O médico mastologista Marcelo Mendes diz que, além da busca por profissionais de saúde, mulheres diagnosticadas ou com suspeita de câncer de mama têm recorrido a plataformas digitais e aplicativos de inteligência artificial na busca de informações.

“Muitas pacientes, em vez de buscar no Google ou nas redes sociais, já estão usando a inteligência artificial. Elas estão buscando o ChatGPT para responder perguntas sobre a doença delas. Elas vão ter algumas respostas, só que a questão é: o que elas vão fazer com essa informação?”, reflete o médico.
O câncer de mama é o tumor que mais afeta mulheres no Estado de Mato Grosso. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que, a cada 100 mil mulheres, entre 2023 e 2025, cerca de 1.040 foram diagnosticadas com a doença.
Ainda segundo Mendes, a forma como a doença é visto ainda carrega estigmas, mas a medicina tem avançado significativamente, apresentando resultados importantes no tratamento.
“A gente tem que confiar na ciência, confiar na medicina. A evolução foi muito grande. Trabalho nessa área há mais de 20 anos e mudou completamente. A taxa de cura hoje beira 80%. Se olharmos 40 anos atrás, era de cerca de 40% a 50%”, ressaltou.
Em entrevista ao MidiaNews, Marcelo Mendes destacou a importância do diagnóstico precoce e do início rápido do tratamento para aumentar as chances de cura.
Confira os principais trechos da entrevista:
O senhor pode explicar como ocorre o surgimento do câncer de mama?
Marcelo Mendes – Nós ainda não descobrimos a causa do câncer. O que provoca o câncer de mama não está, a princípio, relacionado à alimentação, nem muito ao estilo de vida. O câncer de mama pode surgir em toda e qualquer mulher. Em relação à idade, é a mesma coisa. Nós temos a recomendação de que a mulher, a partir dos 40 anos, comece a fazer os exames, principalmente a mamografia.
A mamografia é um exame que mostra o interior da mama. Como o câncer de mama é uma doença silenciosa, nós só vamos conseguir identificá-lo através de um exame. Então, toda mulher, a partir dos 40 anos, o ideal é que faça uma mamografia uma vez por ano ou, no máximo, a cada dois anos. Abaixo dos 40 anos, é muito importante o exame físico das mamas. Quando a mulher for ao ginecologista, é importante que tenha as mamas examinadas pelo ginecologista e, ai o ginecologista vai avaliar se ela precisa fazer algum exame — um ultrassom, por exemplo.
Victor Ostetti/MidiaNews
MidiaNews - Qual a importância do autoexame?
Marcelo Mendes - O autoexame tem uma importância relativa. Cada mulher tem uma mama diferente, cada mulher tem um tamanho de mama diferente. Se você tem habilidade, toque seu corpo, conheça sua mama, mas é sempre relativo. Em uma mama grande, não é fácil que a própria mulher perceba algo diferente. Eu tomo cuidado com o autoexame para não transferir para a mulher essa responsabilidade. Se toque, mas vá a uma consulta. Indo ao ginecologista, peça para examinar suas mamas, compartilhe essa decisão.
O autoexame foi criado há mais de 60 anos, numa época em que não existia mamografia. E hoje, a realidade que vivemos, a medicina é mais acessível. Então, o autoexame é importante, mas não se estresse com isso. Se para você, mulher, é confuso, ou você não gosta, peça para o seu médico examinar.
MidiaNews - Falando um pouco sobre a sua atuação aqui no Estado, como o senhor avalia o cenário? Há índices altos de diagnóstico de câncer de mama aqui em Mato Grosso?
Marcelo Mendes - O tratamento disponível aqui é exatamente o mesmo disponível em centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Qualquer capital do país hoje tem recursos para diagnosticar e tratar o câncer de mama, até mesmo pelo SUS. Nós temos que agradecer por o país ter um Sistema Único de Saúde que trata doenças de alta complexidade, como o câncer de mama, que é uma doença de alto custo para o tratamento — e nós temos esse recurso disponível.
A dificuldade que a gente tem, às vezes, é com a paciente que depende do sistema público de saúde aqui em Cuiabá ou em Várzea Grande, na fila de espera para autorizar uma mamografia de rotina, ou pacientes que demoram muito tempo aguardando a liberação do exame. Esse ainda é um problema que identificamos.
O tempo que leva para autorizar uma mamografia de rotina ainda é longo, e isso não é o ideal. O mesmo acontece com pacientes que têm um nódulo suspeito e precisam fazer uma biópsia pelo SUS. É algo que os gestores precisam olhar com mais atenção, para que o processo seja mais rápido e essa mulher consiga fazer a biópsia mais cedo e ter o diagnóstico mais rápido.
MidiaNews - Entre os mitos e verdades que podem influenciar no diagnóstico do câncer de mama, um é a reposição hormonal para mulheres que já entraram na menopausa. Isso pode afetar, de certa forma, a incidência de câncer?
Marcelo Mendes - Nós ainda não temos de forma definitiva através da ciência. O que nós sabemos é que o câncer de mama, assim como a célula normal da mama, tem uma “tomada” para se conectar com o hormônio, porque o crescimento da mama acontece depois que o corpo da mulher fabrica estrogênio, fabrica hormônio. Essa célula da mama responde e cresce com o estímulo hormonal — tem que ser assim. Quando a mulher fica grávida, acontece o mesmo: o tecido mamário vai aumentar, vai se desenvolver.
Então, o estímulo hormonal faz a célula da mama crescer. O que acontece é que, quando essa célula sofre uma mutação e se transforma em câncer, ela pode continuar com essa mesma característica — se der hormônio, ela cresce. Nós temos cânceres de mama que são exatamente assim. Essa mulher não pode repor hormônio. Agora, na mulher que tratou de câncer de mama, fazer uma reposição hormonal convencional ainda não é seguro. Nós ainda não temos uma resposta que permita afirmar, com base em estudo, que isso é seguro. Enquanto a ciência não provar que é seguro, a gente não faz.

MidiaNews - A questão das redes sociais, às vezes, assusta. Tem algum caso ou algo que você aconselha a observar em relação aos alarmismos ou mitos que surgem e as pessoas acabam acreditando?
Marcelo Mendes - Nós estamos em uma era em que a informação está disponível. Muitas pacientes, em vez de buscar no Google ou nas redes sociais, já estão usando a inteligência artificial. Elas estão buscando o ChatGPT para responder perguntas sobre a doença delas. Elas vão ter algumas respostas, só que a questão é: o que elas vão fazer com essa informação?
Nós, médicos, hoje em dia, estamos funcionando mais como moderadores. A paciente chega com milhões de informações que buscou, que leu — ela é quase uma especialista no assunto. Só que informação nem sempre é conhecimento. Conhecimento é informação mais experiência, mais vivência, ainda mais em uma área que não é uma ciência exata, como a área médica.
Às vezes o tratamento em uma paciente vai de um jeito; em outra, vai de outro, e a evolução é totalmente diferente. Então, na medicina, temos que tomar esse cuidado — não existem verdades absolutas. Se, porventura, você, mulher, buscar informações, traga essas informações, leve-as para o consultório. Porque ali a gente vai dar uma filtrada, vai ter a capacidade de explicar de um jeito que você entenda.
Porque existe o diagnóstico, mas existem também as informações — e como ela vai lidar com isso tudo, né? Porque a paciente, a primeira coisa que faz é colocar lá “câncer de mama”, e a primeira coisa que aparece é “mortalidade”.
Midianews – O seio está muito ligado à autoestima da mulher. Isso pode afetar o tratamento? Como médico, o senhor orienta as mulheres durante esse processo?
Marcelo Mendes - Sem dúvida, a mama é algo muito importante para a feminilidade da mulher. As mamas são muito importantes — talvez, eu diria, e vocês podem confirmar isso, mulheres — a mama é muito mais importante do que a própria genitália na identificação feminina com o corpo, no vestir-se. Porque a mama se desenvolve ao longo do tempo.
E é lógico que, durante o tratamento - fazer a cirurgia, a quimio, a radioterapia, os exames, a biópsia — eu digo sempre que essa é a parte mais fácil. Os recursos estão aí. Agora, como essa mulher vai lidar com isso, o que essa experiência vai representar para ela, é outra.
É uma questão individual. Aí entra a importância do profissional que lida com essa questão — o psicólogo, o terapeuta ou o psiquiatra — dentro da necessidade de cada paciente, num momento como esse, em que um diagnóstico mexe com muita coisa. Então é muito importante o suporte emocional. É muito importante que ela entenda que é um caso único — eu sempre digo isso a qualquer mulher. Cada uma vai lidar com a situação de um jeito.
Victor Ostetti/MidiaNews
MidiaNews - O senhor pode explicar um pouquinho para a gente sobre como funciona a cirurgia reparadora?
Marcelo Mendes - A paciente detecta um tumor na mama, como se fosse um nódulo de dois centímetros, e ela vai ter que retirar esse nódulo. Antigamente, a retirada desse nódulo, muitas vezes essa cirurgia causava uma deformidade na mama, não se corrigia, ficava um defeito, ficava uma mama diferente da outra, e o paciente tinha que conviver com isso porque ela teve um câncer de mama. Então, hoje a gente associa a técnica da cirurgia plástica.
No momento em que a gente vai retirar esse tumor, nós já fazemos uma plástica para corrigir a mama, para que ela não fique com defeito naquele local onde o tumor saiu, não fique um buraco ali. Então, muitas vezes, a paciente já tem um desejo. Tem pacientes que descobrem que têm câncer de mama, aí ela me fala: "Doutor, eu tenho vontade de reduzir minha mama muito grande." Aí eu digo: ótimo, a gente junta as duas coisas.
Pode ser feita com prótese de silicone, pode ser feito com enxerto natural do próprio corpo, aí para cada caso vai ter uma situação. Mas é muito importante para a mulher entender hoje que essa cirurgia que ela precisar não vai ser mutiladora. Não vai ser uma cirurgia que cause deformidade.
MidiaNews - Com esses avanços e essas novas opções de tratamento também, assim, na sua visão, mudou um pouco a forma como as pessoas veem o câncer e o tratamento?
Marcelo Mendes - Eu concordo que a palavra câncer, além de estigmatizada, é uma palavra pesada. Uma coisa é você ir ao médico e dizer: "Olha, você está com uma miocardite." Outra coisa é você ir e falar: "Poxa, é segundo o diagnóstico, câncer."
E vou confessar, mesmo nós médicos, quando a gente eventualmente vira paciente, a gente se comporta da mesma forma. Então, é um diagnóstico realmente que, num primeiro momento, é difícil. Só que a gente vai, depois, com o tempo, vendo que cada caso é um caso. Então, nós temos inúmeras histórias de sucesso.
A gente tem que confiar na ciência, confiar na medicina. A evolução foi muito grande, muito grande. Eu tenho atuação nessa área há mais de 20 anos. Mudou completamente, completamente. A taxa de cura hoje beira os 80%. Se a gente olhar 40 anos atrás, a taxa de cura beirava 50%, 40%.
A gente está numa era, nós estamos vivendo hoje, 2025, um momento em que a medicina avançou muito. O que precisa é que todos nós desfrutemos do que a medicina tem de bom. Aqueles que precisam do sistema de saúde encontrem o que a medicina tem de bom. Aquele que tem um plano de saúde encontre o que a medicina tem de bom.
O difícil é a pessoa ter um problema e não ter acesso ao que a medicina tem de bom. Aí é difícil, é o que não pode acontecer. Cabe ao gestor que lida com o município, que lida com o público de saúde, garantir que essas mulheres tenham acesso à biópsia, tenham acesso à tomografia, tenham acesso ao tratamento. Porque o tratamento está aí, as coisas boas estão aí.
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