CAROLINA HOLLAND
DA REDAÇÃO
Eles são jovens, namoram, estudam, trabalham, têm sonhos e objetivos de vida. E são assumidamente gays. Mesmo que isso incomode muita gente. Lidam com preconceitos e tabus, mas garantem que o amor que sentem é o mesmo dos heterossexuais.
Mas, o processo de aceitação da própria orientação sexual nem sempre é fácil e rápido. Os motivos são vários: tabus da sociedade, religião, vergonha da família, preconceito. Não raro, homossexuais engatam namoros com pessoas do sexo oposto, mas depois, sufocados pela própria natureza, acabam assumindo para si que são gays.
“No meu caso, foi muito tempo até eu me aceitar [em 2010]. Sempre guardei isso, com medo de encarar tudo, encarar a família, o trabalho. Pra mim, foi difícil essa aceitação própria, mas depois que ela se deu, tudo aconteceu rápida e naturalmente”, afirma o arquiteto e urbanista Mateus Hidalgo, de 26 anos.Ele namora há dois e quatro meses o fotógrafo e estudante de publicidade e propaganda Diego Gonçalves, de 24 anos.
Assumir para si que era lésbica também não foi nada fácil para Laura Gabriela Moraes, de 26 anos. Ela conta que depois que beijou uma menina pela primeira vez, aos 16 anos, chegou em casa e foi correndo escovar os dentes.
“Eu fiquei com muito nojo de mim e dela. Tive um conflito bem grande porque eu fui criada na Igreja Católica. Sempre fui muito católica. E, depois que eu me descobri lésbica, pensei que tinha alguma coisa errada”, conta ela, que namora a também estudante de educação física Luciana Midori, de 22 anos.
Aceitar que era gay ocorreu na adolescência de Diego Gonçalves, de 24 anos;
“Desde minha infância me sentia diferente dos outros meninos. Tive a confirmação de que era gay e me assumi pra mim mesmo aos 15 anos. Acho que fui precoce, mas sentia que era a hora certa de me livrar do peso de esconder por trás de uma pessoa que eu não queria ser”, conta Diego.

"Em geral, andamos na rua, shopping, de mãos dadas, nos abraçamos, beijamos"
Luciana nem se lembra de quando despertou a vontade de ficar com uma mulher. “Mas achava que era diferente das minhas amigas, que sempre estavam ficando com alguém”.
Relacionamentos héteros
O que Diego, Mateus, Laura e Luciana têm em comum? Todos tiveram relacionamentos heterossexuais durante a adolescência.
“Mas não deu muito certo, mesmo se aproximando de quem eu achava interessante e realmente gostava. Nunca tive facilidade para me relacionar, e menos ainda para ficar ou ter algo casual e rápido”, afirma Mateus.
No caso da Laura, ela terminou o namoro de seis meses com um rapaz para ficar com outra adolescente.
“O engraçado é que quando ela começou a dar em cima de mim, eu tive uma reação super homofóbica, xinguei a menina. Mas, dois meses depois, larguei o namorado para ficar com ela”, assume a estudante.
Diego também relata que se sentia incomodado por gostar de meninos e meninas durante a adolescência. Ele chegou a se relacionar com uma adolescente, mas define o período como “uma fase confusa”. E diz que, hoje, os dois são amigos.
A família teve influência no relacionamento heterossexual de Luciana.
“Não deu certo. Acho que foi mais por causa da minha família, que gosta muito dele, e também éramos amigos”.
Carinho em público
A sociedade costuma aceitar os gestos de carinho entre casais heterossexuais, mas ainda vê com ressalva as demonstrações de afeto entre pessoas do mesmo sexo. Apesar disso, os personagens dessa matéria afirmam que não se deixam intimidar por isso.
“Nós saímos de mãos dadas. Vivemos a vida naturalmente porque não tem o que ficar escondendo. Quando a gente anda na rua, percebe que as pessoas olham. Mas ninguém nunca veio falar coisas ruins. Pelo contrário: quando alguém fala alguma coisa, diz ‘nossa, como você duas são bonitinhas juntas, combinam, parecem que se gostam pra caramba’”, diz.
Já Mateus conta que costuma trocar carinhos com o namorado em público como qualquer casal, mas admite que às vezes, dependendo do lugar, fica com receio de fazer isso.
Arquivo pessoal
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Luciana e Laura: relacionamento começou na faculdade
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“Mas, em geral, andamos na rua, shopping, de mãos dadas, nos abraçamos, beijamos”, conta. Os dois não costumam se importar para o que as pessoas fazem nessas situações.
“Elas reagem de várias formas, com espanto, admiração e fazem até cara feia, mas não ligamos muito pra essas reações”, afirma Diego.
No entanto, pelo menos duas vezes as reações foram surpreendentes - eles foram parados na rua para serem cumprimentados pela coragem de se assumirem publicamente.
Família
A reação na família de Laura foi relativamente tranquila. A mãe, ela conta, sempre soube que uma das irmãs da estudante, a do meio, era lésbica.
“E de mim achava que era diferente, mas não tinha certeza. Dizia: ‘ah filha, isso é temporal, tem lésbica na novela [Mulheres Apaixonadas]. Isso é modinha'”, relata.
Entretanto, quando se convenceu de que não era algo passageiro, ela reagiu bem.
“A primeira coisa que ela disse foi: olha, filha, eu te amo do jeito que você é. Não importa o resto, eu te amo e pronto”, diz Laura.
Já o pai, separado da mãe, apenas aceita a situação. Assim como a família da namorada Luciana. “A família dela é um pouco mais tradicional. Eles sabem, mas não gostam muito da situação. Respeitam”, explica Laura.
A reação da família de Mateus foi bastante positiva.
“No meu caso foi de bastante apoio, mais do que eu esperava e imaginava que teria. A relação hoje é como antes, ou até melhor, mais transparente e com cumplicidade”, diz Mateus.
Diego considera que a união com a família aumentou com o passar dos anos e que eles construíram uma relação bastante aberta.
“Minha relação com meus pais sempre foi boa. Claro que hoje somos mais unidos, nunca escondo nada deles, sempre sinceros uns com os outros. E eles se dão muito bem com o Mateus, é o único que eles aprovaram”, diz.
Porém, nem sempre a família entende, o que dificulta o relacionamento entre as partes – e, muitas vezes, impedem a entrada dos parceiros dos filhos em casa.
“Foi muito difícil assumir para minha mãe que gosto de mulher. Ela disse que não era contra mim. Porém, nunca aceitou meu namoro com a Laura, que não pode frequentar minha casa, isso me dói muito. Sou uma pessoa muito fechada e não tenho abertura para dizer com ninguém em casa sobre meu relacionamento”, revela.
Preconceito
Os relacionamentos homossexuais podem até ser um pouco mais aceitos em 2013 do que há algumas décadas, mas ainda estão longe das amarras do preconceito. E os casais gays são alvos fáceis e constantes da intolerância alheia.
“Já ouvi muita ofensa, alguns 'amigos' se afastaram, diversas outras situações tristes aconteceram, geralmente o preconceito vem acompanhado de repetidos olhares maldosos”, afirma Diego.
Acostumado a esses olhares, Mateus conta que tenta viver a vida de forma normal, justamente porque não há nenhuma anormalidade. “Nunca sofri agressão ou preconceito mais grave”.
Mas nem sempre é fácil lidar com certas situações. “Alguns insistem em mostrar sua ignorância com gritinhos tipo ‘ui’, ‘ai’. Na maioria das vezes não ligamos muito, mas tem dias que incomoda muito”, admite Diego.
Laura, ao se sentir ofendida, preferiu as vias legais. “Preconceito eu sofri uma vez. Foi com uma pessoa da família e as coisas legais foram feitas: entramos com um processo”.
Para Luciana, o preconceito também veio de familiares. “É algo que só sofro em casa. Por parte dos meus amigos, nenhum foi contra o que eu dizia a eles. pelo contrário, sempre me apoiaram nas minhas decisões e é com eles que converso sobre meu relacionamento”.
Homofobia, agressão e amor
Os casos de violência contra os homossexuais no Brasil costumam ocorrer com casais formados por homens. As mulheres também são discriminadas, mas a agressão física, na maioria das vezes, ocorre com eles. Para Mateus, Diego e Laura, a explicação está no machismo da sociedade.

"Alguns insistem em mostrar sua ignorância com gritinhos tipo ‘ui’, ‘ai’. Na maioria das vezes não ligamos muito, mas tem dias que incomoda muito"
“As reações agressivas, em grande maioria, são contra casais de homens, pois a sociedade ainda é machista e conservadora. Ver um casal de mulheres se amando é um tanto prazeroso, já dois homens é visto como revoltante, errado”, diz Diego.
Laura concorda. “A gente vive numa sociedade machista, patriarcal, e deve ser muito complicado pra eles. Conheço um casal, mas não andam de mãos dadas, são mais discretos, não tem muito trejeitos”.
Mateus aponta que, para um homem, é o ‘fim do mundo’ ser chamado de mulher e, mesmo entre os gays, quem é visto como efeminado ou passivo sofre mais preconceito que os outros.
“Não quero dizer que não há preconceito com mulheres homossexuais. Em Cuiabá mesmo já houve casos com colegas e conhecidas, mas muitas vezes com os homens o preconceito evolui para a agressão mais facilmente”, raciocina.
A sociedade é machista e não aceita de jeito nenhum um relacionamento entre homens, opina Luciana. “E percebo que as mulheres são um pouco mais conservadoras, mesmo querendo mostrar seus direitos”.
O desejo de poder agir como qualquer outro casal é comum a todos eles. “Afinal somos seres humanos, a única coisa que nos difere é algo tão efêmero, que deveria ser efêmero na verdade, que é a orientação [sexual]”, diz Diego.
E o amor que encheu o coração deles é o mesmo que os dos casais heterossexuais, afirmam.
“Espero que o mundo um dia compreenda que o amor é um sentimento que não traz nenhum mal. Ao contrário, só gera o bem. Independentemente de quem se ama, o que importa é amor. O amor gay é tão lindo e verdadeiro quanto o hétero. A Lu é, com toda a certeza o amor mais bonito e forte que já senti, e quero construir minha família ao lado dela”, declara-se Laura.