CÍNTIA BORGES
DA REDAÇÃO
Para desenvolver um bom trabalho, em qualquer segmento, é necessário dedicação. Para fazer a diferença em uma empresa ou instituição, os atributos devem ir além dos exigidos em uma ficha de emprego.
Em Mato Grosso, no modelo de escola plena – que tem como princípio elevar a autoestima do estudante e aprendizagem em tempo integral -, o professor de geografia Edmárcio Neri da Silva, da Escola Plena Rafael Rueda, no Bairro Pedra 90, faz a diferença na comunidade escolar.
A escola, que chegou a registrar mais de 50 atos infracionais em 2016, ao mudar o modelo – de regular para plena – colocou-se entre as melhores escolas públicas do Estado. Parte desta mudança, feita em 2017, tem as mãos de Edmárcio.
“Aqui, na nossa escola, eles são carentes. Então, quando o professor abraça essa garotada e faz com que eles se sintam em uma outra realidade, eles passam a querer contribuir cada vez mais. Muitos de nossos alunos chegam aqui apagados, e não demora muito já são protagonistas. Eu tenho visto que a educação pública de qualidade é possível”, disse ao MidiaNews.
Lislaine dos Anjos/MidiaNews
"Os nossos alunos chegam aqui tão apagado, e não demora muito já são protagonistas"
No passado, além do alto índice de criminalidade, havia uma alta evasão escolar. Para conquistar os adolescentes, as aulas ministradas pelo professor de Geografia não são como as vistas em escolas regulares. O trabalho de Edmárcio é classificado pelo próprio como “aula show”.
“Quando eu chego na escola, independente dos conflitos que eu estou vivendo, fica tudo para fora. Agora, são os alunos. Eu me transformo em uma pessoa que o aluno sinta prazer em estar vendo e ouvindo. Então, o meu ensino é baseado no ensino show. Para isso, se possível eu subo em cima da mesa”, conta.
“O aluno está acostumado a copiar e a escrever. De repente vem aquele professor que durante a aula canta Bonde do Tigrão em cima do conteúdo”, brinca.
Para o professor de Geografia, a primeira aula é o dia de cativar o aluno. Para que isso ocorra, ele usa de artifícios um tanto quanto inusitados.
Edmárcio, que foi criado em um assentamento do Movimento Sem-Terra (MST), e está fora dos padrões de beleza mostrados em revistas de moda, usa da imaginação e dá início a apresentação que encanta os alunos.
“‘Eu sou Edmárcio, GG: gato, gostoso e querido das meninas’. Conto que quando eu nasci três estrelas passaram, quando Jesus nasceu apenas uma. Digo que sou um deus grego, loiro, alto de olhos azuis com barriga tanquinho”.
“A garotada viaja, e é uma aula super show. Ali, é minha deixa, porque o que vale é o primeiro dia. Então, a partir dai eles já enxergam que o modelo de escola plena é ‘o modelo”.
Lislaine dos Anjos/MidiaNews
Professor mostra um dos projetos de sua autoria "Caça ao Tesouro Geográfico"
O perfil de aula foi escolhido quando ainda estava na faculdade. A princípio, a ideia era ser professor de cursinho, onde as aulas nesse estilo são famosas. No entanto, ao ver a carência dos alunos mais jovens, o professor decidiu implantar a “aula show” ao ensino médio e fundamental.
“Quando eu terminei minha faculdade eu percebi que tinha esse dom e disse: ‘vou usar a meu favor’. E veio como luva. Eles gostam demais. O que ouvimos ‘o aluno gosta do senhor’, ‘o aluno comentou da sua aula’, isso alimenta a gente. Nos motiva e faz com que pensemos sempre em fazer algo diferente”, conta.
Ele conta que, nem tudo são flores. “Ser show não é fácil. A gente deixar os problemas lá fora e se molda totalmente para atender o aluno que também está com problema grave em casa. Então, é necessário se reinventar todo dia”.
Saindo da regular para a plena
A Escola Plena Rafael Rueda foi a primeira do modelo a ser instalada em Mato Grosso. Para isso, uma leva de professores foi selecionada para ingressar e
implementar o ensino. Edmárcio foi um deles.
“Quando eu vim fazer o concurso para entrar na escola plena, levei um susto. Essa escola parecia um presídio. Eu comecei a pensar: ‘Meu Deus, será que é isso mesmo que eu quero. Olha o estado da escola’. Aqui era sinistro”, disse.
“Mas eu percebi que o modelo era fantástico. Eu sabia que ele faria a diferença, e surtiria efeito”.
Saindo da iniciativa privada, o professor conta que a principal diferença entre estudantes de escolas particulares e públicas é o incentivo familiar.
“A grande maioria dos pais de alunos de uma particular tem o nível de instrução maior. Esses pais acabam puxando um pouco mais os filhos para a leitura”.
“Já aqui, no modelo de escola plena, somos nós. É o recurso humano que faz a diferença, para fazer com que o aluno possa competir de igual para igual com o aluno de escola particular”.
O professor conta que, devido a pouca estrutura familiar, muitos alunos chegam a baixa autoestima na escola, e é aí que o trabalho do professor vai além de ensinar o conteúdo: eles enaltecem os estudantes.
“Muitos deles chegam aqui com a autoestima baixa por conta da própria família. É a mãe que diz ‘você não vai ser ninguém’, ‘você vai ser traficante igual fulano’. Nós quebramos isso com os alunos, e também com os país”.
Projetos
Lislaine dos Anjos/MidiaNews
Maquete do sistema solar na sala do professor Edmárcio
A sala de aula do professor é um outro “show”. Nas paredes, cartazes e projetos sobre os temas dados em sala de aula – um deles destaque do professor: uma
maquete que imita a constelação e acende ser conectada na tomada.
No teto da sala aula, o Sstema Solar. E no chão, uma Rosa dos Ventos. Tudo isso projetado e executado pelos alunos.
Um dos principais projetos da escola, e encabeçado pelo professor Edmárcio, é o “Jornal Plena Evolução”.
O imprenso com apenas uma edição foi uma ideia acolhida pelos alunos e que conta parte dos projetos desenvolvidos na escola.
Conforme o professor, a imagem negativa da escola ainda não foi extinta da cabeça de muitos moradores do Pedra 90. O jornal, idealizado por ele, veio com o objetivo de fomentar os projetos escolares e quebrar paradigmas criados sobre a escola na sociedade.
“As pessoas da comunidade ainda acreditam no perfil negativo da escola. Então, foi pensando em quebrar o paradigma que aqui é um local de droga e prostituição, que era o tinha até 2016, que nós buscamos parcerias para fazer a impressão, e conseguimos uma tiragem de 1000 exemplares”, conta.
Outro projeto, que enche os olhos do professor, é onde os alunos saem da sala de aula e vão usar os conhecimentos geográficos para achar um baú de tesouros.
“Nós também temos o projeto ‘Caça ao Tesouro Geográfico’. Os alunos procuram um tesouro que está escondido na escola e na praça. Eles desvendam os enigmas
e vão a caça ao tesouro. Ganha quem acha o tesouro em menor tempo”.
Inspiração
Devido a todo trabalho desenvolvido, o reconhecimento vem de formas que o professor não espera.
“Nós temos um aluno que disse que quer ser professor de Geografia por minha causa. Só que ele não consegue dizer pra mim. Ele contou para outros professores.
‘Nossa, o aluno é doido para ser professor por sua causa’”.
“Isso deixa a gente muito feliz. Você conseguir despertar no aluno uma força para que ele possa se ver como um profissional lá na frente, e principalmente, por causa de você, na sua ciência, é uma sensação de missão cumprida” afirma.
