José Wilson Tavares

Cores, sabores, ritmos e fé. Pilares sólidos sustentam as tradições de Várzea Grande, uma cidade forjada na mistura entre indígenas, negros e colonizadores, que neste domingo (15) completa 155 anos desde a sua fundação.
Para conhecer um pouco mais sobre essas tradições do município, o MidiaNews entrevistou o historiador José Wilson Tavares, de 58 anos, autor do livro “Várzea Grande – História e Tradição”.
Para o pesquisador, as tradições seguem vivas até hoje, mas já tem perdido o “esplendor que um dia tiveram” e correm o risco de cair no esquecimento.
“Existe um número significativo de jovens que ainda correm atrás desse resgate das tradições. Mas o que estou assistindo são os grandes produtores dessas práticas culturais na terceira idade. E quando eles morrerem vão com eles essas tradições”.
Reprodução/ Arquivo Pessoal
Foto da Capela Nossa Senhora da Guia, em 1892, antes de receber a torre
Próximo à igreja de Nossa Senhora da Guia, padroeira da cidade, estava a grande várzea que deu origem ao nome do Município. “Era um córrego, um pântano, uma grande várzea com água, tanto que há uma nascente do fundo do [ginásio] Fiotão, resgatada com uma nova obra”, diz.
Para Tavares, alguém precisa cuidar desse resgate histórico com empenho. “Estamos, na verdade, perdendo a identidade”, lamenta. “Quem não tem memória, não tem história”.
Conheça um pouco mais desses hábitos e características que tornam o várzea-grandense em um povo único e marcante.
Tradição construída a partir da trama
A arte de tecer é um dos principais marcos das tradições várzea-grandenses. Perpetuada até hoje com as tecelãs das comunidades do Limpo Grande, Capão Grande e Bonsucesso, o coloridos das redes é de encher os olhos de qualquer um.
As redes confeccionadas de forma artesanal podem levar até 90 dias para ficar prontas, mas o historiador garante: "São redes para durar 100 anos”.
“Rústicas e bonitas, cada uma delas é uma peça única. É como fazer uma pintura, o artista vai pintando a sua memória. Com a tecelã, é a mesma coisa”, diz.
Essa tradição é uma herança dos primeiros habitantes da região. Dos negros que à época teciam com a liana (variedade de cipó), e também dos índios guanás que usavam uma espécie possivelmente silvestre de algodão para realizar o trabalho.
Os índios guanás habitaram a região da Beira Rio a partir da primeira metade do século XIX (1845). Trazidos de Corumbá (MS) como mão de obra barata, eram hábeis tecelões.
Reprodução/ Arquivo Pessoal
Palco tipicamente ornamentado para festejo. Ao fundo está foto da Capela da Nossa senhora da Guia já com a Torr
“Faziam uma espécie de manta que os portugueses chamaram de panão. Era utilizado para cobrir a pele e como manta para dormir em cima dela. É a origem da rede várzea-grandense”.
O historiador lamenta a falta de incentivo a essa tradição centenária, reconhecida por lei como patrimônio cultural da cidade. “Os herdeiros dessa prática não conseguem mais viver dela”.
A musicalidade folclórica
Siriri, cururu e viola de cocho. É difícil falar de um e não se lembrar do outro. Essa tríade compõe não só uma tradição da cidade, como um reconhecido patrimônio cultural do Estado.
“Ainda hoje, no século XXI, permanece sólida a tradição do siriri e cururu a partir do batuque e da viola de cocho. Isso chama a atenção das pessoas porque mistura a prática da dança, do profano, com uma religiosidade profunda”, explica Tavares.
A viola de cocho é confeccionada com uma madeira mais leve, responsável pelo som rouco produzido pelo instrumento. Antigamente eram produzidos com troncos únicos, mas hoje são confeccionadas em partes, devido ao tamanho das árvores cultivadas.
Segundo Tavares, não se sabe ao certo a origem exata do siriri e cururu. Mas a primeira “lembra celebrações indígenas”, e na segunda a cantoria “se classifica em sacra [letras criadas por fies] e profana [por tratar das mazelas da vida”.
Esses três elementos folclóricos eram indispensáveis em apresentações de dança, batizados, casamentos, festejos religiosos e demais eventos folclóricos.
A arte de preparar o peixe
De sabor inconfundível, o peixe preparado em Bonsucesso, Praia Grande e Passagem da Conceição carregam traços do estilo de vida levado por quem há décadas habitou a região.
“Quando falamos da culinária à base de peixe falamos do ribeirinho. A rotina à margem do rio, ainda no século XIX, plantando e pescando para sobreviver, fez nascer aquilo que ele tinha para temperar o peixe”.
Simples e marcante, o peixe era e segue sendo temperado apenas com alho, sal e coentro. Depois de marinar na mistura por um tempo, a iguaria está pronta para ir ao forno ou frigideira. “A sensação é de comer com tempero único”, garante o pesquisador.
Festas religiosas
As tradicionais festas de santo carregam em si as origens de um povo miscigenado. Um povo de pele negra, herança do período escravocrata, que cultuava as religiões de matriz africana. Somando-se o catolicismo trazido pelos colonizadores.
“Isso vai dar uma solidez a essa população. Considero que há certa harmonia nessas diferentes práticas religiosas em território várzea-grandense. É a marca de um povo pacifico, de um povo preocupado em viver, em não fazer guerra”, explica o historiador.
A festa do Divino Espírito Santo, em Bonsucesso, é a única feita somente em solo várzea-grandense. Tem a festa de São Benedito, herança da vizinha Cuiabá e também a da Nossa senhora da Guia, padroeira da cidade. Essas tantas homenagens expressam a devoção e fervor de um povo devoto.
Além de grandes festas, o historiador destaca os festejos familiares. “O bonito é a maneira do culto a esse santo, aquela prática simplória, pessoas semi-analfabetas, mas que sabem cantar e louvar a Deus a partir daquele templo [feito em casa]”.
Tavares alerta para a “perda do brilho” desses festejos se comparado aos de décadas passadas. Ele mencionou a tradicional Festa do Pescador, de São Pedro, que foi criada nos anos 70 e é comemorada no dia 29 de junho, na região de Bonsucesso.
“Naquele tempo o dia em que caísse o dia de santo, fosse em plena quarta-feira, era naquele dia que era feita. Era gente saindo pelas beiradas da vila. Ela ainda existe, mas não tem mais o esplendor que tinha na época”, relembrou.
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