É maquiavélico, faz jogo duplo, é mestre em colocar uma pessoa contra a outra. Faz o que for preciso para se dar bem, é super ambicioso e falso

Durante os mais de dez anos em que trabalhou no governo, Éder Moraes teria desviado uma fortuna de pelo menos R$ 313 milhões, segundo condenação do juiz federal Jefferson Schneider, para quem o ex-secretário deve permanecer na cadeia pelos próximos 69 anos.

 

Mas, além de dinheiro, Éder também colecionou inimigos.  E foi um deles, o empresário Aldo Locatelli, do ramo de combustíveis e comunicação, quem contratou os detetives que produziram um dossiê de 220 páginas, devidamente entregue em fevereiro de 2013 ao Ministério Público Federal (MPF), capaz não só de incriminar o ex-secretário, como se tem visto, mas toda uma cadeia de pessoas que tinham relações com ele, como parentes, políticos, funcionários públicos, empresários, advogados e “laranjas”.

 

Pelo menos 58 pessoas são citadas no documento, que foi inserido no inquérito da Operação Ararath. Desde um cabo da Polícia Militar que seria segurança particular de Éder, até pessoas, digamos, de um círculo ainda mais íntimo dele, que eram agraciadas com presentes de luxo e até empregos no governo.

 

Empresas dos ramos de factoring, hotelaria, auto peças, concessionária de automóvel, supermercado, construção, distribuição de bebidas, tecnologia da informação, locação de veículos, transporte público e até de loteria também são alvos do dossiê que já se juntou a - ou se desdobrou em - pelo menos outros quatro Procedimentos Investigatórios Criminais ainda em investigação no Ministério Público Federal (MPF).

 

Desde pelo menos o ano de 2007, Éder Moraes e outros já eram investigados por policiais e procuradores federais pelos crimes que culminaram na Operação Ararath – hoje com mais de dez fases e algumas condenações.

 

O que o dossiê paralelo trouxe de novo foram as conexões que Éder teria estabelecido para supostamente “lavar” a propina que receberia, sobretudo em operações com cartas de crédito do governo. 

 

Isso leva a crer que muita gente ainda pode vir a ser indiciada quando o intricado tecido das relações do ex-secretário for sendo desvelado pela polícia. Apenas na 5ª Vara Federal Éder Moraes ainda responde a outras sete ações penais.


Fac-símile de dossiê que foi inserido no inquérito da Ararath:

 

 



Mansões e jatinho

 

Segundo o dossiê, ele teria comprado, em nome de laranjas, ou em seu próprio, mansões em condomínios de luxo de Cuiabá, como Florais e Alphaville, uma em Jurerê Internacional, em Florianópolis (SC), uma casa em Miami (EUA), um apartamento no bairro de Jardins e salas comerciais na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), uma chácara na estrada de Cáceres, casas em Chapada dos Guimarães, uma fazenda e mineradora na Serra de São Vicente, bares e restaurantes, além de outros imóveis.

 

Éder começou sua história como um simples funcionário do Banco Real, em uma agência (postinho) da UFMT

Um arquiteto amigo e suposto “laranja” de Éder teria gastado R$ 1 milhão apenas para reformar e decorar alguns desses imóveis. Só o imóvel em Santa Catarina valeria cerca de R$ 7 milhões.

 

Além disso, há uma casa de R$ 1,2 milhão, que Éder teria comprado e dado de presente a uma pessoa supostamente de sua relação, que é dentista em Curitiba (PR).

 

Em sociedade com um ex-prefeito de uma importante cidade de Mato Grosso, Éder teria montado uma locadora de carros que, não por coincidência, teria sido contratada pela extinta Secopa.

 

O dossiê também fala de um jatinho, um avião modelo Sêneca, automóveis de luxo, uma produtora de vídeo e promotora de eventos e um canal de TV. Descreve ainda viagens a Orlando (EUA) e a Portugal, neste último para supostamente montar um banco em sociedade com uma figura importante do noticiário cuiabano. E a compra de mais de R$ 30 milhões em bilhetes premiados da Mega Sena e da Quina.

 

Por onde passou – MT Fomento, Sefaz, Casa Civil e Secopa -, Éder teria deixado pessoas de sua confiança, que lhe passavam informações que poderiam ser de seu interesse. Tais pessoas também estão nominadas no dossiê.

 

Falso sequestro

 

De acordo com o documento, Éder, na condição de secretário de Fazenda, ofereceu o abatimento da dívida de várias empresas em troca de bens ou dinheiro. De determinado – e conhecido – empresário, teria recebido uma casa em Brasília (DF), com uma Mercedes na garagem.

 

“Éder começou sua história como um simples funcionário do Banco Real, em uma agência (postinho) da UFMT. Ali ficou até ser promovido a caixa, sub-gerente e gerente, depois foi transferido para uma agência em Rondonópolis, onde ficou por um tempo”, diz o dossiê.

 

“Retornou para Cuiabá, onde foi gerente dos bancos Itamarati, BCN e BicBanco. Até que, em 2002, foi demitido por supostos esquemas nas contas dos clientes (usava o dinheiro), e também por armar um falso sequestro com a gerente, sua subordinada”.

 

O dossiê diz que Éder teria ficado desempregado por um período até que um amigo em comum o apresentou ao recém-eleito governador Blairo Maggi. Já no governo, Éder montou o projeto que criou a MT Fomento. “Foi onde tudo começou”.

 

Eu já ouvi falar desse material, mas não o conheço. Eu reitero o que tenho dito sempre, que o Éder é inocente

Locatelli evita falar

 

Procurado pelo Midianews, o empresário Aldo Locatelli disse que não queria, por enquanto, tecer nenhum comentário adicional sobre o dossiê.

 

“Isso já me trouxe muito problema”, afirmou, por telefone. Ele é inimigo declarado de Éder – e a recíproca é verdadeira.

 

Ambos já trocaram, publicamente, acusações pesadas. E mesmo não querendo falar agora, o dossiê traz o que, talvez, ele pense a respeito de seu desafeto.

 

“Éder é uma pessoa extremamente, fria, calculista e dissimulada. É mestre em usar as pessoas quando lhe convém – e depois descartá-las a hora que acha que deve, independente de quem seja”, diz o documento.

 

“Pode-se comparar Éder a um psicopata. É maquiavélico, faz jogo duplo, é mestre em colocar uma pessoa contra a outra. Faz o que for preciso para se dar bem, é super ambicioso e falso. Ao mesmo tempo em que está batendo nas suas costas dizendo que é companheiro, irmão, amigo, é mentira (sic), está te traindo, falando mal de você, inventando mentiras a seu respeito, e mentiras maldosas”, continua o documento.

 

“Exemplo: quando ele diz que a uma pessoa que o ajudou no passado, que é eternamente grato por tudo, é tudo mentira. Se for preciso ele prejudica essa pessoa, não pensa duas vezes. Nunca ajuda ninguém se não for por interesse próprio, ou para aquela pessoa ficar refém e na mão dele (...)”.

 

Segundo o dossiê, Éder Moraes, “acima de tudo e de todos, dá valor a dinheiro e poder: acima de pai e mãe, esposa e filhos, parentes e amigos”.

 

Outro lado

 

Por telefone, o advogado Ricardo Spinelli, que representa Éder Moraes, disse que não faria comentário sobre o dossiê, pois não teria "conhecimento formal" a respeito do documento.

 

"Eu já ouvi falar desse material, mas não o conheço. Eu reitero o que tenho dito sempre, que o Éder é inocente".


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