Nos Salmos encontramos a seguinte indagação irrespondível: Será que vocês juízes fazem justiça? No sistema jurídico, uma sentença deve ser constituída, baseada nos elementos dos autos, nos quais se assegura igualdade de defesas.
Resumindo: O autor apresenta sua inicial, a qual é respondida pelo réu, provas são produzidas e, ao fim, um julgado fundado nesses discutidos elementos é prolatado, reconhecendo ou negando o direito, totalmente ou parcialmente. Mas, indaga-se? E se os procuradores das partes não são equiparados. Se um for preparado e o outro medíocre, restringindo o bom direito. O resultado foi justo?
Sei de casos que o juiz penalizado com a deficiência do trabalho apresentado, olvidando a imparcialidade, a fim de contrabalançar as defesas, no seu despacho chegava a citar a presença de matéria não suscitada, que se alegada direcionaria o feito a tal conclusão. Pode-se censurá-lo por socorrer o menos favorecido e querer ser justo?
Observei, em nível nacional, julgadores brilhantes, enquadrando-se em diversos perfis de atuação. Uns exclusivamente técnicos, se baseavam na jurisprudência, na lei, deixando a flexibilização de lado. Se o direito contrariasse a norma ou a jurisprudência a pretensão era negada. Em contrário, se receptivo a elas, a lide seria vitoriosa. Eram tidos como frios, inflexíveis a fatos diversos, mesmo relevantes.
Em alguns casos, já na inicial de uma lide, poder-se-ia antever o resultado. Outros se escoravam também na jurisprudência e lei, mas flexibilizavam o entendimento, apoiando-se também em circunstâncias ou fatos relevantes, que mitigavam o rigor da norma e acabavam por dar uma conclusão menos técnica, porém mais justa ao pleito em detrimento da própria lei. Alguns diziam, tal magistrado é muito humano.
Em situação antagônica se situavam os radicais. Alguns se aproximavam da linha do direito alternativo iniciado e estancado no Judiciário. Ele funcionava mais como outorga de um direito social do que uma análise objetiva das alegações apresentadas.
No entrechoque entre o grande e o pequeno, prevalecia um julgado em favor do último. Certa ocasião uma juíza do trabalho me disse: "Só julgo em favor do trabalhador!". Citei em desacordo um trecho do Lev. 19,15: "não sereis injustos em vossos juízos: não favorecerás o pobre nem terás complacência com o grande: mas segundo a justiça julgarás". Ela leu, ficou surpresa e muito meditativa.
Nesse perfil radical, se enquadram aqueles que colocam sua paixão no desate do pleito. Muitos entendem que a justiça só se concretizará se houver condenação ou supressão de um direito e às vezes se tornam solidários com o órgão acusador, o que é um desrespeito à imparcialidade.
Na linha dos radicais se identificam os que flexibilizam de tal forma os dispositivos de lei, a jurisprudência, favorecendo de tal forma os menos afortunados, ou os grandes, que as regras proibitivas ou afirmativas se tornam nulas. Dois julgamentos são citados no evangelho. O de Salomão em I Reis 3,16 a 28 e Dan. 3,1 a 64 no caso de Suzana. Em ambos se observa o uso da malícia, da psicologia, de forma a buscar a verdade, dar solução segura, justa e apenar os infratores.
Censura merecem os julgadores ávidos do holofote. Via de regra são destemperados nas suas medidas repressivas e preventivas, as quais buscam em parte o estrelismo e por falta de respaldo jurídico ocasionam tantos irreparáveis danos. Nesse perfil se destaca a prepotência a disfarçar a carência de preparo jurídico. Censurável, também, são os sensíveis ou insensíveis, em demasia, ao noticiário e à opinião pública, desvinculando-se de uma boa análise do contencioso para se deixar guiar por fatos alheios ao discutido nos autos, mas midiáticos e de repercussão.
Mas, se nossa justiça é falha, pois, só Deus é que sabe dos fatos ocultos, das verdadeiras causas geradoras dos conflitos, ela é a única que temos e uma sociedade sem limites não pode subsistir e se desenvolver. Assim, seja este ou aquele o perfil do julgador, melhor é exercê-la com seriedade, com vontade de acertar, sem tendências parciais e assim ela será exercida como um sacerdócio.
LICÍNIO CARPINELLI STEFANI é desembargador aposentado e advogado.
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2 Comentário(s).
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Jorge Maciel 12.07.10 18h38 | ||||
Brilhante relato, brilhante explicação, para um pensador brilhante. Realmente, como sustenta o autor, alguns radicais acham que se faz Justiça apenas quando alguém é apenado. Outros também não vêem que o juiz apenas julga consoante as leis, que não são elaboradas por eles. Um magistrado a quem conheço me disse uma vez: é como no futebol, se a regra diz que derrubar na área é pênalti, então assinala-se o penal. Muito bom artigo, parabéns! | ||||
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Pedro Pereira 12.07.10 13h48 | ||||
Des. Licinio belo editorial, mas nem sempre na pratica é como se pratica, o certo é que "DEUS" escreve certo em linhas tortas e a cada um ele da o frio de acordo com o cobertor, e todos temos a nossa cruz de cada um e de cada dias para carregar... | ||||
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