12.08.2016 | 08h:07

R$ 50 MIL


Comper terá que indenizar clientes confundidos com ladrões

Caso aconteceu no dia 22 julho de 2011, quando cinco amigos foram até uma loja da rede em Cuiabá

Arquivo

A rede de supermercados Comper terá que indenizar cinco clientes

O juiz da 8ª Vara Cível de Cuiabá, Yale Sabo Mendes, condenou a rede supermercados Comper a pagar uma indenização por dano moral no valor de R$ 50 mil a um grupo de cinco homens acusados indevidamente de furto. A quantia será dividida, o que perfaz o total de R$ 10 mil a cada um. 

 

O valor de R$ 50 mil deverá ser acrescido de juros de 1% ao mês a partir do evento danoso e correção monetária pelo IGP (Índice Geral de Preços de Mercado) no momento da intimação da decisão. O supermercado Comper ainda foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação.

 

Conforme narrado nos autos, R.B.G, J.C.D.S, J.C.D.S, J.D.S.M e E.V alegaram que no dia 22 de julho de 2011 se deslocaram até a sede do supermercado Comper na avenida Fernando Côrrea da Costa, em Cuiabá, para comprar produtos para um churrasco. No entanto, quando entraram no supermercado, foram perseguidos por um dos seguranças.

 

A partir daí, perceberam que um segurança comunicava o outro considerando todos como suspeitos. Após efetuar o pagamento das compras no caixa, saíram do supermercado e foram surpreendidos com a abordagem de policiais militares que decidiram cercá-los acusando-os de serem assaltantes de caixa eletrônico.

 

Na abordagem, foram obrigados a deitar no chão e permanecer com armas apontadas em direção de suas cabeças. Os policiais revistaram cada um e ainda o veículo não encontrando nenhuma suspeita.

O juiz Yale Sabo Mendes, que determinou indenização

 

Mesmo assim, os cinco acusados foram até a delegacia da Polícia Civil registrar ocorrência do fato. Por isso, pediram indenização no valor de R$ 545 mil.

 

A defesa do supermercado Comper alegou que as informações do Boletim de Ocorrência são inverídicas, pois em nenhum momento os cinco cidadãos foram maltratados pelos policiais militares.

 

Também sustentou que não procedia a informação de que foram colocados no chão e com as armas apontadas para suas cabeças. 

 

A empresa acusou os cinco homens de manipular a realidade dos fatos para ganhar um contorno trágico, o que levaria a ter papel de vítima e assim obter vantagem ilícita. Sem acordo na audiência de conciliação, houve a audiência de instrução e julgamento e ouvidas três testemunhas que confirmaram a versão dos cinco homens. 

 

Em um dos trechos da decisão, o juiz Yale Mendes ressalta que o grupo foi colocado numa situação vexatória que culminou em constrangimento ilegal, atingindo a honra e a dignidade de todos. “É inegável que o lançar suspeita sobre a pessoa, sob a acusação de furto, delito esse não comprovado, agride a honra, a dignidade do ser humano, humilha, constrange, mormente quando a tanto se segue acalorada discussão frente às diversas pessoas que transitavam pelo local. Resta comprovada a agressão psíquica perpetrada pelo preposto da empresa requerida.Ressalto, também, a falha no procedimento do requerido, em evidente relação de consumo, pois o exercício do direito de proteção do patrimônio não permite que o consumidor seja colocado em situação vexatória e constrangedora”, diz um dos trechos.

 

Leia a íntegra da decisão:

 

"R.B.D.N,J.C.D.S,J.C.D.S,J.D.S.M E E.V, devidamente qualificados nos autos, ingressaram com a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra SUPERMERCADO COMPER - COMATI COMERCIAL DE ALIMENTOS LTDA, também qualificado, alegando que, em 22.7.2011, se dirigiram a loja da requerida, na Av. Fernando Correa, para comprarem produtos para um churrasco.

 

Alegam que, desde que entraram no estabelecimento foram perseguidos por um dos seguranças do requerido, sendo que, em determinados momentos apontados pelo segurança a outro segurança, que passou a rastrear os requerentes.

 

Aduzem que, após efetuarem o pagamento da compra se dirigiram até a saída do supermercado e nas imediações do requerido foram abordados por policiais que os cercaram sob a alegação de que estariam armados e teriam furtado o supermercado e seriam assaltantes de caixa eletrônico. 

 

Argumentam que, os policiais os revistaram e fizeram uma revista no veículo do qual foi retirado os estofados e carpetes e após as verificações se dirigiram a delegacia para registrarem a ocorrência.

 

Requereram a condenação do requerido na importância de R$ 545.000,00 (quinhentos e quarenta e cinco mil reais), a título de danos morais.

 

Com a inicial vieram os documentos de fls. 18/50.

 

O requerido contestou às fls. 55/81, alegando que, são inverídicas as informações dos requerentes de que foram destratados pelos policiais militares, conquanto no boletim de ocorrência, em nenhum momento, foi relatada qualquer informação de que foram colocados deitados no chão ou que tiveram armas apontadas para suas cabeças. 

 

Aduz que, os requerentes desvirtuaram a realidade dos fatos, dando-lhe formato trágico, com o exclusivo propósito de figurarem como vítimas de situação vexatória que absolutamente nunca existiu para obter vantagem indevidamente.

 

Afirma a inexistência de ato ilícito, motivo pelo qual deve ser julgada improcedente a ação.

 

Com a contestação vieram os documentos de fls. 82/101.

 

Os requerentes impugnaram a contestação às fls. 108/115, rechaçando as argumentações ali expedidas.

 

A audiência de conciliação restou infrutífera.

 

Na audiência de instrução e julgamento, fls. 132/142, os requerentes foram ouvidos em depoimento pessoal, bem como três testemunhas arroladas pelo requerido.

 

As partes apresentaram memoriais às fls. 143/162.

 

É o relatório.

 

Decido.

 

A pretensão dos requerentes resume-se em alcançar compensação por danos morais, decorrentes de humilhação e constrangimento ilegal sofridos, em virtude de ato de preposto do requerido, que teria acionado a polícia para abordagem dos requerentes, sob a acusação de que estes estariam portando arma de fogo e que o grupo estaria em atitude suspeita no interior da loja, dando a impressão de estavam trocando os preços das mercadorias.

 

O requerido, em sua resposta limita-se a afirmar que os fatos narrados pela autora jamais ocorreram, negando qualquer situação como a narrada pelos requerentes. 

 

Pois bem. Sabe-se que o direito de proteger e de guardar o patrimônio da empresa, ali representado pelas mercadorias expostas à venda, é um fato certo. Mas também o é o de que, se a parte mal diligencia, age com prepotência, abusa do direito, age com malícia, com negligência, e vem a causar dano a outrem, responde pelos danos causados.

 

E sobre abuso de direito é oportuno transcrever escólio de Carvalho Santos (C.C. Interpretado, vol. 3º, pag. 341, 13ª edição), onde é assim definido: 

 

“O abuso de direito, em face do nosso Código, consiste no exercício irregular, no exercício anormal do direito, no exercício do direito com excessos, intencionais ou involuntários, dolosos ou culposos, nocivos a outrem (Plínio Barreto, Ver. Dos Trib. 79/506). Duas, portanto, são as condições exigidas para a caracterização dessa figura jurídica: a) a falta de moderação no exercício do direito; b) intencionalidade ou imprudência, má-fé ou temeridade, como causas determinantes dessa falta de moderação.” 

 

No mesmo sentido, diz José de Aguiar Dias, in Responsabilidade Civil, vol. 02, pág. 137, 2ª edição:

 

“Propor ou prosseguir em ação judicial não constitui, em si, abuso de direito ou ato ilícito. É evidente que a simples improcedência da ação não acarreta responsabilidade civil para o vencido”.

 

Na hipótese em comento importa observar que, o ilícito não reside unicamente na infundada suspeita lançada sobre os requerentes, de que estariam trocando os preços das mercadorias, mas, sobretudo, na conduta absolutamente desproporcional do preposto do estabelecimento comercial, consistente no fato de acionar a polícia para que esta abordasse os requerentes perante os demais consumidores que ali se encontravam. 

 

Em realidade, a conduta do segurança do local revestiu-se de tamanha arbitrariedade que, mesmo que a troca de preços das mercadorias viesse a ser comprovado nos autos (o que, observo, não ocorreu), ainda assim ter-se-ia caracterizado o ilícito passível de reparação. É que nem mesmo eventual agressão ao patrimônio cuja defesa ao agente de segurança incumbia, poderia servir de justificativa para realizar uma revista em público, diante de diversas pessoas. 

 

Ainda que os consumidores variem em intelecto, em posição social, e em capacidade de absorção das conseqüências do fato, inequivocamente se apresenta negativa a conduta de revista em local público, na presença de outros clientes, inculcando uma desconfiança genérica, e mesmo uma pecha momentânea ao consumidor que, em tais hipóteses, é visto como alguém que estivesse a subtrair alguma coisa da loja.

 

No caso concreto julgo que a prova, analisada em seu conjunto, é suficiente a roborar as assertivas constantes da inicial. Em realidade as testemunhas do supermercado requerido tergiversaram, procurando dar um outro sentido aos acontecimentos.

 

Daí porque vislumbro de ocorrência induvidosa os pressupostos da responsabilidade civil da pessoa jurídica requerida, dando azo ao dever de indenizar. 

 

Dos danos morais 

 

É inegável que o lançar suspeita sobre a pessoa, sob a acusação de furto, delito esse não comprovado, agride a honra, a dignidade do ser humano, humilha, constrange, mormente quando a tanto se segue acalorada discussão frente às diversas pessoas que transitavam pelo local. 

 

A situação narrada nos autos e amparada na prova oral produzida, não pode ser simplesmente reduzida a um mero constrangimento ou dissabor, como quer o requerido.

 

Resta comprovada a agressão psíquica perpetrada pelo preposto da empresa requerida.

 

Ressalto, também, a falha no procedimento do requerido, em evidente relação de consumo, pois o exercício do direito de proteção do patrimônio não permite que o consumidor seja colocado em situação vexatória e constrangedora. 

 

A propósito do tema, e reforçando o argumento, cabe menção ao aresto que segue: 

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. SUPERMERCADO. ABORDAGEM DE CLIENTE NO INTERIOR DA LOJA. SUSPEITA DE FURTO NÃO CONFIRMADA. ABORDAGEM E REVISTA POLICIAL NA SAÍDA DO ESTABELECIMENTO. PROCEDIMENTO HUMILHANTE QUE COLORE A FIGURA DO DANO MORAL. ATO ILÍCITO CONFIGURADO.

 

Se a conduta do preposto do supermercado, suspeitando de furto por parte do cliente, ultrapassa a barreira da observação, dando azo a que fosse o consumidor revistado pela polícia militar após sua saída do supermercado, onde efetivamente adquiriu bens, e nada tendo sido constatado em relação à prática de furto, então resta configurada a figura do dano moral, pelo constrangimento e pelas humilhações infligidas ao cliente. Sentença de parcial procedência mantida. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70011605128, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 04/08/2005).

 

Nesse passo, resta presente o ato ilícito, o dano e o nexo causal, sendo obrigação da empresa demandada reparar o dano causado aos requerentes.

 

Os fatos colorem a figura do dano moral, que, no caso, deve ser compensado.

 

Do valor da compensação

 

A indenização pelo dano moral, de sua vez, deve corresponder à realidade dos fatos trazidos a lume, ao caso concreto, mormente porque cada um difere do outro. É sabido, objetiva reparar os prejuízos da vítima, bem como evitar a prática reiterada dos atos lesivos.

 

Dificuldade enfrentada pela doutrina, traduz a jurisprudência a resposta que, se já não formada, e tão distante de encontrar limites objetivos, repousa indubitavelmente no arbítrio judicial, ou, resumindo, em subjetivismo puro. 

 

Ensina Wilson Melo da Silva, in “O Dano Moral e sua Reparação” (n.º 231 pág. 513, 2ª edição), que: “Para a fixação, em dinheiro, do quantum da indenização, o julgador haveria de atentar para o tipo médio do homem sensível da classe”.

 

Segue conceituando: “... seria aquele cidadão ideal que tivesse a igual distância do estóico ou do homem de coração seco de que fala Ripert, e do homem de sensibilidade extremada e doentia.”

 

Do que se conclui que, para alguns, os mais sensíveis, no aproveitar da qualificação supra, o dano moral se apresenta mais profundo, mais ferino; para outros, nem tanto. 

 

Assim é que, cotejados vários elementos, múltiplas variáveis, e tendo como padrão do legitimado à indenização o homo medius, devem ser analisadas as circunstâncias gerais e especiais do caso em concreto, a saber: gravidade do dano, o comportamento do ofensor e do ofendido - dolo ou culpa, sua posição social e econômica, a repercussão do fato à vista da maior ou menor publicidade, a capacidade de absorção por parte da vítima, etc.

 

Nesse sentido colaciono julgado:

 

“DANO MORAL. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. PROTESTO DE TÍTULO JÁ LIQUIDADO PELO SACADO. ARBITRAMENTO JUDICIAL. PARÂMETROS.

 

Na ausência de critérios legais predeterminados na fixação do quantum, na indenização por dano moral puro, caberá ao julgador o arbitramento, à vista das circunstâncias do fato, da razoabilidade, tendo como padrão a sensibilidade do homo medius. Apelo desprovido.” (Apelação Cível Nº 598128056, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 04/08/2005).

 

Portanto, com fundamento nos critérios antes expendidos, considerando a capacidade econômica do requerido, e a necessidade de dissuadi-lo da repetição do ato ilícito, entendo que a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é adequada ao dano sofrido por cada requerente e a capacidade econômica do ofensor, e de acordo com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 

 

Isto posto, julgo procedente o pedido consignado na inicial, com julgamento do mérito, art. 487, I, do CPC, para o fim de condenar o requerido ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) como indenização pelos danos morais, que deverá ser divididos em cotas iguais para os requerentes, incidindo juros de 1% ao mês a partir do evento danoso e correção monetária pelo IGP-M a partir da intimação da presente decisão. 

 

Condeno o requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% sobre o valor da condenação."

 

 


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