Cuiabá, Quarta-Feira, 10 de Setembro de 2025
JOÃO NEGRÃO
09.07.2010 | 11h39 Tamanho do texto A- A+

O meu Dante de Oliveira

Ex-governador destruiu o sonho de muitos e corroeu a própria história

Acompanhando com muito interesse e saudade matérias e artigos sobre os quatro anos de morte de Dante de Oliveira. Leio e concordo com muito: sua importância para a história recente do Brasil, as Diretas Já, sua liderança estadual e nacional, seu carisma, a figura querida que o "Magrão" sempre foi para aqueles que tiveram o privilégio de em alguns dos momentos de sua vida estar perto dele.

Tive esse privilégio. Conheci Dante numa tarde do longínquo agosto de 1983, me apresentado pelo seu primo e camarada Aluízio Arruda. Mais tarde, já em 84, estive com ele num grande comício pelas Diretas Já em Rondonópolis. Eu, militante do PC do B, clandestino no PMDB, estava lá na organização do evento junto com Percival Muniz, Moacir Gonçalves, Hermes de Abreu, Osmir Pontin e tantos outros.

Mais adiante, em 85, fui um dos organizadores da caravana que saiu de Rondonópolis com mais de 20 ônibus lotados para ajudar na boca-de-urna da eleição de Dante para a prefeitura de Cuiabá. Era uma sexta-feira de sol muito forte e o termômetro chegou a marcar 47 graus nas proximidades da Escola Senador Azeredo, onde coordenei a minha equipe.

Dali para frente acompanhei, nos bastidores, algumas decisões políticas do PMDB que levaria Carlos Bezerra ao governo do Estado. A eleição de Dante de 85 foi fundamental para o projeto político do PMDB. Nessa época o Brasil vivia o auge e o fracasso do Plano Cruzado e o governo de José Sarney estava numa encruzilhada histórica. Ou avançava, cedendo ao PMDB mais progressista, ou recuava, capitulando diante das forças de direita, tendo o PFL no comando, mais a UDR (União Democrática Ruralista) por fora, ajudando a sabotar o governo para impedir a reforma agrária.

É nesse contexto que Dante de Oliveira se licencia da prefeitura para assumir o Ministério da Reforma Agrária. O governo precisava da liderança de Dante, da sua legitimidade política e do respeito que detinha diante da nação. Mas não deu certo. As forças de direita avançavam à medida que o desgaste de Sarney no rodo do fiasco do Plano Cruzado ia deteriorando sua base política até afetar profundamente o PMDB. O resultado foi a saída de setores mais progressistas na época, que criaram o PSDB (em 88) ou migraram para partidos mais à esquerda. Dante foi para o PDT.

Candidato a deputado federal pelo PDT, em 1990, Dante foi o mais votado, com mais 90 mil votos, mas o partido não atingiu o quociente eleitoral. Fui coordenador da campanha dele em Rondonópolis. Dois anos depois ele seria eleito novamente prefeito de Cuiabá. Participei da campanha somente como militante e depois assumi o cargo de coordenador de Comunicação, na Secom.

Foi a partir daí que vi aquele meu Dante, o Dante progressista, a liderança de centro-esquerda mais importante e respeitada do país, o homem que ajudou a derrubar a ditadura militar, que foi fonte de inspiração para toda uma geração, foi ali na convivência diária com ele que vi tudo isso desaparecer. Dante começou a se perder na política a partir daí, desde composição de seu staff.

Não somente o secretariado, mas também os que orbitavam nele e em sua administração. Era ele e seu grupo de amigos, irmãos e dirigentes partidários de sua estrita confiança que de fato mandava. Seu projeto político de ser governador, gestado pelo menos seis anos antes, ganhava fôlego. Mas não era exatamente um projeto de seu partido e das forças políticas que o apoiavam. Era um projeto de um grupo oligárquico.

Seu primeiro governo foi a mais pura expressão de um governo oligárquico, um grupo que se fechou na administração do Estado e mandou e desmandou. O segundo governo, já tendo Dante no PSDB, foi um pouco mais aberto, mas era a mesma oligarquia que ditava rezando pela cartilha neoliberal que levou ao desastre do desmantelamento do Estado e a entrega de duas de nossas mais importantes empresas estatais: a Cemat e o Bemat.

Conduzindo-se como se às cegas na sanha privatista, Dante viveu, a meu ver, momentos ridículos, repetindo gestos como o de bater o martelo e exibir sorridente um cheque simbólico no leilão da Cemat, vendida a preço duvidoso.

O caso do Bemat é ainda mais grave. O Banco do Estado de Mato Grosso foi simplesmente asfixiado até morrer nem mesmo honras de funeral. Um patrimônio jogado no lixo sem nenhuma comiseração. Menos piedade ainda com funcionários e funcionárias, que viram de uma hora para outra suas histórias de longos anos meramente desprezadas. Não foram poucos os suicídios de bematenses.

Esta é uma história de Dante que não há como esconder. Por isso tenho por ele uma mistura de carinho e decepção. Carinho por tudo que ele representou para a minha geração, para mim especialmente que vivi grande prazer e orgulho de compartilhar com Dante a luta política de mais de dez anos. Decepção porque ele destruiu não apenas sonhos de muitos de nós. Corroeu sua própria história política. Dante de Oliveira não merecia isso. Só lamento que ele poderia ter se redimido, mas a morte o encontrou prematuramente.

JOÃO NEGRÃO é jornalista em Cuiabá.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do MidiaNews. 

 

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marcos antonio da silva campos  09.07.10 21h46
As privatizacoes foram necessarias e importantes para aquele momento reestruturacao do estado,o estado nao tem competencia para gerenciar o basico para as pessoas,como quer gerenciar empresas.
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bonifacio do cai cai  09.07.10 19h59
Parabens ao Jornalista joão Negrão por expressar tão bem o seu sentimento historico pelo Patrono das diretas. Somente pessoas que nunca tiveram interesse pessoal consegue sintetizar a mudança na carreira politica de Dante. O fim de carreira de dante foi camaleonica.
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FRANCISCO BAYMA  09.07.10 19h40
JOÃO! QUE ISSO CARA! VOCE FOI BEM ATÉ QUASE O FINAL DEPOIS DEIXOU QUE ESPÍRITO DE HENVER ROCHA OU LENIN CAIR POR TERRA....... OLHA NÃO SE PODE NEGAR NUNCA QUE O DANTE FOI O QUE FOI, É O QUE É, E QUE SEMPRE SERÁ...... UM MITO NA HITÓRIA POLÍTICA DO NOSSO PAÍS E DO MUNDO. ENQUANTO NÓS SEREMOS APENAS SIMPLES MORTAIS. RECONSIDERE SUA MATÉRIA. BAYMA
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Cristina  09.07.10 19h17
Chutando cachorro morto, que feito. E ainda tem coragem de chama-lo de "meu Dante". vOCE esta mais para rei morto rei, rei posto. Para seu governo, caro jornalista, a CEMAT e BEMAT, era um poço sem fundo, cabite de empregos, juntamente com as "mates" de Mato Grosso, salarios altissimos, beneficios sem fins, uma verdadeiro trem da alegria. E o Linhão até deo Nortão. Dante fez historia. Foi corajoso em demitir , seguindo a Constituição Federal, dentro dos principios. Quem será o proximo a ser chutado???
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Marcelo  09.07.10 18h16
O que aconteceu com DANTE é o que acontece com todos que possuem uma ideologia mais socialista e humana antes de assumirem o poder. Depois de conquistarem seus cargos eletivos mudam de opinião e passam pensar apenas em si e num grupo seleto de amigos, fazendo os tradicionais saques aos cofres públicos, que foi exatamente o que aconteceu com o ex-governador. O artigo reflete bem essa realidade.
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