Cuiabá, Quarta-Feira, 16 de Julho de 2025
GASTRONOMIA
13.10.2019 | 08h25 Tamanho do texto A- A+

"Restaurantes que não inovarem estão fadados ao fracasso"

Público está mais exigente e em busca de novas experiências, avalia professor de Gastronomia

MidiaNews

O professor de gastronomia, João Carlos Caldeira, faz um alerta ao processo de

O professor de gastronomia, João Carlos Caldeira, faz um alerta ao processo de "gourmetização"

BIANCA FUJIMORI
DA REDAÇÃO

Vender experiências e não apenas comida. O professor de Gastronomia João Carlos Caldeira, que dá aulas em duas universidades de Cuiabá, avalia que os novos tempos exigem dos restaurantes de Cuiabá uma atenção muito maior na inovação.

 

Para o especialista, que também é economista e comunicador social, o público tem ficado cada vez mais exigente e busca por inovações ao comer fora de casa.

 

Com as plataformas de delivery, como Ifood e UberEats, os consumidores estão preferindo sair de casa cada vez menos e os proprietários devem se inserir nesse processo.

 

“As pessoas, para saírem de casa, para irem ao restaurante, não querem só comer, elas querem uma vivência, elas querem uma experiência. E essa experiência envolve atendimento, música, decoração, ser bem atendido, espaço e a comida”, explica Caldeira.

 

Os empresários precisam ficar atentos às demandas do público para que não fecharem as portas, segundo o profissional.

 

Outro fator que pode influenciar é o alto custo de uma refeição em tempos de crise.

 

“Houve uma onda grande de ‘gourmetização’ e em nome disso se acha que pode cobrar R$ 80, R$ 90, em um prato. [...] Mas os restaurantes precisam estar preocupados com isso e oferecer opções, combos e valores diferenciados. E também pensar no público dele que está saindo menos e pretendendo gastar menos quando vai ao restaurante”, alerta.

  

Confira os principais trechos da entrevista:

  

MidiaNews - Há cerca de dois anos, em entrevista ao MidiaNews, o senhor disse que a gastronomia cuiabana havia evoluído, mas o serviço ainda era ruim. De lá para cá, mudou alguma coisa?

 

João Carlos Caldeira - Infelizmente é a maior parte das queixas ainda. Se você pega as rede sociais, a página “Onde não ir em Cuiabá”, a maior parte das queixas ainda é atendimento. Evoluiu sim porque as faculdades de Gastronomia como Senac, Univag, Unic, estão formando turmas que estão aperfeiçoando um pouco os serviços. Mas o público fica cada vez mais exigente porque tem acesso a tudo, a internet, a viagens. Hoje ainda é o maior problema dos restaurantes a questão do atendimento, que pode ser melhorado.

 

Não é só em Cuiabá, não é um problema exclusivo daqui. A gente não pode dizer que em Cuiabá, especificamente, tem mais problemas com serviços. A gente que viaja o Brasil todo vê que é uma das principais queixas. As pessoas, cada vez mais, estão preocupadas com isso. Os restaurantes estão fazendo programas de estágio para aprender bem.

 

MidiaNews - Qual a situação do mercado gastronômico em Cuiabá neste momento?

 

João Carlos Caldeira - Como em vários outros setores, a gastronomia não é uma bolha então estamos sentindo o reflexo do que está acontecendo no mundo hoje. A maior locadora de carros do planeta não tem um carro, que é a Uber. Hoje, a maior rede de hospedagem do mundo não tem um quarto de hotel construído, que é o Airbnb. Então está mudando a forma como as pessoas se locomovem de carro, se hospedam, muita coisa está mudando... A comida também. Hoje as plataformas de entrega de delivery têm tomado um espaço grande. Não vão acabar os restaurantes, não. Mas as pessoas, para saírem de casa, para irem ao restaurante, não querem só comer, elas querem uma vivência, elas querem uma experiência. E essa experiência envolve atendimento, música, decoração, ser bem atendido, espaço e a comida. Porque se for só para comer, as pessoas ficam em casa, acionam o Ifood, as plataformas de delivery e comem confortavelmente em casa. A partir do momento em que elas vão em busca seja do que for, não estou falando só do restaurante caro, pode ser o espetinho de rua, mas ela quer experiência. E as pessoas, os restaurantes que não estão entendendo isso, essa mudança, então sofrendo. Aí a gente tem alguns fechamentos de alguns estabelecimentos. Eu fico muito triste com o que aconteceu com o Getúlio agora. Um restaurante icônico em um local incrível. As pessoas que não estão ligadas ao delivery, que não estão inovando no seu atendimento, que não estão oferecendo essa vivência, infelizmente estão fadadas a fracassar. Isso vai acontecer com outros, está mudando a forma das pessoas comerem.

 

Lá no Shopping Estação, você vê o Outback, o Madero, Coco Bambu com fila de espera de mais de uma hora. Tem o fator novidade, o nosso público aqui em Mato Grosso sempre foi muito novidadeiro, sempre atrás das coisas novas. Mas lá você tem uma acústica bacana, você tem um treinamento de altíssimo nível na qualificação, têm preços razoáveis, você tem música, você tem uma vivência bacana. Então as pessoas estão dispostas a irem lá de novo.

 

MidiaNews - O senhor não acha que o preço dos restaurantes também afugenta a clientela nesse momento de crise?

  

João Carlos Caldeira - Sim. Se a gente está falando que está abrindo um monte de estabelecimentos, se a gente está falando que as pessoas estão cada vez mais evitando sair de casa e, quando sai, quer uma experiência e a gente está falando de crise, sim o preço está ligado. Tanto que os restaurantes que fazem o cardápio com o almoço executivo têm grande procura. Aqueles combos e promoções têm um ótimo resultado. Houve uma onda grande de gourmetização e em nome disso se acha que pode-se cobrar R$ 80, R$ 90 em um prato.

 

Eu acho que tem que haver agora uma reversão aos poucos. Claro que todo mundo tem seus custos, claro que os preços são diferenciados e sempre vai haver público para um McDonald’s de R$ 12 e para outro que paga R$ 80 em um prato. Mas os restaurantes precisam estar preocupados com isso e oferecer opções, combos e valores diferenciados. E também pensar no público dele que está saindo menos e pretendendo gastar menos quando vai ao restaurante.

 

MidiaNews - Recentemente, o chef Hugo Rodas, do Seu Majó, afirmou que o mercado gastronômico em Cuiabá está saturado. O senhor também tem esse pensamento?

 

João Carlos Caldeira - Eu acredito, infelizmente. Ao mesmo tempo em que eu afirmo que nós temos uma das melhores redes de restaurantes do País, uma das melhores noites com bares, mas isso também há uma saturação. Por exemplo, houve um “boom” de hamburguerias que saturou totalmente o mercado e várias fecharam. Houve o que a gente chama de redução, uma purificação. Hoje a gente está percebendo isso em casas de carne, as steakhouses, as churrascarias. Houve muitas aberturas, eu acho que algumas delas não vão ficar no mercado. Restaurantes também. Só na região central, perto do Mahalo, Flor Negra e do Seu Majó, houve a abertura de umas 10 casas no último ano.

 

Comidas temáticas, comidas asiáticas, comida mexicana, a gente não tem opção. A gente já teve o El Pancho. O problema dessas comidas é que é um público específico. Você vai uma vez, vai duas, você não vai todo mês. Por que o McDonald’s tem movimento? Hambúrguer as pessoas comem todo mês, as pessoas não deixam de comer. Você não vai a uma comida asiática todo mês. Poucos vão e a casa não se sustenta.

 

MidiaNews - Como o senhor viu o fechamento do Getúlio Grill?

 

João Carlos Caldeira - Lastimável. Partiu meu coração. Uma casa sensacional, fantástica em um ponto incrível. Mas foi abatida por isso, pela crise, as pessoas estão comendo mais em casa e quando saem querem a experiência. O Getúlio não se inovou, não criou novas experiências para o cliente durante muitos anos. Atrelado à crise, ao alto aluguel, veio a fechar. Hoje, a tendência de quem abre restaurantes é abrir restaurantes pequenos e eu estou falando de grandes chefs em São Paulo. Estão abrindo casas com 15 lugares, 20 lugares, com 40 lugares estourando, porque o custo é muito menor. As casas grandes, como é o caso do Getúlio, também vão ter dificuldades.

 

MidiaNews - Acha que o fechamento do Getúlio é o símbolo de um momento perigoso para o setor de restaurantes de Cuiabá?

 

João Carlos Caldeira - Sem dúvida. Da mesma maneira como fechou a Só Pera, a Peixaria Popular, o Japô e vários outros bons restaurantes. Não estou dizendo que fechou porque era ruim, mas não se reinventou, não entrou nas plataformas de delivery, não criou novas experiências, não reduziu tamanho. Infelizmente foi isso.

 

MidiaNews - O proprietário do Getúlio, Afonso Salgueiro, afirmou que a chegada do Shopping Estação, com Coco Bambu, Outback, mais uma unidade do Madero, foi a pá de cal em seu negócio. Não há espaço para todo mundo em Cuiabá?

 

João Carlos Caldeira - É uma situação de mercado. As casas mais novas, com melhor atendimento, com mais inovações vão substituir aquelas que não se inovam no mercado. Uma exceção que não se inova, mas que se mantém lotado é o Choppão. As pessoas, quando vão lá, não querem inovação, não querem coisa moderna. Elas vão lá porque sabem que existe o filé à parmegiana, existe o escaldado, há muitos anos. Mas nas outras casas, as pessoas querem inovação, querem um corte diferente de carne, querem um atendimento diferente, querem uma decoração diferente, uma música diferente. E os ambientes do Shopping Estação estão oferecendo isso, tanto do Taste Lab, quanto nas outras casas.

 

MidiaNews - O que representou o Getúlio para a gastronomia e a noite cuiabana?

 

João Carlos Caldeira - É um restaurante símbolo, é emblemático... Icônico é a palavra chave. É um ícone de baladas, de carne de boa qualidade, de gente desfilando com carrões de luxo... A alta corte durante muitos anos frequentou lá. Era símbolo de restaurante de alta gastronomia por muitos anos e um ponto maravilhoso. É lamentável, é uma perda de parte da nossa história, da nossa cultura. Não é só o fechamento.

 

MidiaNews - O senhor não acha que tem muita gente amadora se achando chef de cozinha?

 

João Carlos Caldeira - Isso é uma coisa que eu digo para os meus alunos na faculdade. Não é um curso de gastronomia, por melhor que seja, que te dá a posição de chef. Você até pode escrever chef no teu uniforme, mas quem te dá esse reconhecimento é o mercado. Chef não é um cara só que cozinha bem, é o que sabe comandar um restaurante, é o que sabe controlar custo, sabe negociar com o fornecedor. Tem muita gente se achando chef, mas chef mesmo é a pessoa que sabe comandar equipe, que sabe comandar várias praças, não é só a pessoa que sabe cozinhar, não é só a pessoa que monta um prato bonito. Tem muita gente se dizendo chef só porque fez um curso pela internet ou até mesmo fez uma escola francesa Le Cordon Bleu. A pessoa até pode se intitular chef, mas eu acredito que chef mesmo é o mercado que vai dizer.

 

MidiaNews - A impressão que se tem é que muitas pessoas que, às vezes perderam o emprego ou não tem mais renda na atividade antiga, acha que pode ganhar dinheiro com comida.

 

João Carlos Caldeira - Comida qualquer um pode fazer e vender. É uma coisa que é fácil você sobreviver. Você pode fazer uma empada, você pode fazer um pão, um brigadeiro e sobreviver disso. Com a perda dos empregos formais, muita gente vai para a alimentação e eu não vejo nada de errado nisso. Mesmo uma marmita, um pão convencional, as pessoas estão mais exigentes. Você tem que fazer com qualidade, higiene, precisa ter uma apresentação, uma embalagem legal, cuidado com o meio ambiente, com sustentabilidade, mesmo sendo coisa barata. As pessoas precisam estar preocupadas com isso.

 

MidiaNews - Qual o impacto da chegada de plataformas de delivery como Ifood na gastronomia de Cuiabá?

 

João Carlos Caldeira - É muito grande. O restaurante que não estiver antenado, não entrar nessas plataformas seja qual for, está fadado ao fracasso. Hoje as pessoas estão cada vez mais pedindo no conforto de casa, cada vez mais pensando duas vezes antes de enfrentar o trânsito, cada vez mais pensando antes de pagar estacionamento, preocupado com segurança. Os maiores e melhores restaurantes do país têm até 45% do faturamento no delivery, seja em plataforma própria ou seja dessas que já existem. Inclusive, tem muitos restaurantes hoje que vivem só de entrega, nem tem mesa e cadeira porque o custo é muito grande. Mesmo o restaurante de alta gastronomia tem que se preocupar sim em estar em alguma dessas plataformas.

 

MidiaNews - Tirando a comida japonesa, árabe e italiana, a cozinha internacional em Cuiabá é pouco difundida e parece ter pouca aceitação. Isso pode mudar um dia?

 

João Carlos Caldeira - Eu acredito que sim, mas vai levar um tempo. Aqui nós gostamos muito de carne, muito churrasco. A gente teve restaurantes vegetarianos maravilhosos como o Arado, que fechou porque não tem público. A gente já teve o Al Manzul, que era um dos melhores do país e fechou porque também não tinha um público muito grande para se manter. Tirando pizza, carne, restaurante a quilo, que tem um público muito grande que vai todo dia, a comida internacional tem pouca representatividade. Mas eu acho que a gente vai mudando aos poucos. No futuro a gente vai ter uma representatividade maior, mas vai levar um tempo ainda.

 

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3 Comentário(s).

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DENILSON  14.10.19 10h39
FOI UMA PENA NÃO FALAR NADA SOBRE A CULINARIA JAPONESA ELA ESTA FORTE EM CUIABA E MUITOBEM ACEITA POR TODOS ...
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Juca  13.10.19 17h48
O público quer comida boa e batara em um ambiente aconchegante. Só isso!!!!
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SÉRGIO ROBERTO  13.10.19 14h01
Teorias a parte, o certo é que os empresários cuiabanos que atuam nesse setor precisam ter em mente que preço e qualidade devem andar na mesma toada e que em tempos de crise é preciso ser resiliente, caso contrário o cliente some ou migra para butekos tipo aqueles da praça popular.
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