Cuiabá, Terça-Feira, 23 de Setembro de 2025
VÍTIMA DE ACIDENTE
03.10.2021 | 08h19 Tamanho do texto A- A+

Jovem se torna fisioterapeuta de amputados após perder a perna

Jéssica Araújo hoje também é modelo e figura de representatividade para pacientes

Arquivo Pessoal

Jéssica Araújo é especialista na reabilitação de amputados em ortopedia técnica

Jéssica Araújo é especialista na reabilitação de amputados em ortopedia técnica

VITÓRIA GOMES
DA REDAÇÃO

Após perder a perna aos 12 anos, a cuiabana Jéssica Araújo Reolon usou sua paixão pela área da saúde e a experiência de sua própria recuperação para se formar em fisioterapia e reabilitar outros pacientes que tiveram membros amputados.

 

Desde pequena a profissional almejava poder cuidar das pessoas, mas não esperava que um incidente trágico em sua vida pudesse alterar sua forma de enxergar o mundo.

 

Jéssica conta que precisou amputar sua perna após sofrer um acidente de carro em 2007. Na época estavam ela, a irmã, o pai, a madrasta e um colega do casal dentro de uma caminhonete que seguia para Nova Mutum, interior de Mato Grosso.

 

Fiquei esperando o socorro no local do acidente, porque eu já não sentia mais o meu pé e não conseguia andar e nesse tempo já sabia que meu pai havia morrido ali na minha frente

A viagem era uma tradição entre o pai e as filhas de ir visitar a família paterna todo início ou fim de ano. Foi durante este trajeto que o carro da família bateu em um poste de energia na estrada.

 

Surpreendentemente, como conta a fisioterapeuta, o impacto não causou nenhum ferimento aos ocupantes do carro. Foi ao descer do veículo que a família se surpreendeu ao ser atingida por uma forte descarga elétrica após um fio de alta tensão ter se rompido durante o acidente. O pai de Jéssica e o colega da família morreram na hora.

 

“Fiquei esperando o socorro no local do acidente, porque eu já não sentia mais o meu pé e não conseguia andar e nesse tempo já sabia que meu pai havia morrido ali na minha frente”, relembra.

 

Como estavam em uma zona rural, a irmã de Jéssica precisou caminhar cerca de dois quilômetros até conseguir encontrar ajuda. O resgate levou as vítimas sobreviventes até o hospital em Nova Mutum e desde então Jéssica iniciou uma nova batalha.

 

Processo de cura

 

Após ser transferida para o Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) de Cuiabá, Jéssica logo recebeu a notícia de um ortopedista informando que precisaria amputar a perna esquerda.

 

Segundo o médico, o choque elétrico que ela recebeu foi tão forte que debilitou totalmente seu membro inferior, tirando sua sensibilidade e iniciando o processo de necrose em algumas partes. Apesar do choque, a fisioterapeuta lembra que a notícia não a abalou tanto no início, pois ela ainda lidava com dor da perda precoce do pai.

 

Arquivo Pessoal

Jéssica Araújo Reolon

Jéssica também trabalha como modelo e é inspiração para pacientes

Ao todo Jéssica precisou ficar internada três meses em tratamento após a amputação, mas o tempo no hospital se estendeu por um longo período durante seu processo de adaptação e reabilitação à falta de uma perna.

 

O apoio da família foi fundamental, ela conta. No entanto, a profissional não esconde como o processo de recuperação física foi difícil, principalmente por ser uma jovem no início da adolescência, a luta com autoimagem foi um dos grandes obstáculos de Jéssica.

 

“Você tem que lidar com a dificuldade de olhar para o seu corpo e não reconhecê-lo. Tive que reaprender a me aceitar daquela maneira, e entender que a vida não tinha acabado porque perdi uma perna”, conta.

 

Classificando aquela etapa de sua vida como um processo de transformação e cura, Jéssica relata que cada mínima vitória no tratamento era como uma injeção de força em sua autoconfiança. Não foi surpresa para a família quando a jovem recuperou sua total independência e voltou a viver com a alegria de quem recebeu uma nova chance de ser feliz.

 

A escolha da profissão

 

Por mais que se diga recuperada psicologicamente do fato de ter presenciado a morte do pai e, ao mesmo tempo, perder um membro tão jovem, Jéssica não esconde que o tempo que passou internada e frequentando o hospital para o seu tratamento deixou um trauma.

 

Antes do acidente, sempre foi muito claro que a profissional seguiria uma carreira na saúde, porém, ela conta que sua confiança ficou abalada após sua experiência. Isto porque Jéssica odiava fazer fisioterapia e precisar frequentar o hospital, por isso, ela começou a se questionar “será que eu iria conseguir trabalhar com isso?”.

 

Se eu não tivesse passado por nada disso, não estaria onde estou hoje, não trabalharia com quem eu trabalho e não ajudaria pessoas que passam pelo mesmo que passei. Eu não estaria transformando realidades

O medo que a faculdade de fisioterapia a fizesse relembrar do triste episódio no passado foi um empecilho por muito tempo, mas, mesmo assim, ela decidiu arriscar e se matriculou na Universidade de Cuiabá (Unic). Já na primeira aula Jéssica entendeu que aquele era seu propósito.

 

Lá ela recebeu aula da fisioterapeuta que acompanhou seu tratamento e teve todo o suporte necessário para concluir o curso e ingressar em uma carreira de sucesso. Após se formar em 2019, Jéssica partiu para trabalhar em São Paulo e hoje atua na reabilitação com prótese de pessoas com membros amputados.

 

“Se eu não tivesse passado por nada disso, não estaria onde estou hoje, não trabalharia com quem eu trabalho e não ajudaria pessoas que passam pelo mesmo que passei. Eu não estaria transformando realidades”, diz.

 

O poder da representatividade

 

Além de uma profissional requisitada, Jéssica tornou-se uma inspiração para os seus pacientes. A fisioterapeuta explica que a perda de um membro nunca é algo fácil de lidar e, na maioria dos casos, as pessoas chegam com o emocional abatido.

 

A profissional afirma que uma amputação afeta a autoestima, os relacionamentos, a autoconfiança e as finanças tudo ao mesmo tempo e é parte do tratamento devolver todas estas perdas para que o paciente possa voltar a viver plenamente.

 

Segundo ela, ver a própria fisioterapeuta amputada é como uma confirmação de que é possível viver sem restrições e sem medos, mesmo sem um membro.

 

Muito mais do que uma fisioterapeuta, Jéssica se tornou, literalmente, uma modelo que usa sua imagem para guiar e representar essas pessoas que muitas vezes são silenciadas e escondidas na sociedade.

 

Consciente do preconceito que ainda existe e que já afetou seu cotidiano com olhares atravessados e comentários infelizes. A profissional diz que hoje não sente mais vergonha de suas próteses, mas sim, as exibe com orgulho.

 

“É preciso que as pessoas olhem mais para os deficientes, mas não com o olhar de dó, eu quero que as pessoas vejam com um olhar de oportunidade, que a sociedade abra mais espaço, dê mais voz a nós”, finaliza. 

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Jéssica Araújo Reolon

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Cristina  04.10.21 12h48
Lindo o seu depoimento, que Deus possa abençoar a sua jornada ajudando estas pessoas que tem membros apurados,tbm sou estudante de fisioterapia e achei muito bacana sua história de vida.
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