O diretor da Penitenciária Desembargador Flósculo da Nóbrega, Edmilson Alves, o “Selva”, lamentou a morte de Gerson de Melo Machado, conhecido como Vaqueirinho (foto em destaque), mas afirmou que já havia alertado sobre os transtornos mentais do rapaz, dias antes de ele invadir a jaula de uma leoa e ser morto, e disse que o caso era uma “tragédia anunciada”.
Em vídeo divulgado nas redes sociais, o diretor aparece ao lado do chefe de disciplina da penitenciária, também conhecida como Presídio do Róger, e falou sobre Vaqueirinho.
“A gente sabia que era uma tragédia anunciada. Vaqueirinho sem o devido tratamento, sem acompanhamento, então está aí o resultado. Infelizmente, a gente via que o raciocínio dele era de uma criança de 5 anos”, afirmou o chefe de disciplina do Presídio do Róger, identificado no vídeo como Yves.
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“Não processava tanto. Tudo era condicionado a troca, a bombons, algo do tipo, para ele não se rebelar. Mas era fácil de lidar com ele desse tipo. Precisava de uma atenção maior”, emendou.
Em 26 de setembro, Selva divulgou outro vídeo em que alertava sobre a condição de Vaqueirinho:
“Quem conversar com Vaqueirinho 10 minutos, cinco minutos, vai saber que ele não é uma pessoa normal. Vaqueirinho tem problema, ele é acompanhado, ele tem laudo. O tempo que ele passou no presídio, ele passou sob medicação. Surtou várias vezes, se automutilou, bateu com cabeça na parede, e o Diabo a quatro, porque ele é alguém que tem problemas mentais”, relatou o diretor.
Ele acrescentou que Vaqueirinho foi internado diversas vezes: “Ele [Vaqueirinho] é um preso que tem problemas mentais. Da última vez que ele saiu do Róger, vivia pedindo caixa de som para cantar. Como não iria receber essa caixa de som, foi pego na rua na primeira oportunidade: ele furtou uma caixa de som. É um preso que tem essa cabeça”.
De acordo com o diretor Selva, “ninguém da família queria [ficar com Vaqueirinho], a avó não queria, o pai não queria, ninguém queria”.
O que aconteceu?
Um rapaz, identificado como Gerson de Melo Machado, de 19 anos, morreu após invadir a jaula de uma leoa em João Pessoa, na Paraíba.
O jovem apresentava transtornos mentais. Ele acumulava 16 passagens na polícia, principalmente por dano e pequenos furtos.
Relatos de policiais que lidaram diretamente com Gerson mostram que ele repetia, de forma insistente, o sonho de ir à África e cuidar de leões.
Segundo Edmilson, ele afirmou não “romantizar” a situação e ressaltou que o relato “é só para refletirmos que era um cara que tinha problemas mentais”.
“A gente alertou. Agora, eu posso dizer uma coisa para vocês: com certeza, a nossa parte, do sistema penitenciário, nós fizemos”, concluiu o diretor.
Em nota oficial, a Prefeitura de João Pessoa informou que o rapaz morto pela leoa “escalou rapidamente uma parede de mais de 6 metros, passou pelas grades de segurança, usou uma árvore como apoio e entrou no recinto da leoa”.
A administração municipal declarou que já iniciou a apuração das circunstâncias do caso, manifestou solidariedade à família da vítima e reafirmou que o zoológico segue todas as normas técnicas e de segurança.
Trajetória de abandono e pobreza
A morte de Vaqueirinho, que invadiu a jaula de uma leoa em João Pessoa, expôs uma trajetória marcada por pobreza extrema, transtornos mentais não tratados e abandono familiar. A conselheira tutelar Verônica Oliveira, que o acompanhou durante oito anos, diz estar “arrasada”.
Ao Metrópoles ela contou que Vaqueirinho, um jovem que cresceu sem apoio familiar e em condições severas, tinha o sonho de ir à África para “domar leões”.
“Foi uma criança que sofreu todo tipo de violação de direito. Filho de uma mãe com esquizofrenia, com avós também comprometidos na saúde mental, vivia numa pobreza extrema”, relata.
A primeira vez que Verônica o viu, ele tinha apenas 10 anos. Na ocasião, ele foi levado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao Conselho Tutelar, depois de ser encontrado andando sozinho em uma BR. Desde então, passou a integrar a rede de proteção da infância.
A mãe perdeu o poder familiar há anos, segundo a conselheira tutelar, mas continuava sendo procurada pelo jovem.
“Ele, embora estivesse destituído, amava a mãe e sonhava que ela conseguisse cuidar dele. Evadia do abrigo e ia direto para a casa da avó e da mãe”, conta.
Ainda assim, a mãe, diante da condição mental, não conseguia assumir os cuidados do filho. “Ela muitas vezes foi levá-lo ao conselho e dizia que não era mais mãe dele e queria devolvê-lo. Ela também é vítima da mente doente.”
Sonho de “domar leões”
Desde pequeno, ele repetia o desejo de viajar para a África e “domar leões”. Verônica conta que o sonho foi mencionado por ele diversas vezes nas conversas no Conselho Tutelar.
Em uma das situações mais graves, o adolescente tentou acessar um avião clandestinamente, episódio relatado por ela nas redes sociais.
“Você dizia a mim que ia pegar um avião, ir a um safari na África e cuidar dos leões. Você ainda tentou, mas agradeci a Deus quando fui avisada pelo aeroporto que você tinha cortado a cerca e tinha entrado no trem de pouso do avião da Gol. Dei graças a Deus, porque observaram pelas câmeras que havia um adolescente, antes que uma desgraça acontecesse”, escreveu.
Para Verônica, a tragédia deste domingo encerra uma vida marcada por desamparo.
“A história dele é a de um menino que só queria conhecer a África para domar leões. Percebeu tarde demais que a leoa não era uma gata e que não conseguimos domá-la sem conhecimento. Mas ele não tinha juízo suficiente para isso”, lamentou.
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