LISLAINE DOS ANJOS
DA REDAÇÃO
A boa remuneração e os benefícios oferecidos pelo programa federal “Mais Médicos” não foram suficientes para atrair os profissionais da área a atuarem nas regiões mais carentes do país.
Em Mato Grosso, da demanda de 223 médicos feita pelos 81 municípios que se inscreveram no programa, apenas seis vagas foram preenchidas – sendo que quatro delas são para atuação na Grande Cuiabá.
Em todo o país, o cenário foi o mesmo. Das 15.460 vagas abertas em 3.511 cidades que aderiram ao “Mais Médicos”, apenas 938 foram preenchidas, o que corresponde a 6% do total – sendo que, dentre esses municípios, 2 mil cidades não tiveram interesse algum por parte dos profissionais que se candidataram ao programa.
Segundo o ministério, os brasileiros selecionados optaram por apenas 404 cidades – do interior do país e de periferias de grandes centros urbanos.
No Estado, dois médicos foram selecionados para atuar em Comodoro (656 km a Oeste da Capital); um em Cuiabá; dois no Distrito Sanitário Indígena da Capital; e um em Várzea Grande.
Outros municípios que se inscreveram no programa e que foram apontados como prioritários pelo Ministério da Saúde, por estarem situados em regiões mato-grossenses de maior vulnerabilidade social, não receberam nenhum médico até o momento.
Figuram na lista, além da Capital e de Várzea Grande, os municípios de Alto Boa Vista, Cáceres, Campinápolis, Colniza, Cotriguaçu, Gaúcha do Norte, Poconé, Porto Espiridião, Porto Estrela, Santo Antônio do Leverger e Vila Bela da Santíssima Trindade.

"Trata-se de um boicote claro das entidades [medidas] ao programa. Não podemos fechar aos olhos para esse problema muito grave de ética na vida cotidiana"
De acordo com o Ministério da Saúde, os médicos selecionados devem começar a atuar como clínicos gerais em setembro, em postos e unidades básicas de saúde.
“Boicote”O presidente da Frente Nacional dos Prefeitos, José Fortunati (Porto Alegre- RS) criticou, na terça-feira (6), a baixa adesão dos profissionais e insinuou que a categoria estaria se preocupando apenas em “boicotar” o programa federal.
“Trata-se de um boicote claro das entidades [medidas] ao programa. Não podemos fechar os olhos para esse problema muito grave de ética na vida cotidiana”, disse.
A presidente do Conselho Regional de Medicina de Mato Grosso (CRM-MT), Dalva Neves, negou as acusações.
Segundo ela, fatores como falta de infraestrutura e problemas no site do Governo Federal são os responsáveis pelo alto número de médicos que se candidataram, mas não concluíram as inscrições no programa.
“Não é um boicote. Em primeiro lugar, as regiões não têm infraestrutura para que os médicos possam atuar nos municípios. Além disso, recebi diversas ligações de médicos que reclamam do site do programa. Eles não estão conseguindo anexar arquivos ou concluírem as inscrições porque o site não aceita acentuações, por exemplo. Isso apenas demonstra a incompetência do Governo Federal”, afirmou, em entrevista ao
MidiaNews.
Neves ainda ressaltou que alguns profissionais se sentiram desestimulados pelo fato de se candidatarem para vagas em um determinado município e, na hora de confirmar a inscrição, perceberem que foram alocados pelo programa para outra cidade.

"Não é um boicote. Em primeiro lugar, as regiões não tem infraestrutura para que os médicos possam atuar nos municípios"
“Isso fez com que alguns desistissem de continuar no programa”, disse.
A presidente do CRM-MT ainda acusou prefeitos de municípios onde não há problema de déficit de médicos – citando a região do Médio Araguaia – de estarem se candidatando ao programa, com interesse em economizar os gastos municipais com a área de Saúde.
“Recebi um e-mail denunciando que as vagas para médicos em alguns municípios estão totalmente preenchidas, mas os prefeitos querem a vinda de médicos pelo programa federal para demitir todos os que hoje estão contratados pelo Município, para economizarem, já que quem pagará o salário desses profissionais será o Governo Federal”, afirmou.
Inscrições abertasDurante coletiva realizada na terça-feira, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que o Governo Federal decidiu manter as inscrições abertas para os médicos brasileiros e estrangeiros que ainda queiram confirmar sua adesão ao programa.
Há 1.920 candidatos com registro profissional de 61 países que demonstraram interesse, inicialmente, em participar do programa, mas que precisam confirmar sua vaga até à meia-noite de quinta-feira (8).
Eles poderão optar pelas vagas que foram dispensadas pelos profissionais com registros emitidos no Brasil. A relação dos estrangeiros que serão contratados será publicada em 13 de agosto.
Além de salário de R$ 10 mil sem desconto – que pode chegar a R$ 30 mil nos municípios da região amazônica –, os profissionais que participam do “Mais Médicos” ganharão ajuda de custo e, no caso dos médicos brasileiros, não atuarão com contrato exclusivo.
“Dia 8 à meia-noite nós teremos o resultado final de participação dos médicos estrangeiros e nós, nos próximos meses de seleção do programa, iremos buscar todas as estratégias possíveis para trazer médicos para essa população”, disse.
Mary Juruna/MidiaNews
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Presidente do CRM-MT, Dalva Neves, nega "boicote" por parte da categoria
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NecessidadeUm diagnóstico feito pelo Governo Federal apontou que a situação no país é crítica: 22 estados estão abaixo da média nacional em termos de números de médicos, sendo que cinco deles têm menos de um médico para cada grupo de mil habitantes.
Municípios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) abaixo de 0,5, porém, não receberão médicos pelo programa.
A presidente do CRM-MT já se manifestou contra o programa, afirmando que no Estado não faltam médicos, e sim, redistribuição dos profissionais.
“Na ativa, temos 4.023, do qual 50% estão concentrados em Cuiabá e Várzea Grande. Não faltam médicos, falta uma distribuição melhor. O número de profissionais que a gente tem no país é suficiente”, disse.
Para tanto, ela defende maiores investimentos na saúde pública, por parte do governo, que deem condições aos médicos de atuarem em regiões mais distantes.
InvestimentosAlém de ampliar o quadro de funcionários para atendimento da população que depende do SUS, o programa prevê investimentos em infraestrutura nas unidades de saúde e hospitais dos municípios cadastrados que deverão ser realizados pelas prefeituras com recursos disponibilizados pelo Governo Federal.
Em todo o país, o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação estão investindo R$ 15 bilhões até 2014 na infraestrutura da rede pública de Saúde. Deste montante, R$ 7,4 bilhões já estão contratados para construção de 818 hospitais, 601 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h) e de 16 mil unidades básicas.
Outros R$ 5,5 bilhões serão usados na construção, reforma e ampliação de unidades básicas e UPAs, além de R$ 2 bilhões para 14 hospitais universitários.
Somente em Mato Grosso, já foram investidos R$ 51,5 milhões para obras em 382 unidades de saúde e R$ 16,4 milhões para compra de equipamentos para 97 unidades. Também foram aplicados R$ 30,9 milhões para construção de 17 UPAs no Estado e R$ 14,8 milhões para reforma ou construção de 20 hospitais.
O programa ainda prevê o aumento das oportunidades de formação médica no país, com a criação de 11,5 mil novas vagas nos cursos de Medicina e 12 mil vagas de residência em todo o Brasil.