Filho e neto de umbandistas, o pai Bosco de Xangô, hoje um babalorixá do candomblé (uma espécie de sacerdote), conheceu o preconceito contra as religiões afrobrasileiras na pele ainda na infância. Chamado de ‘filho de macumbeiros’, ele tinha dificuldade em fazer amigos. Mas foi na adolescência que ele chegou a renegar a fé para ter amigos.
“Senti essa necessidade. Eu preciso viver em comunidade, seja ela espiritual, sindical ou religiosa. Mas com o tempo assumi a minha religião”, explicou Bosco, que também é professor efetivo de História na rede estadual de educação.
O preconceito fez com que Bosco utilizasse não só seus conhecimentos de babalorixá e também de professor, para promover entre os frequentadores da casa de candomblé que administra ainda mais estudos sobre essa religião.
"Muitos candomblecistas passaram a assumir a identidade, deixando as camuflagens de lado, ao se declarem católicos ou espíritas. Espírita para mim são kardecistas, o que é muito diferente do candomblé"
Ele avalia que, com o avanço das igrejas neopentecostais, na década de 80, houve um aumento da intolerância contra as religiões de matriz africana, associando o culto e os rituais do candomblé ao mal fazer, a demonização, a barbárie, mesmo tendo expoentes da cultura brasileira declaradamente do candomblé, como Jô Soares, Gilberto Gil, Jorge Amado, Zélia Gattai, Gal Costa, Raul Seixas, dentre outros.
Durante a construção da Casa de Xangô, evangélicos derrubaram os muros por não aceitar um local de dedicação aos orixás, no bairro Jardim Universitário, na Capital.
“Eles vinham fazer cultos aqui na frente, entregavam panfletos para os frequentadores da casa. Nós não precisamos nos converter ao cristianismo, nós já temos a nossa convicção”.
Entender a religião e os porquês dos rituais envolvendo sacrifício de animais e aprofundar os conhecimentos nos orixás seria a saída para que muitos candomblecistas pudessem sair da sombra do catolicismo e do sincretismo religioso e passassem a assumir a sua fé, opina.
“Tem muitos que renegam a fé para manter a empregabilidade. Muitos candomblecistas passaram a assumir a identidade, deixando as camuflagens de lado, ao se declarem católicos ou espíritas. Espírita para mim são kardecistas, o que é muito diferente do candomblé”, argumentou.
Bosco resolveu, então, tirar o véu que paira sobre o candomblé e, na semana passada, realizou o I Seminário Candomblé – Religião de Resistência no Brasil, realizado na pelo 'Egbé Omorisá Sangó e a Associação Cultural Ébano Brasil.
O objetivo foi abordar as dificuldades e o cotidiano das casas de candomblé no Brasil, que ainda enfrentam o preconceito estabelecido em relação às religiões afro-brasileiras.
Dentre os temas estavam "O Candomblé e o Candomblecista no século XXI", "Casa de Candomblé - que espaço é esse?", "Mulher e Candomblé" e "O toque de Sangó - alujá: que ritmo é esse?".
O seminário antecedeu a festa em homenagem ao orixá Xangô, considerado no candomblé como o "grande rei de Oyô", região da África de onde vieram os negros escravizados no Brasil.
Conforme o Censo 2010, em Mato Grosso 379 pessoas assumiram ser praticantes de candomblé. Em Cuiabá, apenas 51 pessoas. Várzea Grande e Rondonópolis são os locais onde há mais membros, com 143 e 141 praticantes, respectivamente.
Mas, o número pode ser bem maior do que o informado oficialmente. O candomblé tem cinco nações: Ketu, Angola, Jêje, Jêjeefon e Ijexá. As três primeiras existem em Cuiabá. Apenas da nação Ketu, há três casas na Capital - uma delas é a Casa de Xangô.
Filha de santo
Mary Juruna/MidiaNews
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Advogada é uma yiawo, uma filha de santo
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A advogada Iandra Santos Moraes, 24 anos, é uma yiawo (filha de santo), iniciada no candomblé há três anos e a primeira filha da Casa de Xangô. Natural de Campinápolis, ela teve contato com o kardecismo ainda nessa cidade e, quando veio fazer faculdade de Direito em Cuiabá, teve contato com a umbanda. Em uma dessas idas, uma das entidades disse para ela conhecer o candomblé.
Em Campo Grande (MS), durante uma festa do candomblé, ela ‘bolou um santo’, ou seja, foi escolhida por um orixá e teve um desmaio, um sinal da escolha para ser iniciado. Sem entender o que aconteceu, ela voltou para Cuiabá e, depois de um tempo, aceitou ser iniciada.
Como uma espécie de batismo, as mulheres têm a cabeça raspada. No começo a mãe dela não aceitou muito a ideia, mas quando percebeu as mudanças na vida de Iandra, de abdicar de festas e do álcool, passou a aceitar mais.
A advogada mora há cerca de dois meses no Rio de Janeiro, onde trabalha em um escritório de advocacia. Como é advogada, sabe que não pode ser demitida por uma escolha religiosa. Ela tem consciência de que pode vir a ser alvo de preconceito, mas já está preparada para isso.
Iandra se lembra de um episódio durante a faculdade, sobre o preconceito sofrido por sua escolha. Ela começou a usar uma espécie de lenço (ojá) na cabeça e vestia-se branco. Os amigos mais próximos sabiam o porquê, mas a maioria dos colegas achou que ela estava com câncer.
Como era época da Copa do Mundo, ela foi questionada em sala de aula se usava o lenço em alusão à África do Sul e foi quando assumiu ser candomblecista para a turma. A surpresa negativa foi de uma colega evangélica que passou a evitá-la e questionar os outros colegas por manter amizade, perguntando se não tinham medo de abraçá-la e pegar uma doença, já que ela ‘pactuava demônios’.
“Meus amigos sabiam da minha escolha e foram firme ao meu lado, e a menina ficou bloqueada de chegar perto de mim e de falar sobre mim”.
Rituais do candomblé
Ao se adentrar numa casa de candomblé existe todo um ritual para os iniciados na prática. Quem não é estranha tudo. Mas para cada ato existe uma explicação.
Mary Juruna/MidiaNews
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Os atabaques são comandados por ogãs, homens que não incorporam os orixás
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O iniciado deve entrar no portão, segurar uma caneca, pegar a água em um pote de barro, girar a caneca na cabeça e atirar a água no chão. Assim, fica pronto para deixar o mundo profano e adentrar na área dos orixás.
No Brasil são cultuados 16 orixás. Estes por sua vez, são forças representadas pelos quatro elementos: ar, fogo, terra e água. Na África, em especial na Nigéria e Bênin, são 256.
Os africanos na condição de escravizados e trazidos para o Brasil também trouxeram o culto aos orixás. Eles resolveram recorrer mais aos que ele se identificavam devido as condições de vida, como Oxossi (da caça), Yemanjá (Grande Mãe), Xangô (Senhor da verdade e Justiça), dentre outros.
Em quase todas as casas de candomblé há jardins em homenagem a Ossain, orixá da botânica que ajuda a colher a erva no período certo. Os rituais do candomblé exigem o uso de ervas sagradas. E há quartos dedicados aos orixás. Ainda restam construir mais espaços a todos os 16.
Há também uma espécie de oferenda nas áreas das casas, que é um contra axé, ou seja, para evitar a entrada de energias ruins. Um dendezeiro é plantado na porta como um contra axé natural.
O sacrifício de animais também é uma prática do candomblé. A explicação do babalorixá é de que a imolação serve como uma espécie de renovação da vida e alimenta a força cósmica da natureza.
O ritual da imolação não é prática diária, mas realizada em ocasiões especiais e o sangue do animal é colocado aos orixás, mas a carne é aproveitada para alimento dos frequentadores das casas e, as penas, usadas nos altares. Tudo é aproveitado.
As mulheres e o candomblé
Mary Juruna/MidiaNews
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Mãe Angela de Ogum e o balarorixá Bosco de Xangô falando sobre a importância da mulher no candomblé
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Cuiabá é quase uma exceção no Brasil, onde as mulheres, as chamadas yalorixás (sacerdotisas como os babalorixás), são as principais dirigentes do candomblé no país. As três expoentes são Mãe Menininha do Gantoá, Dona Ana de Ogum e Mãe Estela de Oxossi.
As mulheres têm um papel muito importante dentro do candomblé, pois foi por meio delas que a religião foi preservada. Durante a escravidão, elas habitavam na casa grande e foram mantendo seus rituais, enquanto os homens eram obrigados aos serviços pesados.
“Como o candomblé tem muita relação com a fertilidade, a mulher já nasce com essa importância dentro da religião, ela já nasce com o axé”, explicou Mãe Ângela de Oxum, também professora da rede estadual.
Comentários (19)
Também sou filho desta casa maravilhosa, mas moro em campo grande ms, à um ano e meio, mas todas as vezes que me dá um tempinho estou em cuiaba mt, parabéns meu babá um beijão de seu filho dofono d\'lufan
enviada por: wellington weiss sant agostino Data: 30/07/2013 21:09:55
É muito bom fazer parte dessa famÃlia! Fico muito feliz de podermos divulgar na mÃdia nosso trabalho e nossa fé... Que todos os Orixás iluminem sempre nosso caminho... Axé a todos....
enviada por: Yaroba Suzi d\' Oxum Data: 30/07/2013 20:08:08
O Brasil não tem uma religião oficial, entretanto o livre-arbÃtrio de consciência de crença, de exercÃcio dos cultos religiosos e a garantia da proteção dos locais de culto fica ainda só no âmbito das formalidades, pois as religiões que não têm estatutos avalizados pelo poder estatal sofrem com a intolerância, sobretudo as de Matriz Africana; falta Reconhecimento: estamos longe de ser um Estado Laico de fato, porém mesmo contramão ah se tod@s (romanos, históricos, pentecostais, neo e demais) espalhassem o bem quanto você Bosco querido!
enviada por: Rosimar Pereira Data: 30/07/2013 10:10:22
Segundo a biblia sagrada a verdade é uma só: Disse Jesus eu sou o caminho a verdade e a vida, ninguem vem ao pai se nao por mim.. E outra, Cristo disse que: O diabo tem poder inclusive de se apresentar como anjo de Luz....
enviada por: marlos Data: 29/07/2013 19:07:24
Grande pessoa, parabéns Tio e que o senhor continue fazendo esse belo trabalho. Não só espirituais como de conscientização.
enviada por: Juan Caio Data: 29/07/2013 10:10:31
Uma grande pessoa, um excelente professor, Homem de bem. Nem sabia que era do candoblé,e isso não muda minha opnião. Preconceitos é para os fracos e ignorantes.
enviada por: Andre Data: 29/07/2013 10:10:21
Grande professor Bosco, o melhor professor que tive em história. Aulas espetaculares. Quanto à fé, cada um tem a sua, e todos devemos respeitar.
enviada por: Juscelino Porto Data: 29/07/2013 10:10:06
Bosco, foi meu professor no 2º grau na escola Nilo Povoas entre 1990 e 1992 e , pessoa magnÃfica e excelente professor.
enviada por: Carlos Data: 29/07/2013 09:09:48
Otima matreia! Cada um segue a religião que se identifica melhor e todos devemos respeitar isso. Deus é um só e é de todos.
enviada por: Rafaela R. Data: 29/07/2013 08:08:10
Bosco foi o meu melhor professor de HISTÓRIA que eu tive, ele é muito bom, todos alunos gostavam da aula dele, era só 9, e 10 . o cara é fera ! com ele agente aprende mesmo. ehehhehe
enviada por: Philipe Lisboa Data: 29/07/2013 08:08:07
A palavra de Deus é simples. Só existem dois caminhos. E Ele diz para você. ..venha pois eu te amo Venha como está...tenha um real encontro com Deus...
enviada por: Rodrigo Data: 29/07/2013 02:02:20
Bom!! no prefácio da Constituição Federal diz: promulgamos com a proteção de Deus, ou seja Deus do cristianismo na qual é a maior parte da população Brasileira.
enviada por: Erick Rafael Data: 29/07/2013 01:01:56
Nosso Brasil seria um paÃs perfeito se houvesse, realmente, respeito para com todas as crenças. Ao mesmo tempo que se recebe o Papa para a Jornada Mundial da Juventude, pessoas são rotuladas por sua fé. Parabéns ao amigo Bosco pela coragem de se posicionar. Tenho orgulho de ti. Nunca abaixe sua cabeça pois, sua fé é tão verdadeira como todas as demais. O que falta é conhecimento verdadeiro, por parte dos que criticam.
enviada por: Antonio M. Rodrigues Data: 28/07/2013 23:11:29
Parabéns pela reportagem. Bosco, parabéns pela divulgação e pelo esclarecimento com relação ao candomblé! Te espero no francês!! Carla
enviada por: carla Data: 28/07/2013 20:08:00
Excelente matéria explicativa, conheci o Bosco desde a UFMT quando estudávamos História, tem que se falar mesmo assumir o que existe, afinal vivemos em um PaÃs democrático onde tomos o direito de ir e vir e professar nossa fé.
enviada por: hulda prado Data: 28/07/2013 16:04:07
Que todos os Orisás ilumine nossa caminhada na busca de uma sociedade justa e fraterna, na qual haja respeito a maneira de louvar e crer de todos(as)
enviada por: Bosco Data: 04/08/2013 09:09:51
Iandra meu amor, parabéns pela matéria, não pertenço a sua religião e confesso que pouco conhecia dela, agora através de você estou conhecendo um pouco mais e admiro muito todos vocês que mantem viva toda uma tradição e filosofia bastante bonita e complexa. Parabéns também pela coragem de encarar e aceitar sua fé num pais intolerante onde reina o fanatismo e a ignorância. Como um estudante e interessado pelas manifestações religiosas através da história me confesso encantado com a filosofia e mitologia do candomblé o que esta me ajudando através de um sincretismo com outras culturas, filosofias e mitologias a descobrir a verdade, que para todos é uma só. Que o Grande Arquiteto do Universo ilumine a todos nos. .\'.
enviada por: Felipe Fossaluza Data: 02/08/2013 15:03:13
Meu Pai Muito Asé Babá, Que Tawamim Ilumine suas Caminhadas, e que o Candonblé, Cresça cada vez dentro do estado de mato grosso, H\'aueto .
enviada por: Evaan Capelli N\'Tawamim Mukongo Data: 01/08/2013 21:09:45
Respeito a religião, mas a matança e sacrificio dos animais nao se explicam. Jesus prega o amor e a vida, nao se justifica matar animais.
enviada por: Joao Data: 01/08/2013 10:10:37