Ativista pelos direitos dos LGBTQIA+, o psicólogo Gabriel Henrique Figueiredo expôs diversas consequências que o preconceito causa no dia a dia de quem se descobre tendo uma orientação sexual "não normativa".
Segundo ele, muitos gays, lésbicas e bissexuais tornam-se "reféns do armário" para conseguirem sobreviver à homofobia.
“Elas [as sexualidades] tiveram que ser vivenciada por muito tempo de forma clandestina, até como forma de sobrevivência. Esse fenômeno a gente chama de viver no armário, que é um termo popular, mas que se tornou no campo dos estudos de gênero um conceito", disse ele em entrevista ao MidiaNews.
Além disso, o profissional também falou sobre a importancia de manter uma "rede de apoio" para auxiliar no processo de autodescobrimento e de se assumir para o mundo.
De acordo com o psicólogo, a restrição de vivenciar sua sexualidade com plenitude é um dos muitos fatores que causa ansiedade e depressão em jovens homossexuais.
Ao longo da entrevista, Figueiredo também fala de preconceito institucional e do papel da família no processo de autoaceitação.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Atualmente há muito mais liberdade em se falar publicamente que é gay. Muitos atores, cantores e até figuras da política se assumiram gays ou bissexuais. De que forma isso ajuda para o fim do preconceito?
Gabriel Figueiredo – Se assumir significa sair de uma condição em que as sexualidades não normativas, que é primeiro subalternizada, inferiorizada e proibida também. Elas tiveram que ser vivenciada por muito tempo de forma clandestina, até como forma de sobrevivência. Esse fenômeno a gente chama de viver no armário, que é um termo popular, mas que se tornou no campo dos estudos de gênero um conceito.
Então, sair do armário é muito importante para o rompimento do preconceito a medida que faz com que aquelas pessoas que ainda estão no armário se reconheçam, através da vivência do outro, da autoaceitação, do processo de assumir-se. Mas ela também tem um efeito na sociedade, porque vai produzindo outro olhar. Esse impacto, obviamente, nem sempre é positivo, porque assumir-se em alguns contextos é extremamente adverso.
MidiaNews - Ainda há muitos gays adolescentes ou jovens com receio de se assumir?
Gabriel Figueiredo – Tem pessoas que reconhecem o desejo, o afeto, mas não conseguem se assumir. Tem muito. Existe uma projeção de que 10% da população mundial possui uma orientação sexual não normativa, mas não dá para pensar quantitativamente. É uma minoria de direitos, mas nunca se falou de minoria numérica.
Não dá para quantificar, porque tem muita gente em dois processos, primeiro o de pré-percepção, que é antes de você se perceber, cada um tem seu momento da vida, mas é mais comum isso ocorrer nos anos iniciais da vida sexual, mas isso não é via de regra.
E tem as pessoas que não aceitam. Percebe a orientação, mas não aceita, porque aceitar é o primeiro passo para depois lidar com o mundo. Isso que é sair do armário, não só perceber e aceitar, mas fazer algo com isso.
Mas precisa assumir? Qual a importância disso? Viver a sexualidade na sua plenitude. Isso foi feito para ser vivido, tem pessoas que falam que não veem necessidade de reivindicar: "Eu consigo viver ela no meu cantinho”. Isso é sofrimento.
MidiaNews - O que deveriam fazer? Qual primeiro passo para se assumir?
Gabriel Figueiredo – Nem todo mundo se assume em todos os contextos. E existe um processo. Assumir-se LGBTQIA+ tem vários níveis. Um gay ou uma lésbica ao assumir-se fala primeiro aos amigos, porque tem um nível de intimidade, é mais fácil, estão na mesma faixa etária, principalmente quando este processo acontece na adolescência ou na juventude. Entre amigos é o primeiro nível de abertura para a sexualidade, de saída do armário. Depois os familiares mais íntimos, alguns, nem sempre todos.
Tem outro que é do contexto escolar e educacional, que depende também da faixa etária e dos processos de vida. Então, quem está na escola, ensino médio e até fundamental, é o professor que fica sabendo. Ou na faculdade, com os colegas de faculdade. Aquilo vai se normalizando, porque a pessoa começa viver no contexto universitário a sua sexualidade de forma saudável. Namorando, paquerando nas festas e esse é o segundo nível.
Então, o familiar geralmente é o terceiro, mas isso depende, varia. Não necessariamente é nessa ordem, mas geralmente a família aparece depois da escolaridade.
E por último tem o ambiente que é o mais difícil. Nem todas as pessoas se assumem nesse contexto, que é o ambiente de trabalho. Que é você compartilhar sua orientação sexual com os colegas, com a chefia, enfim, contar para quem você convive no dia a dia. Então, assim, a gente negocia com o armário para sobrevivência.
MidiaNews - Há um temor então a depender do ambiente?
Gabriel Figueiredo – Posso estar no processo de conhecer alguém ou com um marido, esposa, de repente estou em um ambiente publico e me sinto ameaçado, eu preciso voltar para o armário para sobreviver. O armário é um dispositivo que faz parte da vida de todas as pessoas, principalmente por causa da orientação sexual.
Para as identidades de gênero não dá, pois depois que a pessoa transiciona como faz para voltar? A forma de negociar com o armário nesse caso é ter a passabilidade, fazendo a transição mais “perfeita” possível para não ser reconhecida como trans.
MidiaNews - Com relação ao "não se assumir", o adolescente pode ter doenças emocionais, seja ansiedade ou depressão?
Gabriel Figueiredo – As orientações sexuais e de gênero não normativas fogem da norma e tem toda uma questão construída historicamente. Inicialmente, tivemos uma leitura jurídica sobre isso, porque foi criminalizado por muito tempo e há vários países que ainda é.
Além disso, tem a visão religiosa que a gente não pode desconsiderar. Existe uma interferência da religiosidade, principalmente do cristianismo, na nossa sociedade. E um dos efeitos, lá na percepção da orientação sexual, produz-se uma culpa, como se fosse errado e fosse eu o culpado por esse erro. Ao mesmo tempo em que a culpa é alimentada, surge o medo de ser descoberto e isso produz um intenso sofrimento psíquico, que pode levar a uma quadro de ansiedade, de depressão.
MidiaNews - Como os pais devem lidar com uma revelação dessas?
Gabriel Figueiredo – A dependência financeira e afetiva com os pais, sobretudo nesses anos iniciais, faz com que os responsáveis utilizem disso para controle dessa vida, do corpo, do desejo e da sexualidade. Inclusive, alguns se sentem autorizados em pensar estratégias de reversão e isso causa ainda mais sofrimento psíquico e torna a experiência mais difícil.
E como seria uma reação ideal? Não julgar, procurar conhecer e entender. Hoje, temos a internet a nosso favor, então procurar saber através de vídeos, de matérias jornalística, se possibilitar compreender, como forma de respeito ao filho. A principio não é um compromisso com a aceitação, mas é possibilitar conhecer o processo que seu filho está passando. Afinal de contas, é dele esse sofrimento.
E a família sofre também e precisa ser reconhecido, porque é legítimo. Não posso exigir que uma pessoa que foi ensinada a vida toda e que só tem parâmetros heterossexuais na sua vida e que vive em um Estado extremamente conservador, compreenda com toda a naturalidade. Posso exigir respeito, mas é preciso entender a dificuldade da família.
MidiaNews - Como psicólogo, como enxerga colegas de profissão que oferecem a chamada cura gay?
Gabriel Figueiredo – Eu fui conselheiro do Conselho Regional de Psicologia e estive em várias lutas e obviamente as medidas precisaram ser tomadas. Existem, mas é preciso frisar que a psicologia é uma profissão que está para a produção do bem-estar e qualidade de vida. Cientificamente, através do Conselho Federal de Psicologia e dos conselhos regionais, que proíbe a reversão e que pune os profissionais que apresentam esse tipo de proposta, porque partimos do pressuposto que, primeiro, não há cura para o que não é doença.
MidiaNews - A que atribui esse tipo de comportamento de um profissional que passou por uma universidade?
Gabriel Figueiredo – Não dá nem para configurar como trabalho, porque se a ciência não reconhece não tem como dizer que é um trabalho daquela profissão. A pessoa não se despiu da sua pessoalidade para trabalhar, porque não existe método ou técnica que vá produzir um efeito sobre esse objetivo, que é reverter a sexualidade da pessoa. Sendo assim, não consigo dizer que esse é o papel de um psicólogo, afinal de contas isso vai produzir sofrimento.
Em um contexto desses, a pessoa está sendo homofóbica . Está deixando de reconhecer as técnicas que a ciência da sua profissão construiu ao longo dos anos, aproveitando-se de algum conhecimento sobre, manipulando ela com seus valores pessoais, que eu chamo de homofobia, e produzindo sofrimento.
MidiaNews - O senhor já presenciou ou sabe de casos em que famílias procuraram um psicólogo para “curar” um filho ou filha?
Gabriel Figueiredo – Sim, constantemente psicólogos recebem essas demandas. A Psicologia não está para recusar, mas a questão é o que se faz com isso. É preciso fazer o cuidado dessa pessoa, para que ela passe o processo de percepção tendo um apoio profissional.
Da mesma forma a família, convidar eles para esse processo de autocuidado é extremamente importante. A família também lida com o sofrimento de descobrir sobre o filho. E isso de forma alguma significa passar pano para a homofobia, a gente precisa entender que os pais vão passar por esse processo de reconhecer.
MidiaNews - Dados do Observatório de Mortes e Violências contra LGBT no Brasil divulgados em maio mostram que Mato Grosso é o segundo Estado onde mais ocorrem crimes violentos contra a população LGBTQIA+. A que se deve esse índice?
Gabriel Figueiredo – Mato Grosso é um estado conservador e historicamente violento, acho que é pela sua caracterização geográfica, cultural, com matrizes religiosas, principalmente no cristianismo, que favorece essa situação da homofobia.
E nós temos uma homofobia institucional, porque, por exemplo, a gente não conseguiu avançar nos direitos de políticas públicas, de saúde, de serviços sócio assistenciais.
MidiaNews - Considera que a Polícia sabe dar o tratamento adequado às vítimas de homofobia? O que falta melhorar?
Gabriel Figueiredo – Nós temos uma Segurança Pública com muitos profissionais que têm dificuldade de lidar com essa questão, com uma posição homofóbica. Muitos com despreparo para tratar, acolher
Então, é um desafio do Poder Público romper com a homofobia e com a transfobia institucional, porque ela está aí. A homofobia institucional é sobre os processos, está no fluxo, no serviço, na política.
MidiaNews - Onde está a culpa pela violência contra esta população: na família, na escola, na igreja ou na mídia?
Gabriel Figueiredo – Na homofobia, nos valores negativos. Quando falo da homofobia não estou falando da violência em si, estou falando do preconceito, dos valores negativos sobre a homossexualidade, a leitura de que é pecado, de que é errado, sujo, mundano, perverso, promiscuo.
Esses valores que tornam a orientação sexual e a identidade de gênero subjugada. É dai que parte e é isso que vai fundamentar a violência. E não só a física.
MidiaNews - Um discurso muito ouvido dentro das igrejas é de que a homossexualidade não seria algo de Deus, já que, segundo essas pessoas, uma relação sexual entre pessoas do mesmo sexo não permitiria a preservação da espécie humana. Como enxerga esse argumento?
Gabriel Figueiredo – Eu acho que é pretexto. Surge dai muita coisa, mas a religiosidade também é pretexto, porque muita gente usa dos discursos religiosos para justificar seu próprio preconceito.
Acho que não dá para colocar na conta do cristianismo somente. Acredito que as pessoas precisam se responsabilizar sobre os seus preconceitos e suas crenças negativas. A religiosidade é pretexto para muita gente, é preciso responsabilizar, porque quando a gente coloca na conta só do cristianismo, tira da responsabilidade da pessoa o seu preconceito.
Não vem falar de Cristo, da bíblia. Não. É o seu valor, é a sua crença, que é negativa.
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3 Comentário(s).
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Selma 27.06.22 19h04 | ||||
Quem é competente não precisa se esconder atrás de um rótulo ou de uma bandeira! O competente SEMPRE terá o seu lugar reservado! Penso que os homossexuais precisam ser respeitados em sua vida particular, visto que a vida é deles e somente a eles competem! Por outro lados, o que não partilham da mesma visão ou vida, também precisam ser respeitados! Temos que para com essa situação de criarmos atalhos ou grupos especiais...todos somos iguais...todos precisamos de respeito e dignidade...só isso! | ||||
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Graci O Miranda 26.06.22 09h02 | ||||
PARCEIROS, CONFIEM NA LEI . VIVA A DEMOCRACIA . | ||||
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RODRIGO K VIEIRA 26.06.22 08h02 | ||||
Que viagem!!! Não é normal ver um homossexual ter seu caminho dificultado no mercado de trabalho, se ele é bom no que faz! Tem muita gente usando este tal preconceito como desculpas para pouco esforço que tem! Pra muitos, isso virou atalho!!! | ||||
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