Prestes a completar 40 anos, o ator cuiabano André D'Lucca se desponta, há muito tempo, como um dos poucos do Estado, se não o único, a utilizar-se de um humor ácido e implacável contra a classe política.
A autenticidade lhe rendeu uma grande visibilidade, mas, ao mesmo tempo, desafetos, perda de eventos e campanhas publicitárias. Os autores da retaliação, em sua maioria, segundo ele, são políticos.
No entanto, o criador da personagem Almerinda, famosa pelo veneno que destila, diz que nada é capaz de mudar a forma de humor que o consagrou.
“Desde cedo, sempre falei o que penso e isso me custou muito caro. Dentro de casa, meu pai tentou me matar três vezes. Então, foi uma coisa de sobreviver desde criança e ser autêntico, falar o que pensava. Então, se consegui sobreviver a um pai alcoólatra, que era castrador e que não aceitava eu ter opinião desde pequeno, não é um político que vai me intimidar”, disse, em entrevista exclusiva ao MidiaNews.
Sem papas na língua, ele criticou o governador Pedro Taques (PSDB), o prefeito Emanuel Pinheiro (PMDB) e o secretário de Estado de Cultura, Leandro Carvalho.
Leia os principais trechos da entrevista:
Marcus Mesquita/MidiaNews
"O preço que pago pelo meu estilo de humor é alto. Meus contratos já foram cancelados"
MidiaNews – Uma grande personagem sua é a Almerinda, que faz críticas a figurões da política mato-grossense. Já sofreu retaliação em função desse humor incisivo, contundente, dedo na ferida?
André D'Lucca – Sim. O preço que pago pelo meu estilo de humor é alto. Meus contratos já foram cancelados, patrocinadores desistem de mim no auge da temporada por conta de ligações do Governo na madrugada. Meus projetos nunca são aprovados. Nunca sou convidado para eventos do Governo. Fecho campanhas publicitárias que caem misteriosamente. Eu sou um dos artistas mais produtivos do Estado, mas estou andando de bike há um ano e pouco, porque não tenho condições de comprar um carro. É bom porque me mantém em forma.
MidiaNews – Então, pode-se de dizer que há uma patrulha contra o humor crítico?
André D'Lucca – Sim. E sinto isso nas mídias sociais quando faço uma crítica e aparece uma enxurrada de comentários dizendo que eu não tenho direito de me manifestar com relação à política, para eu calar minha boca e focar no teatro. Ou falam que estou ganhando dinheiro de alguém, que tem dinheiro por trás. Várias pessoas já me perguntaram se o que publico sou eu mesmo que escrevo ou se tem alguém que escreve para mim, como se eu não tivesse capacidade de ter uma opinião sobre determinados assuntos.
MidiaNews – Quem você acha que está por trás dessa orquestração para lhe prejudicar em função de suas críticas no humor?
André D'Lucca – O próprio Governo. Fiquei sabendo, através de assessores do deputado estadual Guilherme Maluf, que quando fui apresentar ‘Almerinda vou de Taques’, no dia dos namorados em 2016 – que foi o meu maior sucesso nos últimos anos –, houve um pedido do próprio governador que fosse tirada a pauta de mim. Não foi comprovado, mas ouvi isso de um assessor do Guilherme. Tudo isso para eu não apresentar um espetáculo sobre ele. O assessor orientou o então presidente da Assembleia a não fazer isso, porque se cancelassem o ‘Almerinda vou de Taques’, teria um ‘Almerinda vou de Maluf’. Então, ele achou melhor não se meter comigo. Mas houve todo um movimento para me impedir de fazer. Assim como no Governo Silval Barbosa, chegaram a entrar na Justiça para tentar me impedir de apresentar um espetáculo sobre ele.
MidiaNews – Então, você vê essa pressão principalmente do segmento político?
André D'Lucca – Sim. Principalmente. E eles influenciam empresários e imprensa. Houve momentos em que eu estava brigado com o Governo e sofri boicote da imprensa. Em alguns canais de TV eu 'não existi' por dois anos, porque recebiam verba do Governo. Em 2016, eu tinha uma campanha na rua, em outdoor, que economizei por um mês para fazer, e no mesmo dia que coloquei as impressões, a empresa me ligou pedindo desculpa porque minha campanha iria cair. Ele recebeu uma ligação do Governo dizendo que anularia todos os seus contratos se mantivesse aquela campanha na rua. Então, me sinto uma formiga brigando com um elefante. É muito caro você bater de frente com este Governo. No Governo Silval, era mais escrachado, a Roseli [Barbosa, ex-primeira-dama do Estado] já ia, me processava, me ameaçava, mandava a polícia na minha porta. Eu sabia com o que estava lidando. Agora, as coisas são mais nos bastidores.
MidiaNews – Quais veículos de comunicação lhe boicotaram?
Marcus Mesquita/MidiaNews
"Uma coisa que me conforta é que vou continuar sendo artista. Até depois que eu morrer, meu nome ainda fica por um tempo"
André D'Lucca – Quase todos. Durante o Governo Silval, uma pessoa da Secretaria de Comunicação ligou para vários jornalistas. Uma jornalista muito amiga minha, recebeu a ligação e bateu de frente. Um dia conversando com ela, me contou que chegou uma ordem que não era para fazer nenhuma matéria, ou nota, a respeito do meu trabalho, a não ser para falar mal. E, mesmo nesse período, eu conseguia lotar o teatro através do Facebook. Quando me boicotaram na mídia, foi que descobri o poder do Facebook. Mas nem todos. Alguns, mesmo prestando serviço para o Governo, me divulgavam, mas digamos que 80% baixaram a cabeça e seguiram orientação. Mas vários sites tiveram outra postura. O próprio MidiaNews noticiou toda a confusão que tive com a Roseli Barbosa, por exemplo.
MidiaNews – Como você se sente diante disso, com poderosos agindo para prejudicar seu trabalho?
André D'Lucca – Eu fico revoltado, acho que eles têm a cabeça pequena, mas uma coisa que me conforta é que vou continuar sendo artista. Até depois que eu morrer, meu nome ainda fica por um tempo. E eles não. Por exemplo, o Pedro, se Deus quiser, continua sendo governador só por mais dois anos e acabou. Foi a mesma coisa que eu dizia ao Silval e a Roseli: ‘Você vai cair, o seu tempo vai acabar aqui e eu vou continuar’.
MidiaNews – O que alimenta essa garra em continuar e não mudar a linha, não baixar a cabeça, mesmo diante dessa pressão gigantesca?
André D'Lucca – O retorno que as pessoas me dão. É como se eu dissesse o que muita gente pensa, mas não tem coragem de falar. Desde cedo, sempre falei o que penso e isso me custou muito caro. Dentro de casa, meu pai tentou me matar três vezes, quando eu tinha cinco, 10 e 12 anos. Então, foi uma coisa de sobreviver desde criança e ser autêntico, falar o que pensava. Então, se eu consegui sobreviver a um pai alcoólatra, que era castrador e que não aceitava eu ter opinião desde pequeno, não é um político que vai me intimidar, não são ameaças no Facebook. Ano passado, por conta de uma publicação minha, tive que lidar por uma semana com um psicopata que invadiu a casa da minha mãe, uma senhora de quase 80 anos, com duas crianças pequenas. Ele lá dentro, tirando fotos, pegou meu endereço, meu telefone. Mas essas coisas não me param, não são ameaças que vão me parar.
Marcus Mesquita/MidiaNews
"Houve momentos em que eu estava brigado com o Governo e sofri boicote da imprensa"
MidiaNews – Você teme pela sua integridade física diante desse quadro?
André D'Lucca – Eu acho que as pessoas a meu redor temem mais do que eu mesmo. Elas dizem que eu não tenho essa consciência. Mas não tenho medo, estou pronto para o que der e vier. Sempre dizem que vão acabar me matando, óbvio que não gostaria de morrer desta forma, mas todos vão morrer um dia. Não vou parar a minha vida. Se eu tivesse medo, não faria o que eu faço.
MidiaNews – Você tem uma carreira bem-sucedida, fez sucesso e conquistou espaço no Rio de Janeiro. Não pensa em deixar Cuiabá?
André D'Lucca – Eu nunca me imaginei morando em Cuiabá. Deixei a cidade quando formei e não achei que fosse voltar. Achei que viria somente para me apresentar e foi assim durante uma década. Eu vinha, lotava o teatro e voltava. E quando você está fora, aparecendo na televisão, você vem e as pessoas te valorizam. Por exemplo: me apresentava no Sesc Arsenal e faziam fila do lado de fora. Hoje em dia o quadro é um pouco diferente, porque estou aqui o tempo todo. Mas voltei para cá por conta de uma tragédia familiar. Tive um irmão assassinado em um assalto e vim ficar um tempo com a minha família e fui gostando do mercado de trabalho de Cuiabá. Eu já tinha um diferencial e não havia tanta concorrência. Porque quando as pessoas falam nos tops do mercado em termo de humor, sempre citam Nico e Lau, eu e o Totó Bodega, o Romeu Benedito. Então, percebi que aqui o mercado estava bem mais tranquilo que no Rio, onde tinha que matar um leão por dia. Há três anos fiz uma temporada de seis meses em São Paulo e foi enlouquecedor, sentia falta de Cuiabá, não aguentava mais aquele monte de gente, aquele movimento todo. Está ótimo aqui, estou pequeno, mas faço minhas coisas, não tenho mais aquela pretensão de televisão, cinema...O que tiver que acontecer, vai acontecendo.
MidiaNews – A personagem Almerinda é uma das que mais te dá prazer, além da que mais te dá projeção?
Marcus Mesquita/MidiaNews
"Se consegui sobreviver a um pai alcoólatra, que era castrador e que não aceitava eu ter opinião desde pequeno, não é um político que vai me intimidar"
André D'Lucca – Fisicamente, a Almerinda não me dá prazer nenhum. Eu tenho que andar em um salto que machuca o pé, tenho que prender meu saco com uma cinta, aquela peruca machuca, os enchimentos são quentes. Cuiabá é muito quente e estou sempre ensopado por baixo daquela roupa toda, a maquiagem dura mais ou menos duas horas. Mas ela tem uma liberdade para falar o que ela quer, o que me motiva a fazê-la. As pessoas pedem para eu falar coisas que mais ninguém consegue. A Almerinda mete a mão em vespeiro de boa e nada acontece com ela. Se eu fizesse o que a Almerinda faz, teria problemas seríssimos. Ela é um escudo. Então, existe uma separação. E ainda bem que existe, porque senão, estava ferrado. A Almerinda é muito peituda, fala o que quer.
MidiaNews – Acha que faltam mais "Almerindas" em Mato Grosso?
André D'Lucca – Óbvio que falta. A galera daqui é muito acomodada, ninguém tem coragem de ir para o enfrentamento. Alguns estão começando a entender isso. Um ou outro faz uma piadinha muito tímida, uma aqui outra ali. Mas ninguém quer bater de frente, ninguém quer perder a boquinha. Porque bater de frente significa romper os laços. E como eu nunca tive laços, é tranquilo falar. E, o tempo todo, tentam prender o meu rabo.
E isso era uma coisa que admirava no [José] Riva. Eu sempre critiquei o Riva, mas precisei dele em dois momentos da minha vida. O primeiro foi porque Silval não queria me pagar por uma aula que dei por oito meses. Ele anunciou um calote, dizendo que aquele dinheiro seria direcionado para a Copa do Mundo. E eu estava brigando, praticamente sozinho, por uns três meses e procurei o Riva. Pensei: ‘quem manda neste Estado?’. Fui, o procurei e foi resolvido em segundos. Não fui pedir propina, não fui pedir nada de errado, fui pedir para resolver um direito meu que o Governo não queria pagar. E, a segunda vez o procurei por conta do Lar das Crianças. As crianças estavam sendo molestadas, apanhando, o dinheiro sendo desviado e falei para ele me colocar lá dentro. E ele falou que me colocaria lá, mesmo com Roseli falando que eu não iria entrar. Foram os dois momentos que procurei o Riva. E ele nunca me pediu nada em troca, nunca me ameaçou. Até hoje faço publicações falando de Riva. Janaina Riva sempre me recebeu, nunca virou a cara para mim.
Agora, fiz uma publicação sobre Samira Martins [primeira-dama], sobre o pai dela, que desviou milhões e foi preso, e ela me odeia para sempre. Isso eu acho o cúmulo do absurdo. Ela que odeie a Polícia Federal que prendeu o pai dela, ou que odeie o próprio pai, que desviou o dinheiro. Não eu, que fiz a piada. Então, existe essa inversão na cabeça das pessoas. A Almerinda, por exemplo, mandou vários recados para Roseli: ‘Espera aí, Rose. Quer dizer que alguém desviou R$ 54 milhões do Lar das Crianças, eu fiz a piada e você me processa? Eu sou a criminosa? E quem desviou o dinheiro é humorista?’ Então, tem essa inversão.
MidiaNews – Como vê essa situação de vários políticos presos, como Silval Barbosa, Marcel de Cursi, Chico Lima, entre outros?
André D'Lucca – É incrível eles estarem presos, mas seria mais incrível o dinheiro ser devolvido. Porque a impressão que dá é que eles já desviam sabendo que ‘Ah, eu vou ser preso, depois de um ano e alguns meses eu saio, falo com meu amigo Gilmar Mendes’. E nada acontece, o dinheiro continua desaparecido. Já é uma vitória essas pessoas estarem presas, mas a justiça seria feita se o dinheiro realmente voltasse. Não adianta só prender, tem que tirar o dinheiro, o dinheiro tem que voltar para o Estado.
MidiaNews – Senão fica a impressão de que o crime compensa.
André D'Lucca – Mas o crime compensa, já está provado. Pedro Taques é prova disso.
MidiaNews – Você é um crítico contundente em relação ao governador. Isso se dá em função do tratamento que recebe como artista do Estado ou é sua visão como cidadão? Não tem nada de positivo no Governo dele?
André D'Lucca – Tem, todos os governos tem coisas positivas. No Governo do Silval havia coisas positivas, ele pagava em dia e pagava a RGA [Revisão Geral Anual]. O Governo Taques tem ações positivas. Por exemplo, o projeto ‘Vem pra Arena’, por mais que seja pão e circo, dá oportunidade à população ter acesso a obras que nunca veriam, e oportunidade a artistas que não têm palco para se apresentar. Então, é um projeto positivo, sim. Mas minha questão com o Pedro é que ele, talvez, seja um ator melhor que eu. Ele foi meu professor na Faculdade de Direito, por dois semestres, na Universidade de Cuiabá (Unic). E quando o vi enganando a população toda com aquele discurso, vi que era um ator melhor que eu. Ele é muito falso, mentiroso. Ele quer ser o paladino da justiça, o que não é. As pessoas compraram isso e agora a bomba está explodindo.
Marcus Mesquita/MidiaNews
"Todos os governos têm coisas positivas. No governo do Silval havia coisas positivas, ele pagava em dia e pagava a RGA"
MidiaNews – Não seria exagero classificá-lo de falso e mentiroso?
André D'Lucca – Não. Pois ele tenta vender uma coisa que não é. Ele não tem essa honestidade toda. O próprio Permínio Pinto [ex-secretário de Educação, preso na Operação Rêmora] é um exemplo. Quando estourou essa bomba, fui entrevistar o então deputado Wilson Santos e ele colocava a mão no fogo pelo Permínio. O Pedro deu entrevista colocando a mão no fogo pelo Permínio. Até o momento que se comprova que Permínio estava envolvido e aí eles vão mudando a opinião.
MidiaNews – Mas você acha que o govenador sabia do envolvimento do Permínio? Sabia que havia corrupção na Seduc?
André D'Lucca – Por favor, né?! É óbvio que ele sabia. Uma vez ouvi de um político: ‘Eu sei o que acontece na minha sala, o que acontece fora da minha sala, não tenho como saber’. Discordo. Tem sim como saber.
Outra coisa, para que criar uma Secretaria de Combate à Corrupção se já temos instrumentos para combater a corrupção? Cria-se uma nova secretaria, incha um pouco mais a máquina pública e cadê a secretária neste momento? Pulou fora do barco, porque ia ficar pior para ela ficar à frente dessa secretaria com um Governo com corrupção para todos os lados. Vi uma entrevista da juíza Selma Arruda [da Vara Contra o Crime Organizado] dizendo que seria uma utopia acreditar que o Pedro mudaria alguma coisa com relação à corrupção. Mas as pessoas acreditaram nele, até o momento em que a bomba começou a explodir. Eu não consigo entender esse discurso de que o Estado está quebrado, basta ver como inchou as secretarias. Só em cargos comissionados, gastamos mais de R$ 4 milhões por ano.
MidiaNews – O governador já disse algumas vezes que, onde houver ser humano, vai haver corrupção. E que ele não tem como "vigiar" o tempo todo os mais de 100 mil servidores do Estado. Agora, pela sua história de vida pode-se concluir que ele é uma pessoa honesta, que não admite a corrupção.
André D'Lucca – Não concordo. Eu já ouvi da boca do Pedro que ninguém dá jantar de graça. Ele adora frases prontas. E um cara que recebe caixa dois para fazer campanha, um cara que muda de partido só pela conveniência, um cara que se alia ao agronegócio para bancar sua campanha... Ele está devendo e precisa pagar a sua dívida de campanha. E isso vem de onde? Do Governo. Então, talvez, ele feche os olhos, mas tem consciência de que a corrupção está acontecendo, principalmente para pagar as dívidas dele. Então, ele é corrupto, sim. Pode se fazer de cego, mas é corrupto.
MidiaNews – Essa acusação de que ele recebeu caixa dois é séria. Por que você tem tanta convicção assim?
André D'Lucca – Eu acredito, sim. Tenho essa convicção. A campanha do Pedro foi a mais cara de governador do Brasil. E como se investe tanto em uma campanha de Governo se o salário dele não cobre isso? Pedro investiu na campanha mais cara porque ele quer o bem de Mato Grosso? Não, tem alguma coisa errada. Vivemos em um País capitalista. Então, tem alguma coisa errada. É óbvio que tem dívidas de campanhas que precisam ser pagas e isso começou pela Seduc - e acredito que esteja acontecendo em várias outras secretarias. A bomba só não explodiu.
MidiaNews – Com relação ao prefeito Emanuel Pinheiro, como você analisa esse começo de gestão? Achou polêmicas algumas nomeações recentes de funcionários?
André D'Lucca – Só o fato de "monocelha" ser um aposentado logo cedo, não abrir mão desse benefício do FAP (Fundo de Assistência Parlamentar), já demonstra a que veio. Nunca achei que Emanuel fosse um bom candidato; o problema é que Wilson Santos era um péssimo candidato. Então, tínhamos um ruim e um péssimo e a população não tinha escolha. E não me surpreende. Ele já começa dando um tiro no pé com esse secretário de Cultura [Renato Anselmo] que não tem nada a ver com a classe. Um cara que era suplente de vereador, que eu nunca ouvi falar. Chegaram a falar que ele teve dois mil votos, mas e daí?
Na gestão anterior, eu não gostava do Mauro Mendes, mas ele fez muita coisa pela cidade, deu um show em relação aos últimos prefeitos e também teve um ponto positivo, que foi nomear o Beto Machado na Secretaria de Cultura, pois ele é da classe artística e fez uma gestão totalmente diferente. O Beto tinha diálogo e conversava a mesma língua que a gente. Agora, esse outro já entra dessa forma... O Emanuel já mostra a que veio.
MidiaNews – Como você avalia a gestão do secretário de Estado de Cultura, Leandro Carvalho?
André D'Lucca – As pessoas o criticam dizendo que não há diálogo, mas todas às vezes falei com ele, nunca resolveu nada, mas conversamos. Todos dizem que a verba é muito direcionada para a Orquestra do Estado de Mato Grosso. Que desde o primeiro movimento do Leandro dentro da secretaria foi verba para Orquestra, e o que sobrar para os outros. Mas nunca dependi de secretaria, nunca tive projeto aprovado, porque estou do outro lado da trincheira. Mas essa questão da orquestra ser dele e receber dinheiro do Estado é imoral. Sempre achei. Ouço muito, não tenho prova, de que há viagens ao interior pela Orquestra, e ele recebe diárias como secretário. Não sei se é real, mas os artistas falam muito isso.
Marcus Mesquita/MidiaNews
"Só o fato de Monocelha ser um aposentado logo cedo, não abrir mão desse benefício, já demonstra a que veio"
A gestão do Silval teve cinco secretários de Cultura, trocavam de secretário como trocavam as mobílias dos gabinetes. Porém, havia a sensação de que algumas coisas aconteciam. Por exemplo, na metade da gestão dele, descobri que tinha direito a uma espécie de verba emergencial para realizar eventos, e isso foi uma das coisas que o Leandro cortou. Muitos amigos tiveram projetos aprovados, saiu em Diário Oficial do Estado, e depois foram cancelados. Tive um amigo que teve três vezes publicação errada no Diário Oficial. É uma secretaria que erra bastante.
Mas tem muita gente está elogiando algumas ações da gestão do Leandro, como nesta parte de editais, mas por outro lado dizem que usam isso para torar algumas coisas. Não sei se falta experiência. Acho que esse tempo toda na Orquestra deu experiência para ele conseguir comandar uma secretaria. No começo, reclamavam muito da equipe, que era despreparada, mas já estamos na metade do Governo, já deu tempo de afinar essa equipe.
Agora, tem coisas que precisam mudar urgentemente. Podem fazer uma pesquisa dos últimos 15 anos e ver quais os grupos e pessoas são beneficiadas todos os anos. E, às vezes, em editais estaduais e municipais, municipais e estaduais. São sempre as mesmas pessoas. Achei que haveria uma mudança drástica com a entrada deste Governo, mas não. Os teatros estão com preços absurdos.
MidiaNews – Qual a sua bronca com o projeto "Vem pra Arena"?
André D'Lucca – Fui convidado para duas edições desse projeto porque eles queriam calar a minha boca. E me colocaram para me apresentar às 17 horas. Cheguei no dia e me apresentei para o Sol e para as pessoas que estavam montando o palco. Na segunda vez, melhoraram o horário e de 17 horas foi para 17h30. Cheguei, não tinha ninguém. Liguei para a organização e disse: ‘Não sei o que está acontecendo, acho que me denunciaram que estou fazendo um evento do Taques e a Polícia Federal veio me interrogar. Só vou poder chegar mais tarde’. Eles ficaram putíssimos, mas cheguei às 19h30 e pedi para me encaixar. Foi incrível, as pessoas me adoraram. Mas depois disso, me cortaram do projeto. Teve ordem da Samira Martins (ex-primeira-dama), dentro da secretaria, que nada meu deveria ser aprovado e que eu não deveria ser chamado para mais nada. Então, em todas as atitudes, este é um Governo revanchista. Se você não é a favor, é contra e ponto final. E as coisas não funcionam assim.
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"Fui convidado, para calar a minha boca, para dois ‘Vem pra Arena’. Cheguei e me apresentei para o Sol e as pessoas que estavam montando o palco"
MidiaNews – Você quer dizer que existe uma censura aos críticos do Governo?
André D'Lucca – Sim. Quem se manifesta contra é cortado neste Governo. Alguns artistas já me contaram. Tiveram uma posição mais dura com relação ao Governo Taques e sofreram por isso, corte de projetos, entre outros. Eu posso falar o que quiser, porque sou independente. Eu, andando de bike pela cidade, mas ouvindo desaforo no Facebook, de que eu teria recebido milhões de Wilson, milhões de Emanuel, que Riva me banca, mas esse dinheiro nunca chega, só chegam ofensas. Mas não é fácil a minha vida. Neste lugar que eu estou, que me coloquei, de falar o que penso, o preço é muito alto, muito alto mesmo.
MidiaNews – O que você acha da política de incentivo à Cultura em Mato Grosso?
André D'Lucca – Se existe, eu não tenho acesso. Acho que não entendem o papel da cultura. A maioria das pessoas pensa que cultura é frescura, é dinheiro jogado fora. E ouvimos muito isso durante o período do impeachment da Dilma Rousseff por conta da Lei Rouanet. Falavam da lei como se você entrasse com o projeto e o Ministério da Cultura já te entregasse esse dinheiro, mas não funciona desta forma. Na época que tentei Lei Rouanet, tive três projetos aprovados, mas não consegui captar nenhum. Porque você é aprovado na lei, está apto a captar, vai à porta dos empresários e eles querem uma propina, uma parte do dinheiro, mas nunca concordei com isso.
As pessoas não entendem o papel da cultura, muitos dizem que ela pode acabar e não vai fazer falta nenhuma, mas óbvio que faz. A cultura é um registro do que está acontecendo no momento.
MidiaNews – O que você diria que são as principais demandas da classe artística de Mato Grosso?
André D'Lucca – A pulverização do dinheiro, porque hoje a verba é concentrada na mão de poucos. E não é difícil identificar quem trabalha, quem faz. E diminuir a burocratização dessa questão de documentação.
MidiaNews – E no teatro, o que precisa melhorar?
Marcus Mesquita/MidiaNews
"As pessoas não entendem o papel da cultura, muitos dizem que ela pode acabar e não vai fazer falta nenhuma, mas óbvio que faz"
André D'Lucca – O teatro precisa ser acessível. A UFMT, por exemplo, custa R$ 3 mil a diária e R$ 1,5 mil para artista local. É caro, é muito caro. Não temos incentivo nenhum. É difícil levar público ao teatro, é muito difícil. Temos raras exceções. O Nico e Lau, por exemplo, lotam sempre, mas nem todo artista é assim. Tínhamos que ter verba para produzir nossos trabalhos, verba para pesquisa, acesso aos espaços. É um absurdo o teatro da Assembleia Legislativa ser R$ 4,5 mil a diária. Lá é a casa do povo. Agora, trocou o presidente e ficou mais difícil ainda.
MidiaNews – Qual o próximo passo da Almerinda? Seus projetos para este ano?
André D'Lucca – A Almerinda vem agora com seu canal no Youtube. O meu tema é muito focado aqui, muito regional. O que a Almerinda tem abordado, ultimamente, não rompe as barreiras do Estado e o canal dela é para romper isso. Seria a Almerinda dando dicas de como enriquecer na vida, como segurar o marido, como lidar com ciúmes, como votar certo. Coisas que todos têm interesse, não só falar do político que está à frente da gestão atual. Porque eu acabei restringindo a Almerinda ao cenário político daqui e muita gente criou raiva da personagem. Porque, quando falo de um político, não é só ele que estou provocando, estou provocando ele, a família dele, os amigos, os eleitores, os assessores. Então, às vezes, estou falando de um, mas tem 200 com ódio da minha cara e eu nem sei.
MidiaNews – Mas eles não entendem que você está fazendo uma sátira do político, e não do cidadão, da pessoa?
André D'Lucca – Não entendem. Gosto do Pedro como pessoa. Sempre tive uma relação normal, até o momento em que comecei a fazer crítica. Depois disso, ele passou a torcer o nariz quando me encontra. Na última vez, o encontrei, ele estava atendendo bem todo mundo, eu me aproximei e ele fechou a cara, apertou a minha mão de uma forma muito burocrática. Pedi para tirar uma foto, por uns três segundos ele ficou parado, vacilou. Perguntei se ele ia se recusar e ele acabou tirando, mas totalmente incomodado com a minha presença.
MidiaNews – Voltando à sua agenda, quais seus outros projetos para este ano?
André D'Lucca – A minha escola de teatro. Ano passado foi o mais difícil da minha vida. Nos primeiros seis meses, ganhei R$ 4 mil, algo que eu ganhava em um evento. Há alguns anos, fiz quase 30 eventos de fim de ano. Guardei um dinheiro em 2015 para comprar um carro em 2016, mas não tinha trabalho e eu fui usando o dinheiro e o ano não virava.
Fim de ano fiz um evento apenas. Cheguei à conclusão de que precisava inventar um novo projeto em Cuiabá, senão iria falir e o insight foi a escola de teatro. Era um sonho meu antigo, mas imaginava outra estrutura, um lugar gigante, não em uma casa, como estou fazendo. Gira pouco dinheiro, tenho 10 alunos, por três semanas, com um investimento de R$ 250. E esse dinheiro não é para mim, é para aluguel, luz, água, internet. E no final desse período, apresentamos isso em sessões e o aluno recebe de volta uma parte da bilheteria. Então, não viso lucro, óbvio que preciso, mas não é o objetivo principal. Recebi, também, um convite para viajar para algumas cidades do interior, através da deputada Janaina Riva. Vou a 18 cidades e apresentar meu trabalho. Quero ministrar cursos no interior.
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34 Comentário(s).
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Clara - Cuiabá 09.02.17 08h22 | ||||
Admiro e sou fã. Do ator e da personagem Almerinda. Parabéns pela coragem de falar a verdade, nada mais do que a verdade. | ||||
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Eduardo Zigora 03.02.17 19h19 | ||||
Pessoalmente, nunca gostei dos trabalhos desse ator, mas admiro sua coragem e dedicação. Precisamos de mais pessoas que nos apresentem a classe política como de fato é. Percebi na entrevista que o mesmo começou a ter humildade, isso é bom, está evoluindo, talvez em razão da idade. Nada somos e apenas unidos somos fortes. | ||||
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Andre Wilker de Almeida Neves e Souza 03.02.17 16h41 | ||||
conheço o André ja tem 17 anos e ele sempre foi assim uma pessoa de atitude e inconformado como somos governados meus parabéns tchára | ||||
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joão Silva 30.01.17 21h46 | ||||
Esse tem meu respeito e admiração, não sou muito simpático a artistas, mas esse eu respeito. | ||||
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Julio Arrais 30.01.17 18h41 | ||||
Muito sóbrio este artista. É um formador de opinião e deveria ser respeitado como um grande ator que é e também como um ser humano exemplar. Tem minha torcida e meu respeito. | ||||
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