Recursos usados pela polícia para a dispersão de manifestações ou multidões, como gás lacrimogêneo, spray de pimenta, balas de borracha e bomba de efeito moral, podem causar lesões graves, fortes alergias e, em casos extremos, levar à morte. O G1 conversou com especialistas Paulo Saldiva, médico patologista da Universidade de São Paulo (USP), e Arnaldo Lichtenstein, médico clínico-geral do Hospital das Clínicas, que explicaram os efeitos físicos dessas armas no copor humano.
Balas de borrachaA arma mais “poderosa” é a bala de borracha. Ela é semelhante à munição comum, pois tem uma cápsula com pólvora para impulsioná-la. A diferença está no revestimento de látex na parte que atinge o alvo. De acordo Paulo Saldiva, dependendo do calibre da arma, ela pode lesionar a órbita ocular e atingir o sistema nervoso central, quando direcionada ao rosto de uma pessoa. O projétil também pode desencadear uma arritmia cardíaca fatal, caso atinja o peito. Nos dois casos, a consequência pode ser o óbito.
“Não é uma bala convencional, mas ela causa um impacto muito grande dependendo do calibre da arma", diz o médico. "Entre outras lesões possíveis, estão as fraturas de mandíbula e malar e paralisia facial. Se acertar a orelha, pode romper tímpano e causar perda auditiva permanente”, alerta o especialista.
Nas manifestações desta quinta-feira (13), em São Paulo, a repórter do jornal "Folha de S. Paulo", Giuliana Vallone, e o fotógrafo Sergio Silva foram atingidos pelo projétil. Com a região dos olhos inchada e pontos na pálpebra, ela passa bem. Já o fotógrafo corre o risco de perder a visão.
Outro ponto vulnerável é a nuca. De acordo com Lichtenstein, toda a região do pescoço se atingida pode trazer graves lesões. No caso de partes protegidas por músculos, como as coxas, o risco de morte não existe. "A pessoa vai sentir uma dor muito forte", explica o médico.
Spray de pimentaA pimenta tem em sua composição a substância capsaicina, responsável pelo ardor. Ela atinge as terminações nervosas de forma imediata, o que provoca lacrimejamento e irritação. Segundo Saldiva, ela também fecha as vias aéreas. “Por reflexo às substâncias, os brônquios fecham. É o mesmo que sente o asmático, só que em proporção menor”, diz Saldiva. No entanto, outra reação instantânea e mais perigosa é a redução da frequência cardíaca. “A pessoa pode ter uma síncope. Se ela já sofre de problema cardíaco, esse quadro pode se complicar”, alerta o patologista.
Outro grupo que corre risco é o dos alérgicos. Segundo Arnaldo Lichtenstein, as pessoas alérgicas às substâncias encontradas nesse tipo de arma podem sofrer crise de asma, edema de glote (ao inchar, a glote obstrui a passagem de ar e causa insuficiência respiratória) e choque anafilático, o que pode levar à morte.
O efeito do spray de pimenta pode durar de minutos a horas, dependendo de como e do tempo de exposição à substância. De acordo com Paulo Saldiva, a pessoa atingida pode ficar com reflexo exaltado por mais de um dia.
Gás lacrimogêneo X vinagreTambém com efeito instantâneo, o gás lacrimogêneo tem consequências semelhantes às do spray de pimenta, especialmente para os alérgicos. Ele causa a irritação das mucosas, queimaduras na pele e provoca lacrimejamento, tosse e vômitos.
O gás pode ser composto por diversas substâncias, como o o-clorobenzilideno malononitrilo, cloro-acetona, bromo-acetona ou acroleína — esta última é cancerígena, segundo o especialista da USP. Os efeitos levam entre 20 a 45 minutos para passar.
Durante as manifestações em São Paulo, muitas pessoas levaram vinagre (ou ácido acético) para reduzir os efeitos do gás lacrimogêneo. No entanto, o patologista Paulo Saldiva ressalta que a diminuição é muito pequena. “O vinagre está quase na categoria 'lenda urbana'", afirma Saldiva.
Segundo o patologista, as únicas substâncias reativas de fato são a máscara com filtro de carvão aditivado – muito usado em regiões em guerra — e permanganato de potássio, que vem em forma de comprimido para ser diluído em água. Tal substância roxa é utilizada para amenizar assaduras de crianças.
Bomba de efeito moralA bomba de efeito moral é a menos agressiva ao corpo humano, pois apenas libera barulho e fumaça. Ela utiliza pólvora, que também é uma substância irritante, mas não é direcionada. No entanto, Arnaldo Lichtenstein alerta que pessoas alérgicas a substâncias presentes na bomba também podem apresentar reações graves.