Controle remoto à mão, estava eu, na última sexta-feira, garimpando vida inteligente na programação noturna da TV, fugindo dos velhos e repetidos filmes ou da gritaria alucinada de "bispos, pastores e apóstolos" das muitas seitas midiáticas que proliferam no vídeo.
Já ia desanimando da missão, preparando-me para dormir, quando deparei, na pequena TV Aparecida (talvez, mais apropriado seria chamá-la de "sumida" diante da concorrência e quase monopólio de audiência das redes nacionais, Globo à frente) com um musical estrelado pela magnífica Maria Bethânia. Um milagre apareceu na Aparecida!
Ver Bethânia no palco e, através de "flash-backs" de uma bem cuidada produção (milagre maior, por se tratar de uma emissora com poucos recursos técnicos), mostrando-a descontraída, despojada mesmo, sem as vestes e a presença mágica de musa, na biblioteca de sua residência, recitando versos de Patativa do Assaré e cantarolando canções do mestre Catulo da Paixão Cearense. Divino!
Se não fosse um modesto cronista que sou e tivesse a vocação, que não tenho, para o colunismo social, diria com todas as letras: Um Luxo! Mais do que isso, diante de tanto lixo cultural imposto a nós pelas televisões brasileiras, é um privilégio ouvir a irmã de Caetano Veloso, acompanhada por bons instrumentistas, cantando preciosidades do cancioneiro brasileiro, como "Bom Dia Tristeza" - letra e música da única parceria feita pelos grandes Adoniram Barbosa e Vinícius de Moraes - e "Gente Humilde", entre muitas outras melodias desestressantes.
Fiz minha catarse, a emoção e o enlevo de ver e ouvir Bethânia me purificaram a alma. Leve, dormi o sono dos anjos. E o que é melhor para a sanidade mental: sem precisar da ajuda de falsos apóstolos e mercadores de Deus que feito praga do Egito invadem, por horas a fio, a programação de vários canais.
Quando não prometem curas miraculosas, se dedicam a expulsar o diabo do couro de pessoas - humildes em sua grande maioria - já psicologicamente abaladas pela pobreza e miséria que, geralmente, rondam suas vidas; pessoas facilmente influenciáveis e, como tal, à mercê da indução de que são pecadoras terríveis e carregam consigo, como berne entranhado no lombo, os agentes do inferno.
E, evidentemente, para se verem livres dessa má e chifrenta companhia, os coitados que lotam essas igrejas, agredidos aos berros e empurrões dos ditos pastores, são submetidos a uma tremenda lavagem cerebral. Nesse processo alienante e irracional, ressalta o histerismo, muitas vezes coletivo, manifestado diante das câmeras. Ao invés de emocionar e sensibilizar, essas cenas chocam e revoltam as pessoas com um pouco mais de neurônios no cérebro.
Especialmente quando o "tirador" de espírito maligno e a suposta vítima do "encosto" estão em falso e visível transe, protagonizando o triste papel de atores medíocres de uma pantomina grotesca com o objetivo de encher as muitas sacolinhas e sacolões desses vendilhões modernos do templo. Cada vez mais ricos e poderosos.
Como, nessas horas, Jesus faz falta... com o chicote em punho, é claro, repetindo a mesma santa ira que O levou a açoitar, em Jerusalém, há mais de dois mil anos, os comerciantes da fé e profanadores que já existiam, a exemplo de agora, naqueles tempos bíblicos.
MÁRIO MARQUES DE ALMEIDA é diretor do jornal e site Página Única.
www.paginaunica.com.br
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