Alair Ribeiro/MidiaNews
Com mais de 20 títulos, Cristovão Pinheiro foi o único fisiculturista mato-grossense a fica em 2º lugar no campeonato mundial de fisiculturismo
A história de Cristovão Pinheiro anda lado a lado com a do fisiculturismo no Estado de Mato Grosso. O atleta acompanhou as competições no Estado desde o início e fez com que se tornasse impossível contar a história do esporte em Mato Grosso sem que ao mesmo tempo precisasse contar a sua.
Em 1994, Cristovão Pinheiro entrou pela primeira vez em uma academia de musculação visando adquirir força para ajudá-lo no Judô. O jovem estava na academia só de passagem, já que sua intenção era realmente permanecer em seu esporte.
Com o tempo viu que conseguia desenvolver os músculos com certa facilidade, foi gostando e ficando cada vez mais tempo dentro da academia. Desta forma, acabou abandonando o judô e conhecendo um novo esporte, o fisiculturismo.
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Hoje Cristovão é treinador e personal trainer.
Cristovão contou que em Cuiabá havia uma academia na época que se destacava, pois seus frequentadores eram pessoas com músculos mais desenvolvidos, esta era a antiga Apolo.
O atleta relatou que nessa época as coisas eram mais complicadas e ser um pouco mais volumoso já era motivo de críticas.
“Quando minha mãe ficou sabendo que eu estava treinando na Apolo, ela não queria deixar, porque inventaram uma história de que no bebedouro de lá tinha anabólico”, lembrou Cristovão.
Nos dois primeiros anos de musculação, Cristovão apenas assistiu os campeonatos de fisiculturismo. Mas um ano após iniciar os treinos em academia, iniciou sua primeira preparação para subir aos palcos.
Estreou em 1996, se consagrando campeão mato-grossense na categoria juvenil unificada, que contava com apenas cinco atletas.
Nesse mesmo ano participou do campeonato brasileiro, em São Paulo, e ficou em 6º lugar na categoria juvenil até 90 kg. Mas lá viu que a realidade do esporte fora de Mato Grosso era muito diferente.
“Falando hoje, as pessoas vão achar engraçado, mas a minha dieta foi a base de pão integral, suco de laranja e peito de peru. Na época foi isso que eu comi pra ir competir”.
Nas competições oficiais da International Federation of Bodybuilding & Fitness (IFBB), os atletas pintam o corpo antes das apresentações com tintas específicas e liberadas pela federação.
“Nessa época já tinha pintura pro corpo. Mas a minha pintura foi uma mistura de cenoura, beterraba e urucum, com óleo Johnson”, lembra o atleta, aos risos.
“Quando eu estava fazendo minha apresentação individual, eu estava com número 38 e na plateia teve um cara que gritou ‘Tira esse 38 daí’. Foi engraçado porque eu falei: ‘Poh, eu devo estar ruim mesmo’”.
Em 1997, a vida de Cristovão deu uma reviravolta: ele foi para a Bolívia estudar Medicina.
No primeiro ano no país, competiu pela faculdade em que ganhou bolsa e foi campeão departamental na categoria juvenil em Cochabamba, que é o mesmo que campeão estadual, ganhando também o campeonato nacional, em Santa Cruz.
E em 1998 repetiu o feito no estadual, e foi vice-campeão boliviano na categoria sênior pesada, pois já estava com mais de 90 kg.
“Na Bolívia eu aprendi a treinar e fazer dieta”, contou o atleta.
Em 1999, Cristovão ganhou seu primeiro prêmio em dinheiro, 100 dólares, por ter participado de um campeonato aberto na Bolívia.
“Mas eu até confesso que foi uma coisa meio que arranjada, não que me deram o valor, mas eles sabiam que se eu participasse iria ganhar, e eu precisava desses 100 dólares para terminar minha preparação para o mundial”, disse o atleta.
O fisiculturista acabou não dando continuidade na preparação para o mundial por causa da faculdade e, após esse campeonato, deu uma pausa na carreira.
Cristovão não pôde completar a faculdade, parando no 5º ano, pois contava com a ajuda do pai, que não tinha mais condições de mantê-lo.
“Acho que a vocação dele não era pra ser médico. Eu falei pra ele: ‘Meu filho, tranca a matrícula e vem embora. Venha embora!’ Aí mandei dinheiro pra ele, ele veio embora. Falei: ‘Depois, chegar aqui a gente dá um jeito aí. Depois se quiser voltar, volta’. Quero ver, não quis mais”, disse Constancia Pereira de Godoy Pinheiro, mãe de Cristovão.
O culturista desistiu da Medicina e voltou para Cuiabá em 2001, onde alguns nomes já tomavam conta do fisiculturismo mato-grossense, como Gerson da Jacarezinho, Josevan Clemente e Luciano Karim. Cristovão passou a ir às competições como jurado.
Até 2003, ele relatou que as condições dos campeonatos eram precárias, premiações apenas simbólicas, poucos atletas e público de 6 a 10 pessoas.
Em 2004, Cristovão resolveu participar de última hora do campeonato mato-grossense e foi campeão overall (campeão dos campeões).
“Me arrependo até hoje porque acho que não mereci pelo físico que apresentei, simplesmente fiz dieta de quarenta dias e entrei para competir, foi uma coisa impensada, me arrependo até hoje, por isso nem conto esse título”, lamentou.
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Cristovão foi um dos percussores da mudança de gestão, em 2005.
Em 2005, ele parou mais uma vez de competir e foi intermediário da transição da presidência de Joas Dias para Kinssinger Alencastro, atual presidente da federação.
“Fiz uma reunião na academia do Val, na Barão de Melgaço, juntei todo mundo que gostava do esporte e abri o verbo. Disse: ‘o Kinssiger é um cara interessado e precisamos de todos os documentos possíveis da federação para dar continuidade’”.
Em 2006 alguns atletas começaram a se destacar, como Daniel Rossat – conhecido como Danielzinho, atleta mato-grossense renomado, porém já falecido.
“A gente sempre tinha o mesmo nível de físico. Ele era mais baixo, então era bem mais impressionante, porque a gente tinha mais ou menos o mesmo peso. Mas ele apareceu numa condição física muito boa, que foi onde me interessei em voltar a competir”.
Cristovão foi ao campeonato brasileiro de 2006 para acompanhar o amigo, viu o nível dos atletas e começou a fazer uma grande preparação, perdendo 42 kg em 8 meses.
“Na época, eu trabalhava em academia e trabalhava de segurança. Então era complicado. Falei: ‘Como é que vai ser isso? Como é que vou me preparar pra ser fisiculturista sendo que eu trabalho à noite?’ Então eu tive que abrir mão”, disse o atleta.
Em agosto de 2007, fez sua reestreia, se tornando campeão estadual. Cristovão contou que sua mudança corporal foi tão grande, que as pessoas não o reconheceram ao chegar ao campeonato.
“Quando eu entrei pra competir, todo mundo falou: ‘Cara, esse cara vai dar trabalho pro Cristovão, ele ta bem demais.’ E era eu. Pra você ter uma ideia do nível que ficou, a diferença que ficou”.
Ele disse que foi nesse momento que os atletas mato-grossenses começaram a estudar para também ir além de seus limites.
“É aquele negócio que o Kinssinger [atual presidente da IFBB-MT] sempre usou, você foi o coelho pros cachorros irem atrás. Você solta o coelho na corrida de cachorros. Então o pessoal foi vindo atrás e foi mudando realmente”, disse o fisiculturista.
Com a vitória, ganhou vaga para disputar o campeonato brasileiro de 2007 e tirou a vitória das mãos de Marcelo Caldas, que iria ser tricampeão naquele ano.
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Campeonato Sulamericano de 2008. Cristovão, número 185 da foto, foi campeão
“Eu apresentei um físico tão bem encaixado, que eu fui campeão brasileiro esse ano. Foi quando o pessoal assustou: ‘Poh, Mato Grosso?’”, lembra o fisiculturista.
Com o destaque no campeonato brasileiro, Cristovão passou a não precisar mais competir nos campeonatos estaduais e, nesse ano, nem no brasileiro.
Em 2008 foi direto para o campeonato sulamericano e se consagrou campeão. No mesmo ano foi para o campeonato mundial, no Bahrein, mas não obteve êxito.
“Cheguei no mundial assim posudo, porque eu tinha sido campeão sulamericano. Cheguei lá, na hora que eu vi um monte de atleta, mais precisamente, acho que no primeiro campeonato foram 42 atletas. Mas não dava pra você saber quem era o bom, quem era o ruim. Pareciam todos iguais. Aí que eu vi que o negócio era mais embaixo, que tinha que manter a cabeça no lugar, porque tinha muito trabalho a ser feito ainda”.
Naquele ano, Cristovão ficou em 16º lugar no mundial, pois já começava a sofrer para se manter na categoria até 90 kg. Em 2009, ficou em 2º lugar no sulamericano pelo mesmo problema.
“2009 foi um ano bem conturbado pra mim, foi um ano que eu pensei em parar. A categoria de 90 kg pra mim já começou a ficar inviável. Eu não conseguia mais baixar com facilidade. Eu praticamente me definhei pra chegar na categoria”, conta Cristovão.
O atleta relatou que mesmo perdendo o peso necessário para entrar na categoria, não conseguiu se recuperar para os palcos. Como o processo tinha sido muito agressivo, seu corpo não respondia para voltar ao tamanho necessário para lhe render o título.
“Em 2008 eu pesei o mesmo peso e um dia e meio depois eu estava com 8 kg a mais. E pra esse campeonato aí, eu não consegui aumentar 4 kg. De tanto que meu organismo ficou desregulado, por conta de baixar peso”.
Depois disso, Cristóvão conversou com o presidente da federação brasileira, na época Alexandre Pagnani, que era quem determinava quem iria competir em cada categoria e não queria permitir ele subir para a categoria até 100 kg.
Com a ameaça de dar término à carreira, Pagnani permitiu que Cristovão fosse para a categoria que desejava, ficando na 9ª colocação no mundial de 2009, no Qatar.
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Copa Elite, em 2010. Cristovão foi campeão, recebendo como prêmio R$ 1500,00
Em 2010 participou da Copa Elite, criada por Pagnani só para os melhores atletas, para ser decidido quem iria para o mundial e para o sulamericano. Foi a segunda vez em que ganhou um prêmio em dinheiro, R$ 1500,00.
Nesse mesmo ano foi campeão overall brasileiro, ou seja, foi o campeão dos campeões de todas as divisões de peso.
“Ganhei minha categoria de 100 kg e ganhei o overall. Foi o primeiro ano que eu fui campeão overall”.
Apesar de ter a vaga, Cristovão optou por não ir para o mundial, nem para o sulamericano por medo dos testes de doping.
“Isso é muito simples de ser explicado, não só no fisiculturismo, como qualquer outro esporte o uso de substâncias que melhorem o desempenho e a performance é necessário. Então é uma questão de orientação, é normal hoje em dia a junção do esporte com a medicina. Hoje a maioria dos atletas já tem médicos que estão por trás, não exatamente indicando, mas ao menos impondo os limites de cada um”.
Em 2011 Cristovão foi campeão overall brasileiro e campeão overall sulamericano. Porém mais uma vez acabou não indo para o mundial, dessa vez por falta de dinheiro, embora estivesse muito bem fisicamente.
Por suas vitórias no ano anterior, em 2012 Cristovão acreditou que não precisava mais passar pelos campeonatos nacionais e que poderia ir para qualquer campeonato que escolhesse. Mas a mudança na coordenação da federação brasileira provocou mudanças que o obrigaram a passar por tudo novamente.
“Faltando 5 semanas pro campeonato brasileiro, eles falaram que eu ia ter que ir pro brasileiro de novo. Aí eu tive que apertar a dieta. Ainda bem que acabou dando certo”, conta fisiculturista.
Sendo campeão brasileiro, ele garantiu sua vaga no Arnold Classic Madrid, um dos principais campeonatos do esporte. Foi campeão do Arnold Classic em sua categoria, mas não overall, ficando em 2º lugar.
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Arnold Classic Madri - 2012
“Quando eu entrei no palco, eu já consegui visualizar a expressão dos jurados pra mim. Eles foram me acompanhando com os olhos. Os caras ficaram do lado e eles falaram: ‘não, esse cara ta diferente mesmo’”, lembrou Cristovão.
Para Cristovão, esse foi o melhor físico que ele já apresentou e também o campeonato mais emocionante de todos.
“Na contagem das pontuações, as pessoas que foram atrás pra ver como foi, eu fiquei em segundo. Na contagem se não fosse por pouco eu teria sido campeão overall e aí eu iria ter pego meu pro card esse ano”, conta o atleta.
O campeão overall do Arnold Classic Madri ganha o Procard, o que permite que ele deixe de competir no fisiculturismo amador e passe a competir nos campeonatos profissionais.
Após esse campeonato, Cristovão percebeu que estava com uma hérnia umbilical e resolveu fazer uma cirurgia, ficando sem competir em 2013.
Quando retornou, as regras continuavam as mesmas: era necessário passar pelo campeonato brasileiro para poder competir em campeonatos internacionais.
“Eu tinha me preparado pra ir direto pra Madri. Acontece que teve outra burocracia e eu tive que ir pro campeonato brasileiro. Consegui classificação pra ir pra Madri, mas também me frearam de ir. Por quê? Eu teria que ter competido em um campeonato sulamericano, ou então no mundial”.
Cristovão optou por ir para o campeonato mundial, mas não conseguiu permissão, visto que a federação alegou que depois de ir para Madri talvez ele não fosse para o mundial.
“Eu poderia estar muito bem em Madri. Mas caímos naquela outra situação que nada acontece por acaso. Então não fui. Acabei perdendo a maior grana na época e não fui”, disse o fisiculturista.
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Cristovão ganhou um carro como prêmio do Campeonato Sul brasileiro de 2014
Ele foi para o campeonato mundial, como exigido pela federação, e ficou em segundo lugar, melhor colocação de um mato-grossense na história do campeonato. Porém acabou caindo no teste de doping.
“Não existe como ser hipócrita nesse meio, com certeza quem fosse sorteado pra o teste ia cair no dopping, sem sombra de dúvida. Então foi aí que eu já fiquei desanimado. Poh, me pegaram no doping, sendo que eu ia dar o meu pulo agora pro profissional, provavelmente teria acontecido isso”.
Apesar de todo o investimento e do desânimo por causa do exame, Cristovão resolveu ainda competir uma vez antes de sair o resultado do exame de doping. Participando no campeonato sul brasileiro de 2014.
“Esse ano teve o sul brasileiro e a premiação foi um carro, no valor de R$ 35 mil. E eu fui, acabei ganhando o carro. Que foi uma coisa assim: ‘Há males que vem pra bem, né’. Eu não fui em Madri, perdi lá, mas recuperei aqui”, conta o atleta.
Depois do campeonato, Cristovão recebeu a notícia que tinha caído no doping, como esperado. E como punição está afastado desde então, apenas sendo treinador.
“É uma junção de tudo. Disciplina, criação, das pessoas que passaram na minha vida e das oportunidades que tive de aprendizado”, disse Cristovão, que é hoje um dos maiores responsáveis pelos atletas do Estado serem respeitados em âmbito nacional e até internacional.
Comentários (2)
O melhor de Cuiabá.
enviada por: Fernando Data: 14/05/2017 14:02:42
à um esporte que exige muito sacrifÃcio e trás pouco resultado financeiro. Sem falar que é um esporte caro que exige um alto investimento em suplementos. Ou seja, precisa gostar muito para continuar no fisiculturismo profissional.
enviada por: WILLIAN Data: 14/05/2017 12:12:28