Embora os dados sejam escassos no Brasil, os profissionais da saúde têm notado um aumento no número de pessoas com alergias alimentares, de acordo com a médica especialista em Alergias e Imunologia, Ana Carolina Santos.
Essa grande incidência é visível principalmente no Ocidente. Cerca de 17 milhões de europeus sofrem com algum tipo de alergia relacionada à comida, segundo a Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica. Nos Estados Unidos, calcula-se que haja 15 milhões de pessoas com alergias alimentares.
Conforme Ana Carolina, há um aumento no diagnóstico e as explicações para esse fato são inúmeros. Porém o que tem chamado atenção é a teoria que diz respeito às mudanças no estilo de vida.
“Com as mudanças que estão acontecendo, com frequência a gente vê novos alérgenos, alimentos que antes a gente não via causando alergia, como castanhas. Isso porque nós mudamos os nossos hábitos”, apontou.
O fator genético também conta muito, mas a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) acredita que, em se tratamento da influência ambiental, o fato de hoje se viver em ambientes tão limpos deixou o organismo sensível.
“Provavelmente é a nossa relação com o ambiente mesmo, a mudança dos alimentos, a forma de consumo dos alimentos, mudança da nossa vida”, explicou a médica.
De acordo com Ana Carolina, a alergia é causada pelo sistema imunológico ao reagir a proteínas presentes nos alimentos.
Os sintomas variam desde vermelhidão da pele, urticária e inchaço até - nos casos mais graves - vômitos, diarreia, dificuldade respiratória e choque anafilático.
Leia os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Quais são os alimentos mais comuns em casos de alergia?
Ana Carolina Santos - Varia um pouco entre adultos e crianças. Mas os mais comuns são leite, ovo, soja, trigo, amendoim, peixe e frutos do mar. Esses sete são os mais comuns no geral. Mais ou menos nessa ordem, sendo que criança é nessa ordem mesmo. No adulto, já tem mais frutos do mar e camarão.
MidiaNews - Os sintomas da alergia alimentar diferem de pessoa para pessoa e de alimento para alimento?
Ana Carolina Santos - Pode sim. A alergia alimentar não é uma doença única, ela tem nome e sobrenome. Então a pessoa pode ter uma síndrome da alergia oral, que ela come o alimento e fica com vermelhidão, formigamento, coceira ao redor da boca, dentro da boca, na língua. Esse é um tipo de alergia. Ela pode ter uma urticária com angiodema, que são aquelas lesões que coçam pelo corpo todo, inchaço. E ela pode ter a urticária com angiodema mais os sintomas de anafilaxia.
Existem várias formas de a alergia alimentar se manifestar. E a pessoa tende a ter aquele tipo de alergia que ela tem. E pode também ser uma alergia tardia, que é outro mecanismo de alergia. Geralmente são manifestações do trato gastrointestinal, que é diarreia com sangue, alteração da absorção dos alimentos. São formas diferentes da manifestação da alergia. E tem ainda as alergias mistas, que são tanto por esse mecanismo imediato quanto por tardio. Por exemplo, a pessoa pode ter uma dermatite atópica, que é uma doença da pele e essa dermatite ser agravada por uma alergia alimentar. Tem várias formas de apresentar em uma pessoa.
MidiaNews - Como diferenciar a alergia da intolerância alimentar?
Ana Carolina Santos - A alergia tem os sintomas específicos. A alergia alimentar pode manifestar com aquelas placas, tipo urticária. É imediato após a ingestão do alimento, em geral em até 30 minutos após a ingestão. Pode ocorrer também os edemas que a pessoa fica deformada também de início rápido. Pode estar associado, junto com esse quadro, a pessoa ficar hipotensa, mole, perder a consciência, desmaiar mesmo. Ter um quadro respiratório junto por falta de ar ou edema da garganta ou da laringe, que a gente chama de anafilaxia, que é o quadro mais grave de alergia alimentar. E é de início rápido após a ingestão do alimento.
A intolerância alimentar é um quadro mais relacionado ao trato gastrointestinal. O paciente não apresenta aquelas urticárias, as placas no corpo de coçam, vermelhidão. Ele come e tem um quadro de vômito, diarreia, distensão abdominal, aumento de gases. Em geral não é tão rápido, depende do grau de intolerância.
Mas existem as alergias alimentares não imediatas, que pegam só o trato gastrointestinal.
MidiaNews - Quais são os componentes dos alimentos que podem causar alergia?
Ana Carolina Santos - A alergia, geralmente, é causada pela proteína do leite ou do alimento que a pessoa é alérgica. Pode ser qualquer alimento, mas em geral são as proteínas que causam a alergia.
MidiaNews - Por que alguns alimentos provocam mais alergias que outros?
Ana Carolina Santos - No geral, a gente come esse alimento e tem uma tolerância. Por que a gente não considera esse alimento sempre estranho ao nosso organismo? Desde que a gente nasce, a gente começa a ter o contato com os alimentos. O nosso organismo desenvolve tolerância, mecanismos de reconhecer que as proteínas dos alimentos não são estranhas, não vão causar mal para o nosso organismo. O sistema imune lida com isso tolerando as proteínas. Uma das coisas que faz com que a pessoa desenvolva alergia é que essas pessoas não tem essa tolerância ao alimento naquela proteína e o sistema imune acha que é algo ruim e monta uma defesa, uma reação para combater aquela proteína e é onde dá a alergia.
MidiaNews - Por que tantas pessoas têm alergia ao leite e ovo?
Alair Ribeiro/MidiaNews
"A pessoa que já teve alguma vez na vida um quadro de anafilaxia, que é essa reação alérgica grave, deve portar com ela adrenalina auto injetável"
Ana Carolina Santos - Tem muito haver com as proteínas do leite e do ovo serem mais capazes de causar essa resposta imune ao nosso organismo. Elas são mais alergênicas. São proteínas mais causadoras de alergia.
As alergias alimentares estão aumentando, mas também existe o super diagnóstico então nem sempre o que é diagnosticado como alergia é de fato alergia. Mas realmente as alergias verdadeiras estão aumentando. Existem várias hipóteses para tentar justificar isso. Provavelmente é a nossa relação com o ambiente mesmo, a mudança dos alimentos, a forma de consumo dos alimentos, mudança da nossa vida. E existe também a epigenética, que a gente incorpora no nosso DNA alterações do ambiente ao longo dos anos. A gente vai se tornando mais alérgico mesmo.
MidiaNews - Por que as crianças são mais afetadas por alergia que os adultos?
Ana Carolina Santos - Uma das coisas que a gente pode justificar é justamente o início do contato com o alimento. Provavelmente, não ocorreria essa tolerância necessária para que a pessoa não tivesse alergia, que pudesse comer normalmente e não ter nenhum sintoma. Então, é mais no início do contato com esses alimentos, essas proteínas, onde o nosso organismo estranha essa proteína e monta uma resposta contra ela.
Depois, o nosso organismo começa a desenvolver mecanismos de tolerar. Por isso que no adulto é mais difícil de acontecer, mas isso varia conforme o tipo de alimento. Por exemplo, com frutos do mar, o mais comum é iniciar depois de adulto.
MidiaNews - Em casos extremos, a alergia alimentar pode matar?
Ana Carolina Santos - Pode. As pessoas que tem essa alergia que é imediata, que inicia muito rápido após a ingestão do alimento, tem essa reação do tipo mais grave, que é a anafilaxia, pode causar a morte e é muito rápido. A tendência das reações é se tornarem cada vez mais graves. Pode ser que em uma primeira reação alérgica não seja tão grave, mas em um segundo contato a tendência é que a reação seja de início mais rápido. Às vezes, só de encostar-se à pele já dá reação, e tende a ser mais grave.
MidiaNews - Algumas alergias podem se manifestar apenas com o contato do alimento com a boca. Como proceder nestes casos?
Ana Carolina Santos - A pessoa que já teve alguma vez na vida um quadro de anafilaxia, que é essa reação alérgica grave, deve portar com ela adrenalina auto injetável. É um medicamento que vem em um dispositivo para leigo usar. A adrenalina vem dentro de um dispositivo que tem que ser aplicado no vaso lateral da coxa. Isso se a pessoa estiver tendo uma reação que envolve falta de ar de qualquer tipo ou a pessoa estiver perdendo a consciência, que são as reações mais graves. Ela precisa do uso dessa adrenalina e essas pessoas precisam andar com essa adrenalina com elas. Se a pessoa tiver a adrenalina auto injetável, alguém precisa administrar se ela não tiver mais condição. É na coxa, não precisa tirar a roupa, não precisa nada. Tem que simplesmente aplicar o mais rápido possível. Todas as pessoas alérgicas precisam passar por uma avaliação, ter uma receita do que fazer caso tenha alguma reação e caminhar rapidamente para o pronto atendimento.
MidiaNews - O componente genético tem peso no desenvolvimento de alergias?
Ana Carolina Santos - A gente sabe que tem a influência da genética. Pessoas que tem [casos de] alergia na família, mesmo que não seja alimentar, tem maior chance de ter alergia de qualquer tipo, inclusive alimentar. Pessoas que tem parentes [alérgicos] de primeiro grau também tem maior chance de ter. Não é incomum vários irmãos terem alergia alimentar. Com as mudanças que estão acontecendo, na frequência, a gente vê novos alérgenos, alimentos que antes a gente não via causando alergia como castanhas. Isso porque nós mudamos os nossos hábitos. Hoje é muito comum as pessoas consumirem castanha, é considerado um alimento saudável e tudo, porém também são bastante alergênicas. E hoje a gente vê com muito mais frequência.
Alair Ribeiro/MidiaNews
"A exclusão daquilo que você é alérgico não é o único tratamento"
MidiaNews - Existe tratamento para a pessoa deixar de ser alérgica a alimentos?
Ana Carolina Santos - Existe a dessensibilização que ela pode ser feita com o alimento. É um tratamento que não é indicado para todas as pessoas que tem alergia alimentar. É indicado, principalmente, para essas alergias que tem mais estudos do tipo anafilaxia, que são essas alergias mais graves, e com o leite. Mas pode ser feito, teoricamente, com qualquer alimento. A gente indica mais para crianças que tem essas reações graves e que não se curaram sozinhas. A maior parte das crianças que são alérgicas ao alimento, elas passam a tolerar o alimento ao longo do tempo. É como se elas se curassem sozinhas. Se não ocorre essa cura, a gente faz esse tratamento de dessensibilização do alimento.
Não tem muita procura porque é um tratamento relativamente novo. Nem todo mundo sabe que existe essa possibilidade e também não é indicado para todos os alérgicos. Mas nós, alergistas, indicamos quando é um caso que a gente acha que precisa fazer.
É interessante que os colegas médicos não sabem muito dessa possibilidade. Inclusive esse tratamento é muito feito para medicamentos e, nesse caso, já é muito antigo. E os próprios colegas que não são especialistas desconhecem essa possibilidade e não alertam o paciente. Então, a exclusão daquilo que você é alérgico não é o único tratamento.
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