Cuiabá, Sexta-Feira, 19 de Setembro de 2025
RENATO MOLINA
19.09.2025 | 05h30 Tamanho do texto A- A+

Amarelamos em setembro (de novo!)

Falar sobre saúde mental é falar sobre perspectiva de vida, sobre esperança

A história do “setembro amarelo” se inicia nos EUA, mais precisamente no ano de 1994, com o suicídio do jovem Mike Emme, de apenas 17 anos. Em seu velório, ele foi lembrado por sua afeição por carros, especificamente por um que ele mesmo havia restaurado, um Mustang 1968, de cor amarela. Na lembrança, seus parentes e amigos distribuíram fitas amarelas, com frases indicando a busca por ajuda, em caso de necessidade.

 

Abordar o tema “saúde mental” de modo isolado, sem considerar o contexto no qual as pessoas estão inseridas, é uma forma de “amarelar” sobre o assunto, recorrendo a um trocadilho que todos os brasileiros entendem.

 

A campanha se tornou oficial no Brasil recentemente, com a sanção da Lei 15.199 de 2025, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, publicada no Diário Oficial da União do último dia 9, que institui oficialmente a campanha Setembro Amarelo no país, com o objetivo de promover a conscientização sobre saúde mental, combater o estigma e incentivar a busca por ajuda. A norma também estabelece 17 de setembro como o Dia Nacional de Prevenção da Automutilação e, 10 de setembro, como o Dia Nacional de Prevenção do Suicídio (agência Senado).

 

Já não parece mais possível ser indiferente à campanha, não apenas pela sensibilidade e relevância do tema, mas, também, pela publicidade em torno dele. As estatísticas sobre o assunto também chamam a atenção. Dados mais recentes da OMS (setembro de 2025) apontam que mais de 1 bilhão de pessoas vivem com transtornos mentais ao redor do mundo, sendo os transtornos de ansiedade e os depressivos os de maior número. Destaca-se ainda, no relatório, o indicativo de que em países desenvolvidos o número de pessoas com acesso a tratamento se aproxima de 50%, enquanto, nos países de baixa renda, esse número é inferior a 10%. A disparidade entre o acesso a tratamento é gritante, assim como é o número de pessoas que, mesmo nas melhores condições, não têm acesso ou não recorrem ao tratamento.

 

O fato para o qual quero chamar a atenção aqui se refere, provavelmente, ao último estágio de um longo e doloroso processo, o da patologização. É claro que quando abordamos o tema “saúde mental”, o estabelecimento de um quadro psicopatológico se mostra multifacetado, com fatores hereditários, biológicos, neuroquímicos, sociais, culturais e de desenvolvimento potencialmente presentes. No entanto, frequentemente, o estabelecimento do quadro pode ser um último nível (ou penúltimo, em um cenário potencialmente trágico).

 

Como profissional de saúde mental, espero que um dia o tema possa ser abordado de maneira contextualizada, pensando em desigualdade social (mais de 70% dos episódios de suicídio no mundo acontecem em países de baixa e média renda), saneamento básico, acesso à educação de qualidade, segurança pública (pessoas frequentemente com medo, ansiosas, de andar por ruas, parques e avenidas das cidades), planejamento familiar, trabalho, emprego e renda (especialmente para os jovens e as mulheres, mães solo, que chefiam 56% dos lares brasileiros e com todas as dificuldades acarretadas por tal condição), acesso a áreas de lazer e natureza (cada vez mais restritos a condomínios luxuosos que preservam áreas verdes), crise de moradia mundo a fora (com valores de aluguel impagáveis para um trabalhador comum nos grandes centros), entre muitos outros fatores, como abuso de álcool, drogas, jogos e relacionamentos abusivos, para mencionar apenas mais alguns. 

 

Falar sobre saúde mental é falar sobre perspectiva de vida, é falar sobre esperança. Sem perspectiva de planos, de projetos, de sonhos, de esperança, só resta a luta, que, com o passar do tempo, é exaustiva, desgastante. Por apenas sobreviver, se amarela no setembro, quando o foco é levado para o fim e não para todos os meios necessários.

 

Renato Molina é psicólogo clínico e servidor público estadual.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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