Não tem como fugir. Está em jogo de rúgbi, está em exibições da taça da Copa do Mundo, está em boates, está no treino da Coreia do Norte, está em toques de celular. É o som brasileiro mais famoso na África do Sul. Nada de Chico Buarque, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Ivete Sangalo ou Zeca Pagodinho. É funk. É o "Rap das Armas". A música da dupla Cidinho e Doca, que fez sucesso no Rio de Janeiro nos anos 90 e que integra a trilha do filme Tropa de Elite, divide com a seleção de Dunga a responsabilidade de representar o Brasil na terra do Mundial. E é difícil saber como a moda do "parapapapapa" (refrão da música, que reproduz uma rajada de balas) começou no país. Há várias versões, vários "donos". De qualquer forma, é motivo de orgulho para os funkeiros da Cidade de Deus.
- É muita felicidade para mim e para o Cidinho. O funk vem da classe pobre, carente, que apanhou muito durante os anos e hoje está conquistando o mundo. É um orgulho muito grande. Nunca imaginamos que a música chegaria tão longe. Para mim, vale mais o que minha música conquistou do que o dinheiro. Não enriqueci, mas o mundo que tenho com o funk vai ficar para o resto da minha vida - disse Doca, que até hoje mora na comunidade carioca, assim como o parceiro.
Como o "Rap das Armas" foi estourar na África do Sul? Um ponto em que todos envolvidos concordam é que a música partiu foi projetada a partir do filme "Tropa de Elite" para as pistas de dança da Europa, passando também a ser cantada nas arquibancadas de França e Suécia. O português Antônio Rocha ouviu o funk no filme e contratou Cidinho e Doca para shows no Velho Continente. Ele garante também que é o responsável por divulgar a música na África.
- Quem enviou a música para o mundo todo foi minha produtora. Fizemos essa divulgação. Vi o filme e adorei o "Rap das Armas". Depois fui ao Brasil e foi difícil encontrar a dupla, mas consegui. Conheci a realidade deles na Cidade de Deus, ficamos amigos e os levei para shows na Europa. Só em Portugal, em dois anos, foram mais de 100 apresentações - contou Antônio.
Dono de uma das boates mais famosas de Joanesburgo, a Latinova, o peruano Augusto Palácios Jr. tem outra versão. Ele diz que também ouviu o "Rap das Armas" em Tropa de Elite, esperou os créditos na tela para ver o nome do funk e depois pediu ao DJ para procurar na internet. Após o lançamento na Latinova, garante, o hit de Cidinho e Doca virou mania nacional.
- Acho que eu que fiz a música famosa por aqui. Virou um hino da Latinova, e depois outros DJs passaram a tocar em outras casas - afirmou Augusto, que costuma viajar ao Brasil nas férias e gosta de usar som brasileiro em sua boate, como samba e música baiana em remix.
Mas, para o engenheiro brasileiro Steve Grunberg, que mora na África do Sul há 16 anos, não é tão fácil assim achar o "descobridor" do "Rap das Armas". Segundo ele, a música virou sucesso com uma boa ajuda da colônia brasileira em Joanesburgo.
- O funk já rolava nas festas brasileiras, promovidas pela Associação Brasileira Cultural de Joanesburgo. Mas só começou a "bombar" para o sul-africanos no ano passado. Após a exibição do filme, a música fez sucesso em rádios e nas botes em que a comunidade brasileira costuma frequentar, como Taboo, Latinova , Movida e Manhattan - explicou.
Sucesso na Copa do Mundo, mas problemas com a polícia no Rio
Para Doca, pouco importa de onde surgiu a ideia de tocar o "Rap das Armas" na África do Sul. O que interessa é que o funk virou sucesso e é uma das músicas mais tocadas nas festas do país antes da Copa do Mundo. Na sexta-feira, durante a passagem da taça da Fifa por Soweto, o público foi ao delírio ao som do "parapapapa". Em breve, os sul-africanos poderão até conferir ao vivo os funkeiros.
- A dupla deve fazer shows na África durante a Copa. Estamos vendo a possibilidade. E a Coreia do Norte escolheu a música como a sua oficial no Mundial. Tentamos que fosse do Brasil, mas não tivemos resposta - disse o empresário português.
A história do "Rap das Armas" nem sempre foi de alegria para Cidinho e Doca, que também fizeram sucesso com o "Rap da Felicidade" (do verso "Eu só quero é ser feliz / E andar tranquilamente na favela que eu nasci"). A dupla lançou a música em 1995 com polêmica: a letra completa tinha várias referências ao tráfico de drogas. Era um "proibidão", nome dado pelos funkeiros aos raps que não tocavam em rádios por causa da apologia ao crime.
- Fomos prestar depoimento na polícia e tudo isso assustou a gente. Nós éramos muito novos. Não falávamos na maldade, falávamos o que a gente via na nossa realidade na favela. Falamos a verdade na polícia, que a música era nossa, nossa voz está la, mas que a gente relata o que vemos. Não podem proibir a gente de cantar o que a gente vê - lembrou Doca.
Como o refrão, que imita som de tiros, fez sucesso mesmo sendo "proibido", o DJ Marlboro lançou com a dupla Júnior e Leonardo uma versão mais leve do "Rap das Armas", sem citar o crime organizado. Na primeira versão do filme "Tropa de Elite", que foi vendida no mercado pirata do Rio de Janeiro, a gravação escolhida era a de Cidinho e Doca, com trechos do funk original. E foi esse o "proibidão", mas sem toda a letra cantada, que acabou estourando fora do Brasil.
- Sei que é uma música antiga e que o som do refrão é barulho de arma. Mas não entendemos a letra como um rap proibido. Muito menos os sul-africanos, que não falam português. Sei que é uma música de favela, de periferia, um símbolo do Rio de Janeiro - disse Augusto, da Latinova.
- Eles já até tiveram problema na polícia por causa da música. Mas fizemos uma versão só com o refrão, não utilizamos o restante. Virou sucesso na Europa, vendeu discos de platina na Holanda e na Suécia, de ouro em Portugal - completou Antônio.
Na Latinova, o DJ sul-africano Floyd só chama o funk de "Parapapapapa". É assim que ele é conhecido no país. O ritmo gruda no ouvido e em poucos minutos quem está no ambiente cantarola o refrão. Feliz pelo sucesso, Doca só lamenta uma coisa: o retorno financeiro não o satisfaz.
- Não recebemos nem 10% do que merecíamos. O funk ainda é muito descriminado. As pessoas não caíram na real que o funk é cultura e sustenta muita família. A gente não ganha dinheiro com funk. A gente sobrevive com funk.
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