Cuiabá, Domingo, 17 de Agosto de 2025
PRODUÇÃO LITERÁRIA
17.08.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Escritor e editor: público quer ler, mas livro é caro e falta incentivo

Apesar da intensa produção, escritor e editor relatam baixo incentivo ao consumo de obras literárias em Mato Grosso

Victor Ostetti/MidiaNews

Escritor Eduardo Mahon e editor Ramon Carlini, em entrevista ao MidiaNews

Escritor Eduardo Mahon e editor Ramon Carlini, em entrevista ao MidiaNews

ANDRELINA BRAZ
DA REDAÇÃO

Dois dos principais nomes do mercado editoral de Mato Grosso, o escritor Eduardo Mahon e o editor Ramon Carlini lamentam o baixo índice de leitura em Mato Grosso, algo atestado em estudos nacionais. 

 

Para Mahon e Carlini, o problema pode ser explicado por alguns fatores, entre eles a falta de incentivo e o preço.

 

Publicada em dezembro do ano passado, a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil mostra que apenas 36% dos mato-grossenses são considerados leitores. O Estado aparece com o segundo pior índice de leitura do Brasil, ficando à frente apenas do Rio Grande do Norte, onde 33% da população afirma ter o hábito de ler.

 

Para Mahon, o baixo índice é sintoma de um problema mais profundo, relacionado à base da educação nas escolas.

 

“Se é o segundo, digamos, pior estado leitor, significa que nós também devemos ser o segundo pior estado pensador. Ou, no mínimo, articulador. É muito difícil escrever ou formular bem sem um arsenal de vocabulário que seja minimamente razoável. Então, isso já é um recibo de uma enorme capacidade — e também de uma incapacidade — que a gente está demonstrando.”

 

 

Mahon considera que o Estado deveria dar mais acesso aos estudantes, premiando-os, inclusive, com livros quando houver bom desempenho. 

 

“O estado tem um programa que eu acho muito legal, muito interessante: o do uniforme. O uniforme é importante porque, quando você passa na rua, identifica aquele jovem como um estudante da rede pública. Agora, por que não fazer o mesmo com os livros? Por que não associar o uniforme a um kit de leitura? Tipo: ‘Parabéns, você passou de ano. Aqui está seu uniforme, seu material escolar... E aqui estão cinco livros.’ Todo ano. Isso seria muito importante para incentivar a leitura.”

 

Victor Ostetti/MidiaNews

Eduardo Mahon

O escritor Eduardo Mahon

A mesma opinião é compartilhada por Ramon Carlini, editor e sócio-proprietário das editoras mato-grossenses Carlini & Caniato e Tanta Tinta.

 

Para Carlini, há uma demanda crescente pela produção de livros regionais.

 

“A produção é muito grande, e já temos um número relevante de editoras aqui no Estado, um número expressivo de autores, de publicações — e a qualidade também evoluiu muito nos últimos 30 anos. Estou há 30 anos trabalhando com isso aqui em Cuiabá e Mato Grosso. Então, sim, evoluiu muito.”

 

Apesar da evolução no setor editorial, Carlini reflete sobre a falta de obras regionais apresentadas aos jovens, o que poderia impulsionar o consumo de literatura local e fortalecer a identidade cultural do estado.

 

“É algo que percebo quando estamos em contato com esses jovens. Existe uma demanda reprimida, essa é a sensação. Quando a gente chega com livros, sorteia exemplares, eles fazem filas — filas e mais filas — para pegar um autógrafo, tirar uma foto com um autor. Depois, os professores nos dão retorno, dizendo que os alunos comentaram o conteúdo do livro em sala de aula.”

 

Para Carlini, isso demonstra o interesse dos jovens pela leitura, desmistificando a ideia de que a juventude não se interessa.

 

“Essa coisa de falar que o jovem não gosta de ler, eu acho que é uma balela. Claro, existe uma parcela dos jovens que realmente não deve gostar, né? Mas muitos gostam, e a sensação é que eles não têm acesso. E isso é um fato”, relata Carlini.

 

 

A mesma visão é compartilhada por Mahon, autor de contos, poesias e obras ficcionais distópicas. Para o escritor, o afastamento dos jovens da leitura também se deve à falta de compreensão, por parte dos adultos e dos professores, sobre os reais interesses dessa geração.

 

“Acho que esse negócio de gostar ou não gostar... isso, francamente, é um recibo de ignorância — sobretudo das pessoas mais velhas. Porque, veja, imagine: eu sempre dou meu exemplo, porque é da minha vivência. Eu tenho três filhos. Vou levá-los para um concerto no final de semana, na UFMT. Ok. Mas o que nós vamos assistir? Wagner? Três horas de Wagner? Não vai dar. Aída, de Verdi? Também não.”

 

“Como é que se faz um bom approach para o jovem? Até isso, o professor precisa ser treinado. Aliás, o professor precisa ler. E, olha, isso aqui seria um programa legal: dar livros para os professores. O Estado deveria montar um kit com 40, 50 livros e entregar a cada professor de Língua Portuguesa e Redação”, sugere.

 

Mahon também chama atenção para a falta de infraestrutura literária nas cidades do interior, o que limita o acesso dos jovens aos livros.

 

“Você sabe que nas cidades de Mato Grosso não tem livrarias. Não existe livraria. Existe livraria na capital. Mas no interior, não há uma cidade que tenha uma livraria voltada ao consumo de livros. Então, assim, é muito ruim. Por outro lado, a nossa recepção — a forma como os jovens respondem quando têm acesso — é maravilhosa.”

 

 

Falta de acesso e dificuldades do mercado editorial

 

Com mais de três décadas atuando no mercado editorial mato-grossense, Carlini aponta que uma das maiores dificuldades enfrentadas por quem trabalha com literatura no Estado é o reconhecimento profissional, que envolve toda a cadeia de produção do livro.

 

“Eu acho que a maior dificuldade é o reconhecimento. É o reconhecimento de um trabalho árduo, que não é só da editora, mas de um conjunto de pessoas: escritores, pesquisadores, professores, editores, capistas, diagramadores, artistas plásticos, ilustradores... É uma coisa grande, né? E isso, pra mim, é o mais difícil”.

 

Carlini também revela a realidade financeira do setor, especialmente para os que vivem exclusivamente da produção de livros.

Victor Ostetti/MidiaNews

Ramon Carlini

Editor Ramon Carlini

 

“Eu faço por paixão. Mas, dependendo disso pra viver e eu não tenho outra profissão, outra fonte de renda, vivo exclusivamente do meu trabalho na editora, com livros. E 95% dos autores com quem trabalho são de Mato Grosso. É isso que a gente faz”.

 

Alto custo de produção e livros engavetados

 

Apesar da demanda por obras locais, Carlini explica que o alto custo de produção dificulta o lançamento de novos títulos, que muitas vezes acabam “engavetados” por falta de recursos para impressão.

 

“Investir em um livro não é barato. Fazer um livro demanda um investimento que não é pouca coisa. É caro. E a gente fica sempre esperando a oportunidade de vender aquele título em que investimos muito. Eu te digo: 80% dos livros que a gente publica não dão retorno. A gente fica esperando. Poderíamos editar muito mais. Tem muita gente escrevendo, tem muito original engavetado”.

 

Esse alto custo também se reflete no preço final nas livrarias, o que afasta parte significativa do público.

 

“É até deprimente o que vou dizer: infelizmente, livro no Brasil é pra elite, é pra quem tem dinheiro. Porque é muito caro. E olha que eu sou editor, eu produzo livros — eu vejo isso de dentro. O que a gente precisa é que esses livros sejam distribuídos em maior quantidade, para que o preço caia e isso chegue às escolas, às bibliotecas. Acesso e interesse andam juntos”.

 

Para Carlini, uma forma de reverter esse cenário seria a aquisição e distribuição de livros regionais por parte do poder público, principalmente em espaços como bibliotecas estaduais e municipais.

 

Segundo o editor, isso permitiria tanto a democratização do acesso à leitura quanto o aquecimento da economia local, atualmente dependente de editais para impressão e reimpressão de obras.

 

“A sensação que a gente tem é que o livro está sempre em segundo, terceiro, quarto plano nos editais. É sempre a menor verba. Se você fizer uma análise, verá que em quase todos os editais o menor valor destinado é para o livro. Isso precisa mudar. É preciso incentivar a publicação de novos títulos, de novos autores.”

 

Entre no grupo do MidiaNews no WhatsApp e receba notícias em tempo real (CLIQUE AQUI).




Clique aqui e faça seu comentário


COMENTÁRIOS
0 Comentário(s).

COMENTE
Nome:
E-Mail:
Dados opcionais:
Comentário:
Marque "Não sou um robô:"
ATENÇÃO: Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. Comentários ofensivos, que violem a lei ou o direito de terceiros, serão vetados pelo moderador.

FECHAR

Preencha o formulário e seja o primeiro a comentar esta notícia