Parte do dinheiro de um acordo judicial de R$ 308 milhões pago pelo Governo de Mato Grosso foi parar em um fundo de investimento autorizado a financiar obras de um hotel em Cuiabá que pertence ao empresário Fernando Robério de Borges Garcia, pai do secretário da Casa Civil, Fábio Garcia (União Brasil).
O caso, que é investigado pelo Ministério Público, foi revelado após suspeitas de que o acordo teria beneficiado pessoas ligadas ao governador Mauro Mendes (União Brasil). O gestor desses fundos, de acordo com documentos enviados a órgãos de investigação, também gere fundos que investem em empresas da família do governador.
Mauro Mendes diz que todos os fundos já responderam oficialmente ao Ministério Público de Mato Grosso e declararam não possuir ligações com seus familiares.
Os pagamentos feitos pelo Governo de Mato Grosso se referem a uma disputa jurídica iniciada em 2009 com a Oi e buscam ressarcir a empresa por valores cobrados pelo estado por um diferencial da alíquota de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
A Oi afirma que, em 2023, cedeu os direitos creditórios ao escritório Ricardo Almeida Advogados Associados. Ao receber os direitos, Ricardo Almeida negociou com a PGE (Procuradoria-Geral do Estado) o valor atualizado, que seria de R$ 308 milhões. O acordo foi homologado em abril de 2024.
O ressarcimento começou a ser feito no ano passado. O dinheiro foi originalmente transferido pelo estado, a pedido de Ricardo Almeida, para os fundos Lotte Word Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios e Royal Capital Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios. Cada um recebeu metade do valor total, cerca de R$ 154 milhões.
Documentos obtidos pela reportagem mostram que parte do dinheiro foi parar no Golden Bird Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, um fundo destinado à compra de créditos da recuperação judicial da empresa Engeglobal Construções Ltda, que pertence a Robério Garcia.
Ele é pai do secretário da Casa Civil e deputado federal licenciado Fábio Garcia, que também é aliado e sócio da família do governador.
Um mês antes de Ricardo Almeida receber o dinheiro dos créditos da Oi S.A., o fundo Golden Bird registrou em suas demonstrações financeiras de 2022 e 2023 —publicadas em março de 2024— que detinha R$ 66 milhões dos créditos "referentes à ação da Oi".
Além de comprar créditos da recuperação judicial, o Golden Bird foi autorizado, em dezembro de 2023, a emprestar R$ 15 milhões para a Engeglobal concluir o Cuyaba Golden Hotel, um hotel de luxo localizado no centro administrativo de Cuiabá.
A Engeglobal entrou em recuperação judicial em 2018 e, desde então, não conseguiu concluir a obra.
O crédito que o Golden Bird registrou em suas demonstrações financeiras foi comprado por R$ 81 milhões da Oi S.A., segundo informou a própria companhia.
Outro documento que comprova que o crédito da Oi foi parar nas contas do fundo ligado à Engeglobal foi publicado pela Lotte Word Fundo de Investimento na CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Segundo o documento, o Lotte Word realizou "contrato de cessão" com o fundo Golden Bird envolvendo os valores da ação judicial da empresa de telefonia.
Depois de receber o dinheiro dos créditos da Oi S.A., o fundo Golden Bird realizou uma cisão, em fevereiro de 2025, e transferiu R$ 26 milhões para um novo fundo, o Silver Bird Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, que tem como gestora a empresa Positiva Investimentos Ltda.
Meses antes da cisão, em agosto de 2024, a Positiva Investimentos havia sido autorizada pela Justiça de Mato Grosso a emprestar R$ 20 milhões para a Engeglobal concluir o hotel de luxo.
Em um pedido sigiloso à Justiça ao qual a reportagem teve acesso, a construtora afirmou que o primeiro empréstimo, que seria firmado com o fundo Golden Bird, "não se concretizou por desarranjos comerciais no momento da sua perfectibilização".
Outro lado
Em nota, o governador Mauro Mendes disse que todos os fundos afirmaram oficialmente ao Ministério Público que não têm ligações com seus familiares.
O empresário Fernando Robério Garcia afirmou que não houve empréstimo dos fundos Silver Bird e Golden Bird para a Engeglobal e também negou ter realizado empréstimo com a Positiva Investimentos.
Em nota, a assessoria da empresa Positiva Investimentos, gestora do fundo Silver Bird, afirmou que o fundo não detém operação relacionada a financiamento imobiliário.
Declarou ainda que a cisão foi realizada depois de a empresa ter sido autorizada a realizar o empréstimo para a Engeglobal e que "não existe qualquer correlação entre o pedido de concessão de financiamento encaminhado e as operações do Silver Bird".
O escritório Ricardo Almeida Advogados Associados afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto.
A Acura Capital afirmou ser gestora do Royal Capital Fundo de Investimento em Direitos Creditórios e do Lotte Word Fundo de Investimento em Direitos Creditórios e disse ambos que não realizaram nenhuma operação de financiamento ligada direta ou indiretamente a entidades governamentais, incluindo qualquer operação para financiamento do Cuyaba Golden Hotel.
"Gostaríamos de salientar que a Acura Capital sempre atua com os mais elevados padrões de governança, sempre em observância as leis e demais dispositivos legais aplicáveis", completa a nota.
A Acura ainda afirma que não tem qualquer ligação política em nenhuma esfera.
A Oi S.A. declarou em nota que está colaborando integralmente com as autoridades competentes e levantando informações sobre a operação, que foi conduzida e concluída sob a gestão anterior.
"Atualmente, a companhia conta com uma nova administração, que vem trabalhando na implementação do seu plano de reestruturação. No que se refere ao processo judicial mencionado, a Oi reitera que não comenta ações em andamento", diz o comunicado.
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