Cuiabá, Quarta-Feira, 16 de Julho de 2025
TRILHAS ILEGAIS
05.01.2025 | 08h00 Tamanho do texto A- A+

Turismo descontrolado causou erosões no mirante de Chapada

Espaço foi interditado em dezembro, pela Secretaria de Meio Ambiente, para obra de recuperação

Arquivo pessoal

Imagem de 2021 mostra voçoroca que surgiu no Mirante de Chapada dos Guimarães

Imagem de 2021 mostra voçoroca que surgiu no Mirante de Chapada dos Guimarães

ANGÉLICA CALLEJAS
DA REDAÇÃO

O Mirante de Chapada dos Guimarães, uma das paisagens mais marcantes do Estado, foi interditado em dezembro devido à degradação causada pela visitação desordenada de turistas, que resultou em processos erosivos no espaço turístico.

 

Os visitantes não fazem a mínima ideia da consequência de formar trilhas assim. Vai uma pessoa, passa pelo lugar [...] e assim chega ao estado de degradação que vemos hoje

A área é usada como ponto turístico e de observação desde 1980, mas nunca teve implantada estruturação adequada para a atividade. O problema surge a partir disso, uma vez que as erosões ocorrem devido às trilhas que os milhares de visitantes “criam” durante a exploração local.

 

Ao MidiaNews, o professor de Engenharia da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), Caiubi Kuhn, explicou que, em 10 anos, o desenvolvimento dessas erosões foi tão descontrolado que algumas se tornaram voçorocas, termo dado às cavidades que atingiram a profundidade do aquífero. A maior delas, segundo o professor, tem quase 3 mil metros quadrados.

 

Devido à situação crítica, a Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) interditou, de fato, a área, e iniciou, em dezembro, obras de recuperação no Mirante, com investimento informado de R$ 2 milhões. O projeto, entretanto, não foi divulgado.

 

"Provavelmente, os visitantes não fazem a mínima ideia da consequência de formar trilhas assim. Vai uma pessoa, passa pelo lugar para descer até a beira do paredão, aí vem outra pessoa, vê um caminho e que a vegetação está amassadinha, e fala 'vamos por aqui' e assim chega ao estado de degradação que vemos hoje", explicou Caiubi.

 

"Nunca foi estruturado, nunca teve planejamento. Nessas trilhas retas, a vegetação vai morrendo, compacta o solo, o que diminui a infiltração e, depois, conforme vêm as chuvas, e causar as erosões. A longo prazo, o problema maior da erosão é o risco de inviabilizar o próprio mirante e tornar um espaço impróprio para visitação".

 

Apesar de a reportagem não ter tido acesso ao projeto de recuperação, o professor acredita que as intervenções visam conter, estabilizar e recuperar os processos erosivos com utilização de madeiras e da própria vegetação, que seria o mais indicado para a área.

 

"A contenção envolve impedir o fluxo de água para dentro do canal da erosão e assim estabilizá-la. Isso pode ser feito com medidas estruturais, desde colocar estruturas de madeira, vegetação ou concreto, mas este último acredito que não será feito lá. Então, são medidas estruturais junto com medidas vegetativas", disse. 

 

"A gente considera que uma erosão está estabilizada quando ela possui, por exemplo, uma vegetação densa dentro dela. Nesse caso significa que não está tendo mais a remoção de partículas do solo que está dentro daquela erosão. Ou seja, precisa impedir esse fluxo de água para dentro dos canais das erosões".

 

Entretanto, o professor afirmou que, após a conclusão da obra de recuperação, é crucial que haja a implementação de um projeto de infraestrutura que possibilite o uso público de forma ordenada e segura. Entre os projetos, Caiubi ressaltou a criação de trilhas e fiscalização.

 

Arquivo pessoal

Registro de satélite da erosão em 2014, e na segunda foto, a mesma erosão, em 2023

Registro de satélite da erosão em 2014, e na segunda foto, a mesma erosão, em 2023

"Enquanto tiver um fluxo desordenado, a gente vai continuar tendo esse problema. Nós temos algumas áreas ali à direita do mirante, que hoje já estão se fazendo novas trilhas até a beira do paredão, à beira da escarpa. Daqui cinco anos, dez anos, vai ser uma nova erosão. Isso é um fato".

 

"Teria como chegar à beira da escarpa sem causar erosão? Sim. São feitas trilhas com tablados, devido ao fluxo intenso. Não pode ser um caminho linear, porque senão a água ganha velocidade e tem uma capacidade maior de remover partículas do solo, resultando nessa degradação que vemos hoje".

 

"A gente precisa ter um ordenamento da ocupação de espaço, um planejamento, e conseguir passar também para as pessoas que vão lá, além da beleza cênica, a história do local, o que que essa beleza representa e o que tem lá". 

 

Interdições e a causa comum

 

Ao longo das últimas décadas, houve três interdições no mirante, motivadas por problemas ambientais e estruturais, determinadas por órgãos ambientais e pela Justiça. As interdições têm em comum o fato de serem motivadas pela degradação ambiental e pelos riscos à segurança. Porém, até este ano, o local ainda recebia visitantes.

 

Em 2011, o Ministério Público Estadual (MPE) pediu à Justiça pela interdição, pois a área era considerada de risco, para prevenir danos maiores e iniciar estudos sobre a viabilidade de visitação controlada. O fato ocorreu devido à fragilidade do solo, que estava sendo agravada pelo tráfego intenso de turistas, devido a criação de trilhas informais e o pisoteio constante na área.

 

Somente em 2015 a interdição foi decretada, pelo agravamento das erosões. A Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) decidiu pelo fechamento completo do mirante até que fosse elaborado um plano de manejo que equilibrasse a preservação ambiental com a exploração turística. O que não ocorreu.

 

No ano de 2021, houve outra interdição, relacionada às erosões que não foram recupedadas e estabilizadas, e continuavam avançando devido à falta de medidas efetivas de controle. Durante o período, a Sema planejou implementação de infraestrutura básica e intervenções para contenção do solo, que não foi executado.

 

Na interdição mais recente, em dezembro de 2023, os estudos revelaram erosões severas, devido a terem atingido o aquífero subterrâneo. Dessa vez, a Sema fechou oficialmente a visitação do mirante e em dezembro de 2024 início às obras.

 

Nota da Sema

"Neste primeiro momento será realizada a contenção das erosões e recuperação da área com o reordenamento das águas pluviais. Para a realização destes serviços foi contratada uma empresa especializada, com experiência comprovada em recuperação de áreas degradadas. Após a conclusão deste serviço, o Mirante passará por obras de Infra estrutura para o ordenamento do Uso Público".

 

"A recuperação da área e contenção das erosões está sendo executada pela empresa Deflor Bioengenharia, com recursos originários de 02 Termos de Compromisso de Compensação Ambiental (TCCA) por significativo impacto. A obra possui acompanhamento técnico da Sema, que realiza vistorias constantes na área". ‎

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GALERIA DE FOTOS
Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Abril de 2014

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Maio de 2021

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Junho de 2004

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Julho de 2017

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Julho de 2019

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Outubro de 2023

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Outubro de 2023 - foto 2

Arquivo pessoal/Caiubi Kuhn

Início da erosão, na trilha

Arquivo pessoal - Caiubi Kuhn

Voçoroca 1




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COMENTÁRIOS
5 Comentário(s).

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Pedro   07.01.25 14h22
Difícil acreditar que as trilhas feitas são piores que aquele grande estacionamento sem vegetação no topo do morro. Aquilo é gigante e sem vegetação. A água cai, desce a encosta sem absorver nada pois o solo ali está compactado por carros.
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Marcelo Freire Mendonça   06.01.25 05h59
Trabalho com planejamento, execução e manejo de trilhas a mais de 20 anos, o que aconteceu na Chapada é falta de planejamento e gestão da área, não é difícil recuperar e preparar a área, mas é necessário tbm, nesse caso, determinar a capacidade de carga para orientar e acompanhar a visitação. Me coloco a disposição para ajudar se entenderem pertinente.
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GABRIELA RANGEL SILGUEIRO  05.01.25 20h39
Em 1989 o arquiteto e urbanista LÚCIO COSTA já vira o agravamento do problema e sugeriu trilhas suspensas e sinuosas, como os animais fazem. Mas o Mato Grosso quis virar um estado de denegação da necessidade de preservar o ambiente. Então, é nisso que dá. A luta dos ambientalistas tem muito tempo. Isso não é novidade nenhuma.
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JORGE1  05.01.25 19h34
A colocação do engenheiro da UFMT foi infeliz, quando colocou os turistas como degradadores dessa área. Outra questão é que voçorocas aparecem por desgaste e elas só aumentam por falta de recuperação desse solo. A verdade é que a Sema é quem deveria ter criado normas para visitação e trabalhado no sentido de coibir o acesso até que a área seja recuperada.
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Paulo   05.01.25 14h30
A mesma coisa vai acontecer com o morro de santo Antônio
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