O anúncio de moratória feito na quarta-feira (25) em Dubai é o reflexo de problemas com grandes dívidas e efeitos da crise financeira que representam prejuízo para credores, acionistas do mercado financeiro e até celebridades que investiram e ajudaram a vender o nome do emirado pelo mundo.
O pedido de suspensão do pagamento da dívida da Dubai World, a holding que administra os investimentos do Emirado, na quarta-feira deflagrou o que pode se tornar o maior calote de um país desde o da Argentina em 2001.
A lista de estrelas com imóveis em Dubai é enorme: de Brad Pitt a Julio Iglesias, passando pelo jogador de futebol David Beckham, pelos cantores Rod Stewart e George Michael, o ex-piloto Michael Schumacher e mais metade dos jogadores da seleção inglesa de futebol.
Mesmo antes do anúncio de moratória, esses nomes já perderam dinheiro com tais investimentos: desde o ano passado, estima-se que o valor de mercado dos imóveis do emirado já tenha caído cerca de 50%.
A dívida de Dubai é calculada em US$ 80 bilhões, dos quais US$ 60 bilhões são da Dubai World. Os bancos europeus, já castigados pela crise financeira, estão entre os maiores credores do Emirado.
O Emirado
Dubai, um pequeno pedaço de terra de 4 mil quilômetros quadrados na península Arábica, é um dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos, reunidos em 1971, no Golfo Pérsico, donos da sexta maior reserva de petróleo do mundo, descoberta dois anos antes.
O óleo, no entanto, se concentra no vizinho Abu Dhab. É chefiado pelo xeque Ahmed ben Said al-Maktum e sua família, que têm participação em grande parte das empresas do Emirado.
"Quando veio o dinheiro do petróleo descoberto pelos ingleses, cada uma dessas famílias que tinham a propriedade da região ficou com um Emirado", explica o economista Miguel Daoud, analista da Global Financial Advisor.
O ‘boom' da construção
Motivado pela grande riqueza vinda do petróleo, o governo de Dubai deu andamento à meta de transformar o emirado em um gigantesco centro de turismo, serviços e negócios dos Emirados. Graças ao empenho, a região tornou-se um imenso "canteiro de obras".
O Emirado famoso pelas ilhas artificiais em forma de palmeira, e o prédio mais alto do mundo, o Burj Dubai, transformou rapidamente uma imensa área desértica em um centro mundialmente importante, rivalizando com Nova York, Londres e Hong Kong.
A economia atual de Dubai depende, principalmente, da construção civil, responsável pela maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Esse mercado, por sua vez, é controlado principalmente pela Dubai World, empresa estatal que constrói e opera de portos a arranha-céus e ilhas artificiais.
Luxo e riqueza
Os Emirados não apenas atingiram um elevado padrão de vida como também conseguiram algo raro para um país árabe. Sua economia reduziu a dependência do petróleo. As faraônicas construções não são palácios reais, mas hotéis e sedes de bancos.
Empréstimos e garantias ‘perdidas'
Financiar essas construções requer muito capital, dinheiro grosso até mesmo para um país rico em petróleo. Por isso o pesado endividamento do Dubai World, que financiou alguns dos mais suntuosos hotéis do mundo por meio da emissão de títulos no mercado internacional.
Segundo o economista Gustavo Gazaneo, gestor da SLW assets, a principal razão para os problemas financeiros de Dubai é que eles usaram garantias para pegar dinheiro emprestado que "caíram por terra" com a crise financeira: o dinheiro do petróleo (que durante a crise, despencou de patamares próximos a US$ 150 para cerca de US$ 30) e os imóveis, que desvalorizaram fortemente.
"Eles tomaram dinheiro emprestado e deram petróleo e imóveis como garantia. Com a crise o preço dos imóveis e do petróleo cai, falta garantia e eles não têm mais como pagar. Além disso, o crédito sumiu e o mundo parou de comprar as obras que eles estavam tocando", diz o economista.
Todos esperavam que o irmão mais rico, Abu Dhabi, socorresse Dubai, evitando a moratória, mas dos US$ 20 bilhões pedidos, Abu Dhabi até agora liberou só US$ 5 bilhões.
Futuro sombrio?
Na opinião do economista Gustavo Gazaneo, a reação negativa dos mercados à notícia está longe de se estender e atingir complicações como as causadas pela "bolha" do mercado imobiliário dos Estados Unidos, que desencadeou a crise financeira mundial que levou economias do mundo todo à recessão.
" É um evento que o mercado não esperava, mas o mercado brasileiro está indo muito bem. Está muito longe de ser um novo subprime. Trata-se de um país que estava em expansão e está pedindo renegociação de dívidas, não tem com pagar", diz.
Já na avaliação do economista Miguel Daoud, os problemas do Emirado podem alcançar ainda mais repercussão porque o sistema financeiro internacional ainda está muito fragilizado pela crise e há muitos bancos europeus expostos a um eventual "calote".
"Tem europeu, americano e japonês em Dubai. O peso mesmo é muito japonês, a linha de metrô foi construída lá com parte de investimento japonês. Hoje a bolsa de Nova York vai abrir em queda, mas ainda não a todo vapor por causa do feriado de Ação de Graças. A partir de segunda-feira é que a gente vai ver se esse pessimismo continua; dependendo, podemos ter uma reincidência da crise internacional", prevê.
No Brasil
Os três maiores bancos do Brasil disseram nesta sexta-feira que não têm exposição a ativos no conglomerado Dubai World, reforçando os comentários feitos ontem à noite pelo ministro das Finanças, Guido Mantega.
Durante jantar com investidores, Mantega disse que "não acredita que o problema em Dubai terá qualquer impacto nos bancos brasileiros". Procurados pela agência Dow Jones, o Banco do Brasil, o Itaú Unibanco e o Bradesco disseram que não têm exposição a qualquer ativo.
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