O Transtorno do Espectro Autista, ou autismo, compromete habilidades de comunicação e interação social da criança e ainda não é facilmente reconhecido pela maioria das pessoas. Segundo a Associação de Amigos do Autista de Cuiabá (AMA), isso faz com que o preconceito contra quem tem o transtorno ainda é grande.
O autismo é geralmente identificado na infância e segue durante a adolescência e vida adulta. As crianças com autismo acabam demonstrando os sintomas a partir dos três anos de vida. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno afeta uma a cada 160 crianças em todo o mundo.
Em Mato Grosso, a AMA foi fundada em 2000 e tem como papel fundamental trabalhar pela conscientização e sensibilização da sociedade e na luta contra o preconceito.
Em entrevista ao MidiaNews, a presidente da associação, Kelly Cristina dos Nascimento Viegas, relatou que o trabalho vai além de apenas conscientizar a sociedade. Mãe de uma menina com autismo, ela revelou que já sofreu na pele todos os tipos de preconceito por ter uma filha com o transtorno - inclusive vivenciando situações que a fizeram ir dormir aos prantos por se sentir impotente para ajudá-la.
“O preconceito vem de todos os lados: na escola, nas festas e até mesmo dentro da família há. Mas isso não ocorre por falta de informação, e sim por falta de sensibilização de algumas pessoas”, afirmou.
Desde que assumiu a presidência da Ama, Kelly conta que já acompanhou e presenciou diversos casos de preconceito que, segundo ela, causariam "rebuliço" se viessem à tona. Ela afirmou que,₢omo as crianças são as que mais sofrem, até mesmo por não saberem se defender, a maioria dos casos ocorre nas escolas.
“A gente também teve muitos problemas com negativas de vagas, principalmente em escolas particulares. Teve um caso recente, que aconteceu em uma escola, em que a mãe ganhou uma bolsa do ‘Educa Mais Brasil’, mas na hora de matricular, a escola não quis fazê-lo, justificando que iria ter que contratar um cuidador, e que iriam ter mais despesas. E isso, por lei, é errado, é proibido, por causa da lei da inclusão. Eles não podem cobrar a mais para matricular uma criança autista, não podem negar vagas”, contou.
“Também já tivemos casos aqui em Cuiabá em que, durante uma reunião de escola, os pais pediram para tirar a criança da escola. Às vezes, você vai em uma festa e os pais tiram os filhos de perto, achando que aquilo ali é transmissível. Mas a criança não tem preconceito. Quem tem preconceito são os pais”, explicou.
Para casos como esses, a associação oferece auxílio aos pais por meio de orientação jurídica de como proceder e também tem uma parceria firmada como o Ministério Público Estadual, que oferece denúncias sobre situações como essas ao Poder Judiciário.
Kelly diz que a maioria das escolas - tanto da rede pública quanto da rede privada - deixam muito a desejar na inclusão das crianças que tem o transtorno do espectro autista.
“Se o gestor da escola promovesse a inclusão de verdade, mas não só do autista, de qualquer criança com deficiência, do negro, ou crianças que chegam de outra cidade, e fizesse esse trabalho como ele realmente deve ser, aí sim. Porque, hoje em dia, as pessoas acham que inclusão é pegar uma criança ou um adolescente com deficiência e colocar dentro de uma sala e pronto. Isso não é inclusão”, criticou.
“A inclusão começa desde o porteiro da escola, desde a 'tia' da cozinha. Temos que ter esse outro olhar, de pensar: ‘E se fosse com a gente, o que faríamos?’. O que eu vejo muito e em muitos lugares que eu vou é falta de amor ao próximo. Eu não tenho nem palavras pra descrever isso. Eu mesma já passei por isso e acredito que seja realmente a falta de amor ao próximo, a empatia de ele se colocar no lugar do outro [e pensar]: ‘E se fosse seu filho? ’”, afirmou.
Ainda nesse aspecto, Kelly relata que as escolas municipais estão bem mais abertas a discutir o assunto do que as estaduais e as privadas.
“Nós fazemos palestras nas escolas dos municípios que são mais tranquilos e nelas o assunto é mais aberto. Nas [escolas] do Estado, a gente está tentando trabalhar essa questão de bullying, porque eles sofrem muito, inclusive com agressão. E esse ano tivemos muito problema com agressão nas escolas. Foi bem complicado, houve muitos casos”, contou.
Além das palestras em escolas, o trabalho da associação também inclui a garantia dos direitos dos autistas, tanto nas esferas educacionais, como na da saúde e na área assistencial. Segundo ela, há trabalhos voltados aos pais e, uma vez por mês, uma psicóloga vai até a associação. Além disso, são feitas rodas de conversa nas escolas e nos postos de saúde da Capital.
Alair Ribeiro/MidiaNews
Parque para as crianças brincarem dentro da AMA, em Cuiabá
De acordo com Kelly, a associação busca fazer os pais entenderem o que o filho autista está querendo dizer, uma vez que muitos tem dificuldade de falar e os seus sinais podem ser mal interpretados. “Na verdade, não tem como defini-los, porque cada um é diferente do outro”, explicou.
Centro de Atendimento
O projeto para a criação do 1º Centro Integrado de Atendimento Autista é uma das novidades de melhorias para as crianças e adolescentes autistas da Capital.
Com a promessa de ser inaugurada em 2019, no Bairro Santa Cruz 2, o local deverá ajudar mais de 700 autistas cadastrados na Ama, com terapias, indicações de profissionais na rede pública de saúde e outras necessidades que o tratamento exige.
O projeto é uma parceria com a Prefeitura de Cuiabá. A reforma no Centro foi custeada com recursos captados por meio de um bazar beneficente, que contou como apoio de um vereador da Capital e uma empresa de imóveis.
O local também deve melhorar o diagnóstico do autismo, que hoje em dia ainda é demorado a ser percebido pelos pais e chega a ser confundido com outros tipos de transtornos.
“A questão da fala é o primeiro indício, depois o contato visual, a interação, não querer brincar, ou aquela criança que chora muito e sem explicação, tudo isso já é um indício. A criança que é muito apática, que é muito parada, não sorri, e também aquelas que tem dificuldade de aprendizado para algumas coisas, também podem ter o transtorno", enumerou Kelly.
Apesar destes sintomas, Kelly afirma que a criança autista é mais focada que as demais. “Quando eles focam em algo que eles gostam, são bem inteligentes e todos eles têm capacidade, até os que têm o estado mais severo”, disse.
Hoje a Capital tem somente o Centro de Atenção Psiossocial (Caps), que não supre a demanda do Estado e não presta o devido atendimento para uma criança autista, segundo a presidente.
“É uma luta pra ser atendido ali, e eles só querem atender estágio de crise, e não é só para isso que ele serve. Ele é pra fazer o acolhimento, acompanhamento e diagnóstico da criança. É muita briga. Eles querem que o autista fique sentado. Se você descobrir esse milagre me avisa, porque qual a criança que fica sentada? Sendo autista ou não, elas não ficam”, criticou.
Para que um dia o preconceito acabe, a presidente da Ama afirma que é necessário que a associação se fortaleça mais. Por isso, ela fez um apelo para que as pessoas que se sensibilizem com a causa se torne voluntária.
“O que eu peço mesmo é mais amor ao próximo e que vocês pensem: 'E se fosse com você, o que você faria?'. O que falta hoje em dia é isso. Nós estamos precisando de voluntários que ajudem a divulgar e conscientizar a população”, pediu.
Quem tiver interesse em ajuda a associação pode entrar em contato com a Kelly pelos números (65) 9214-4196 ou (65) 9292-1554.
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2 Comentário(s).
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Raimundo Eduardo 07.01.19 14h01 | ||||
Conscientização, essa é a palavra chave dessa situação atual no nosso Brasil. | ||||
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Erich 06.01.19 22h44 | ||||
Boa iniciativa do veículo em buscar matérias para conscientizar sobre o autismo. Só um porém, os sintomas do autismo aparecem ANTES dos 3 anos de idade. Quanto mais cedo o diagnóstico e o início do tratamento, maiores são as chances de evolução da criança. | ||||
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