MAYLA MIRANDA
ESPECIAL PARA O MIDIANEWS
Hoje considerado um dos endereços mais caros da cidade, a Praça Popular nasceu em um bairro bastante simples. Foi neste local que o governo construiu o primeiro conjunto habitacional popular da cidade.
De acordo com o historiador Aníbal Alencastro – que participou de toda a história da região –, o local foi escolhido para a construção do primeiro conjunto habitacional de Cuiabá por estar localizado próximo ao 44º Batalhão do Exército e à Escola Estadual Liceu Cuiabano.
Com diversos bares, restaurantes e entretenimento, a praça mais conhecida da cidade como ponto de diversão elitizada já apresentava, desde cedo, vocação natural à vida noturna.
O historiador conta que, nos anos 60, com a Jovem Guarda no auge, a juventude se reunia na praça para realizar encontros e fazer bailinhos (festas para jovens).
“Eu me lembro bem: eu e meus amigos trazíamos o som com as nossas vitrolas portáteis e as meninas preparavam os ponches (bebida de champanhe com frutas). Isso tudo era ótimo para encontrar namorada”, relembrou .
Já naquela época, a Praça Popular era ponto de encontro e tinha a vida noturna agitada.
Jefferson Eduardo/MidiaNews
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Aníbal Alencastro: região da Praça Popular passou de conjunto habitacional para um dos pontos mais valorizados da Capital
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“Nós fazíamos o bambolê (volta de carro na praça) e muita serenata. Eu e meus amigos amanhecíamos na praça e depois chegávamos em casa já de manhã. Meu pai ficava bastante bravo, mas compreendia que era coisa da juventude”, recordou o historiador.
Para os que não tinham carro, Alencastro que os motoristas de praça (hoje os taxistas) já conheciam os jovens pelo nome, os levavam em casa e depois recebiam dos pais.
“Bom, parece até fantasia dizer isso, mas naquele tempo não tínhamos problema com a violência, tudo era muito tranquilo. Mas aqui era conhecido mesmo pelas menininhas bonitas”, disse, entre risos.
HistóriaSegundo Alencastro, quando de seu início, a região concentrava um conjunto habitacional feito por Eurico Gaspar Dutra e possuía poucos atrativos, sendo destinada aos funcionários públicos.
“O projeto da praça e do conjunto habitacional foi feito por Eurico Gaspar Dutra. Na época só existia a parte da Igreja Boa Morte. Já mais para cima não tinha nada, era tudo cerrado. Foi na gestão do (presidente) Getúlio Vargas, com o Estado Novo, que nomeou-se o interventor Júlio Muller com o objetivo de investir na parte urbana da cidade”, disse.
Na ocasião, todas as residências construídas na parte mais "afastada" da cidade eram destinadas aos funcionários públicos e foram doadas pelo governo.
“Eu me lembro que em 1951 meu pai, que era funcionário dos Correios, recebeu uma casa aqui e nós saímos a pé do Centro até chegar aqui (na Praça Popular), e meu pai achou a casa muito pequenininha", relembrou.

"Quem poderia imaginar que aqui nós teríamos só pessoas abastadas por aqui. Nessa rua só tinha gente pobre, só tinha motorista de praça"
"Nós, cuiabanos, não estávamos acostumamos com este tipo de habitação. Eu lembro que ele disse para minha mãe que uma casinha dessas não aguentaria uma rede. Então, ele não quis a casa e voltamos para nossa antiga residência”, completou, entre risos.
Algum tempo depois, já com mais residências na região, o historiador explica que houve uma revitalização da praça, deixando-a mais familiar.
Conforme Alencastro, naquela ocasião, existiam poucas ruas e toda a região da atual Praça Popular não possuía asfalto. O historiador também revela que o Goiabeiras era apenas uma rua que fazia continuação da Rua Ipiranga, e nela só residiam pessoas de baixa renda.
“Quem poderia imaginar que aqui nós teríamos só pessoas abastadas por aqui. Nessa rua só tinha gente pobre, só tinha motorista de praça. Tinha a Rua Goiabeira de cima e a de baixo. Depois, se tornou projeto das Ruas das Goiabeiras, e o nome se estendeu ao bairro”, afirmou.
Sobre a atual dinâmica da região, o historiador destaca a mudança socioeconômica da cidade.
“Com o passar dos anos, o crescimento da cidade levou os antigos moradores a comercializar as suas casas, mas foi mesmo com a invasão comercial que eles acabaram esmagados pela especulação imobiliária. São pouquíssimas famílias que ainda resistem ao tempo aqui. Os cuiabanos mesmo, de raiz, migraram para o CPA”, afirmou.
Moradores resistemNem todos cedem ao comércio intenso, vida noturna agitada e valores dos imóveis na região, que, em alguns casos, ultrapassam a casa dos milhões.
Bruno Cidade/MidiaNews
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Dona Isabel Brandão e sua filha, Maria Lúcia: moradora desde a década de 1970 da Praça Popular, ela diz que não pensa em se mudar
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Dona Isabel Brandão foi morar em frente à Praça Popular em 1974 e criou seus filhos na casa onde vive até hoje. Apesar dos filhos terem comprado um novo apartamento, ela não aceita se mudar.
“Eles falam muito, mas na verdade, as coisas aqui não me incomodam. Aqui é meu lugar, foi aqui que criei meus filhos, onde vivi meus melhores momentos. Eles insistem, mas eu não penso em me mudar”, disse.
Sua filha, Maria Lúcia Brandão defende a mudança da mãe devido aos problemas da região, que é muito agitada.
“Para entrar em casa é uma dificuldade. As pessoas não tem respeito pela nossa casa, já vi muita coisa da minha janela. Para se ter uma ideia, as pessoas jogam garrafas de cerveja em frente à nossa residência, urinam, isso sem falar nas milhares de vezes que trancam a nossa saída. Aí, quando vamos reclamar, ainda é perigoso ser destratado por algum bêbado”, disse.
Mesmo com a indignação atual, Malu (como é conhecida) não deixa de guardar as boas lembranças da casa onde nasceu.
“Eu tive uma infância maravilhosa aqui. Brincava na praça, andava de bicicleta, de patins, enfim, era uma festa só para as crianças. Acredito que tive muita sorte de crescer em um local bom e estruturado, que me proporcionou muita coisa boa. Mas, agora, tenho certeza que já é hora de mudar”, afirmou.
Já para o arquiteto e morador da região Edmilson Eidi, o momento é de reivindicação. Ele conta que, com toda a agitação da vida noturna, a Prefeitura de Cuiabá alterou os sentidos das vias em volta da praça, dificultando o trânsito de quem mora no local.
“Com essas mudanças, ficou melhor para quem visita a praça à noite e vem para os barzinhos, mas eles não pensaram nas pessoas que moram aqui, que passam os dias dependendo da região. Para nós, tudo ficou mais complicado”, afirmou.
O arquiteto foi uns dos primeiros a investir comercialmente na região. Ele conta que, quando levou seu escritório para a frente da praça, muitas pessoas não acreditavam no sucesso do local.
“Fui questionado muitas vezes sobre a minha vinda para cá, principalmente porque aqui as ruas eram todas de terra, mas fiz a aposta certa. Mas, apesar de todo o sucesso de região, parece que os gestores não entendem a vida diurna local”, lamentou.
Bruno Cidade/MidiaNews
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Praça Eurico Gaspar Dutra: parquinhos e ruas sem asfalto deram lugar à famosa "Praça Popular"
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Vida diurna x vida noturna Em uma pequena volta na Praça Popular é possível perceber a grande variedade de estabelecimentos comerciais em um pequeno espaço.
Lojas de roupa, calçados, presentes, sorveteria, restaurantes, barzinhos, padarias e uma infinidade de opções em menos de um quilometro da região.
Para o empresário Alex Paraná, esta diversificação faz toda a diferença para os frequentadores da região.
“Eu gosto dessa variedade de lugares de lazer que chama atenção na praça. O mais importante para mim é a qualidade das empresas que se estabeleceram na região. Com a concentração de bons produtos, fica mais fácil escolher onde você vai. Quando estou na dúvida, venho para a Praça Popular, porque sei que não tem erro”, disse ele, lembrando ainda que frequenta a praça de dia e à noite, nas horas vagas.
A dentista Theresa Prado conta que frequenta a região há muito tempo e que viu bem de perto as mudanças do local.
“Eu vinha aqui com as minhas amigas na época que tinha sarau uma vez por semana, e aqui era muito lotado”, afirmou.
Para ela, a vida noturna na Praça Popular supriu a necessidade dos cuiabanos de ter um local mais estruturado para o lazer.
Jefferson Eduardo/MidiaNews
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Frequentador assíduo da praça, Alex Paraná diz que gosta do local pela "qualidade das empresas que se estabeleceram na região"
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“A Praça é um sucesso também porque temos poucas opções de qualidade na cidade, e aqui tem muito o que fazer", disse.
Investimento e visão de futuroPara o empresário Carlos Eduardo Mendes, o atual formato de bares da Praça Popular levou em conta, em parte, a sua visão de mercado. Ele atribui as mudanças ao seu investimento inicial.
“Eu sempre quis ter um bar. Lembro-me que, na época, tinha um amigo que estava vendendo um bar na Praça Popular, então convenci outros dois amigos meus a comprarem o empreendimento comigo. Quando começamos, não tinha quase nada aqui”, ressaltou.
Conhecido como Cadu, ele atualmente é sócio dos empreendimentos Ditado Popular, Jimi Jim, Grand Toro e dois estacionamentos.
“As pessoas acreditam que só por estar na Praça Popular vai ter sucesso, mas, na verdade, já vi muitos bares abrirem aqui com grande estrutura e fecharem rapidamente. Na verdade, um bar é um negócio que dá muito trabalho, não pode ser tratado como aventura”, afirmou.
O empresário ainda revela que largou o funcionalismo público para se dedicar integralmente aos negócios.
“Nós estamos muito felizes com os resultados. Sabemos que aqui se tornou uma região de sucesso, muito por conta do nosso trabalho e também pelo trabalho de outros empresários de sucesso e competentes que ficaram nesta região. Acredito também que Cuiabá precisa muito de lugares como esse”, avaliou.