Cuiabá, Sábado, 2 de Agosto de 2025
FÉ CUIABANA
14.01.2024 | 09h30 Tamanho do texto A- A+

A história de fé e "fugas" da imagem do Senhor Bom Jesus

Padroeiro de Cuiabá e Mato Grosso, o santo foi trazido por bandeirantes no século XVIII

MidiaNews

Imagem original de Senhor Bom Jesus de Cuiabá, que está na Catedral

Imagem original de Senhor Bom Jesus de Cuiabá, que está na Catedral

ANDRELINA BRAZ
DA REDAÇÃO

Mantida em uma redoma de vidro ao fundo da Catedral Basílica (conhecida como Igreja Matriz), a imagem do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, padroeiro oficial do Município e do Estado, conserva mais de três séculos de história, fugas, fé e dificuldades. 

 

A história da imagem despertou curiosidade desde que uma réplica caiu e quebrou quando saía em procissão no início do mês, na Capital.

 

Com o trajeto rumo às terras mato-grossenses marcado pelo medo do desconhecido, era a imagem de 1,65 metro de Jesus flagelado a quem os bandeirantes paulistas recorriam com pedidos de proteção ao longo de caminhos de matas, rios e comunidades de povos tradicionais a serem atravessadas. 

 

70% ou 80% das pessoas não sabem que o Senhor Bom Jesus é o padroeiro da cidade

Esculpida pelas mãos de uma artesã natural de Sorocaba (SP), a obra em madeira desembarcou em terras mato-grossenses em meados do século XVIII, quando chegou no pequeno porto localizado na região de São Gonçalo Beira Rio. 

 

Com semblante marcado pela dor, rosto coberto de sangue e cabelos humanos doados por uma fiel como promessa de cura, a escultura carregava nas mãos um ramo de cana-de-açúcar. 

 

O objeto fazia referência a práticas do catolicismo português. Mas na versão cuiabana, o ramo verde adquire novos significados e passa a simbolizar o sofrimento do povo vulnerável que trabalhava na produção de açúcar da capitania. 

 

“Quando a imagem chega, recebe o nome do Bom Jesus de Cuiabá. Toda a história [da imagem] se encaixa muito bem com a história e realidade de Cuiabá”, diz o padre e historiador Felisberto Samuel da Cruz ao narrar a importância da imagem para a construção da fé cuiabana.

 

“Aqui era um grande centro produtor de açúcar. Rio abaixo, rio acima. O pessoal trabalhava nisso e era um sofrimento muito grande para poder cultivar e tirar a cana”, complementa o padre. 

 

Mas com a mudança da economia local, veio também a mudança de representação da imagem, quando as primeiras pepitas de ouro começaram a ser reveladas na região da prainha.    

 

Com essa nova descoberta, a imagem do Bom Jesus foi colocada sob uma cabana de palha. De receptáculo de promessas, a imagem ganhou uma nova tarefa ao ser considerada guardiã da propriedade do bandeirante Pascoal Moreira Cabral.  

 

“Em meados de 1722, descobre-se o aluvião de ouro ali onde está a catedral. Aí, lembraram da imagem e a levaram lá para demarcar a área. A imagem passou a ser usada como marcador da propriedade de Pascoal Moreira Cabral e como guardiã da riqueza de sua descoberta”, declara o padre.  

 

Segundo Felisberto, a utilização do Senhor Bom Jesus no passado não se difere muito da posição que ele é colocado no presente. Guardada em uma redoma de vidro no fundo da catedral, a imagem original, trazida pelos bandeirantes, apresenta pouco destaque na Catedral Basílica que recebe o nome do santo padroeiro, Senhor Bom Jesus.  

 

“Se a gente for entrar por esse viés [comparativo], vai dizer que ainda hoje, na Catedral, ele [Senhor Bom Jesus] não se encontra em lugar de destaque. Está em uma redoma, escondida lá no canto, e assim o povo quase não chega nele, não tem conhecimento [da presença dele]” declara.  

 

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Padre Felisberto Samuel

Padre e historiador Felisberto Samuel da Cruz

O santo padroeiro

 

Com a presença de uma imagem protetora, a pequena porção de terra povoada por bandeirantes recebeu um novo nome. Referenciando sua nova fase, a pequena comunidade passou a ser chamada, em 1727, de Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. 

 

Diante da história de construção da fé local, o santo foi declarado padroeiro do povoado e sua presença e proteção perpetuam até os dias atuais na Capital.  

 

Com cerca de 60,09% da população cuiabana denominando-se católica, segundo o Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), novos santos e benções ganham destaque na prática do catolicismo. 

 

Com festas de São Benedito e Santo Antônio celebradas em julho e um feriado em dezembro, reservado a Imaculada Conceição, a celebração ao real padroeiro da cidade fica limitada à procissão realizada no primeiro dia de cada ano.  

 

“70% ou 80% das pessoas não sabem que o Senhor Bom Jesus é o padroeiro da cidade. Já quiseram colocar São Benedito como o festeiro da cidade, mas ele não é o padroeiro”, declara. 

 

Segundo o padre, um dos motivos que podem influenciar esta falta de reconhecimento é a ausência de festividades reservadas à imagem do santo. 

 

“Em nível mundial, da Igreja Católica, o dia de Bom Jesus é celebrado em 1º de janeiro. Mas uma das características daqui é que o dia de Senhor Bom Jesus de Cuiabá é 8 de abril, pois é a data que ele chegou aqui. Mas no dia da cidade não se faz nada pelo padroeiro. Talvez também seja uma das coisas que podem impedir que as pessoas o reconheçam como padroeiro”, declara. 

 

O santo fujão 

 

Conhecido por inúmeras imagens, o Senhor Bom Jesus representa o momento da Paixão de Cristo, no qual Jesus foi humilhado e agredido. Podendo receber a denominação de Senhor Bom Jesus da Coluna, da Pedra Fria, entre outros, na cidade ele recebeu um nome peculiar: Santo Fujão.   

 

Segundo Felisberto da Cruz, essa denominação relembra os momentos de desaparecimento da imagem no período provincial de Cuiabá. 

 

“Aqui tem história das famílias dizendo que ele era o Santo Fujão. Uma vez ele era encontrado aqui na Cidade Alta, na casa de uma uma família; outra vez encontrado perdido no Porto, ou até mesmo na região que hoje é Mato Grosso do Sul”, afirma. 

 

O último desaparecimento do santo ocorreu quando um comerciante paulista o levou junto com um carregamento de especiarias. 

 

“Ele não tinha um lugar protegido. Então um comerciante que estava vindo de São Paulo viu a imagem lá e a roubou. A imagem foi encontrada em Camapuã, hoje Mato Grosso do Sul. Muitos historiadores têm controvérsias, mas a história que eu conto é essa” declara o padre. 

 

Desde 1722 o santo recebeu um lar para o manter preservado e à disposição dos fiéis. Na ocasião o capitão-mor Jacinto Barbosa Lopes mandou construir a igreja catedral, demolida anos depois por Dom Orlando Chaves.

 

Reprodução

senhor bom jesus quebrado

Réplica de Senhor Bom Jesus de Cuiabá danificada após queda

A procissão de 2024

 

Marcado por novas eras, o santo cuiabano vive mais uma iniciada no dia 1º de janeiro de 2024 

 

Durante a saída para a procissão, um dos fieis acabou escorregando permitindo que a réplica caísse no chão e quebrasse, numa imagem que rodou o País.  

 

“Considero um acidente de percurso. Agora, para os mais espiritualistas, a queda foi um sinal de Jesus de que precisamos melhorar. Realmente, é preciso melhorar muito pois vivemos em um mundo de divisão iniciada por briga de poder e ganância. E no final, quem sempre sofre é o povo”.  

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