CAROLINA HOLLAND
DA REDAÇÃO
A comunidade terapêutica Lar Cristão Ala Feminina, no bairro CPA III, em Cuiabá, que trata dependência química, também estaria oferecendo “cura gay” aos seus pacientes, por meio de práticas religiosas, segundo afirma o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Outras cinco instituições no Brasil estariam fazendo o mesmo.
A informação, que consta de relatório feito pelo CFP no ano de 2011 em todo o país, será levada nesta semana ao Ministério Público Federal pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transsexuais (ABGLT).
As práticas realizadas no Lar Cristão e nas demais clínicas, localizadas em Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Sergipe também já foram denunciadas à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
O Lar Cristão foi fundado pelo pastor Teodorico Barbosa de Souza, da Assembleia de Deus.
Trecho do relatório do CFP sobre o Lar Cristão Ala Feminina diz que “lésbicas são levadas a deixar a homossexualidade” e que “já houve casos de lésbicas que se apaixonaram e foram separadas de quarto”.
O documento relata ainda “o constrangimento a que são submetidos os homossexuais, travestis, lésbicas, entre outros, considerados, todos, como portadores de uma sexualidade desviante”.
Em outro trecho, o CFP diz que foi registrada a afirmativa de uma profissional que se propõe a “curar homossexuais”, contrariando orientação expressa no código de conduta profissional “e adotando, desse modo, posição clara de desrespeito ao direito de orientação sexual”.
O presidente da ABGLT, Carlos Magno Fonseca, de 41 anos, critica a suposta “cura gay” realizada nessas comunidades.
Mary Juruna/MidiaNews
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O Lar Cristão fica no bairro CPA 3, em Cuiabá
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“Essas casas estão prometendo algo que não podem cumprir, porque a orientação sexual dessas pessoas não é doença, e logo, não pode ser curada. O que eles estão fazendo é charlatanismo”, afirmou.
Ele também criticou a forma como é feita a conversão da sexualidade, por meio de orações.
“Nós entendemos que essa não é a forma adequada de se abordar a questão da orientação sexual. Queremos que o Ministério Público investigue como estão funcionando essas clínicas e os profissionais que estão cuidando das pessoas que buscam ajuda”, declarou.
O tratamento para dependência química no Lar Cristão custa R$ 500 ao mês e dura 9 meses. A matrícula sai por R$ 580, por conta do uniforme.
A comunidade oferece os serviços de uma terapeuta, técnica de enfermagem, psiquiatra e psicóloga.
Contradições
A reportagem ligou para o Lar Cristão e disse ser alguém que estava interessado no tratamento de uma pessoa da família, do sexo feminino, para dependência química, e pedindo informações sobre a ala feminina da comunidade.
Depois, foi dito que a pessoa em questão estava apresentando indícios de homossexualidade, e perguntado se havia algum tratamento nesse sentido também.
“A gente trabalha um todo, não tem discriminação nem nada. A gente não discrimina a pessoa, mas o ato, sim. A gente trabalha para que a pessoa se liberte”, disse a atendente.
Quando questionada se, no caso, a libertação é deixar de ser homossexual, a atendente respondeu: “Isso, deixar de ser”. A conversa foi gravada.
A reportagem foi até o Lar Cristão, localizado numa rua residencial, para tentar ouvir alguém sobre o assunto. Havia quatro pessoas do lado de fora, e duas janelas e um portão aberto.
Assim que viram o carro do
MidiaNews, todas as pessoas entraram na clínica e fecharam o portão. Por uma janela, um rapaz disse que iria chamar a responsável pelo espaço. Em seguida, as duas janelas foram fechadas.
Depois, uma funcionária, que se identificou como Érica, disse que não poderia responder a nenhum questionamento, e que a reportagem deveria procurar a coordenadora geral, Ellen.
Dois dias depois, a reportagem ligou no Lar Cristão e a mesma Érica disse que a coordenadora não estava naquele momento. Em seguida, no entanto, pediu para esperar e a própria Ellen atendeu.

"Essas casas estão prometendo algo que não podem cumprir, porque a orientação sexual não é doença, e logo, não pode ser curada"
“Querida, aqui é uma clínica de tratamento de dependência química. Se o paciente é homossexual, isso é problema dele. Se ele tem alguma dependência nesse sentido, isso é problema dele”, declarou, de forma ríspida.
A coordenadora não quis dizer o próprio sobrenome, limitando-se a informar que se chamava Ellen Cristina. Ela disse ainda que o pastor Teodorico estava viajando.
Responsável técnica
A psicóloga Soyanne Almeida Santana, responsável técnica pelo tratamento na comunidade terapêutica desde 2012, nega que seja feito algum tratamento para a homossexualidade.
“Não tem nada voltado para a questão da homossexualidade. Isso é uma coisa completamente fantasiosa. Não existe nenhum tipo de repressão, nenhum tipo de discriminação: muito pelo contrário, nenhuma menina lá que tenha sua orientação sexual é tratada diferente”, afirmou.
A reportagem, então, mencionou a informação repassada pela atendente a respeito da libertação da homossexualidade, e a psicóloga citou a questão religiosa.
“Não, lá é o seguinte: é uma comunidade que não é da Assembleia de Deus, nada disso, mas eles frequentam a Assembleia de Deus. E têm como prática a doutrina da igreja. Então, se há na bíblia a palavra de Deus sobre a homossexualidade, então é isso que é tratada, mas não diretamente na questão da homossexualidade”, disse.
De travesti a pastor
O ex-travesti e pastor Joide Miranda rechaça o termo “cura gay”, porque diz acreditar que a homossexualidade não é doença e, por isso, não precisa ser curada.
Ele afirma ser possível uma restauração de identidade, com ajuda da religião e da terapia, processo pelo qual ele mesmo passou. Miranda se converteu há 22 anos e é casado com uma mulher há 15 anos.
“Eu precisei de 4 anos com uma psicóloga porque eu precisava encontrar de novo a minha identidade. Eu nunca fui doente. A homossexualidade é uma conduta aprendida e pode ser desaprendida”.

"A homossexualidade é uma conduta aprendida e pode ser desaprendida "
Ele critica resolução do Conselho Federal de Psicologia que proíbe psicólogos de auxiliar homossexuais a deixarem de ser gays.
“Eu acho um absurdo os psicólogos não atenderem a essas pessoas que estão desesperadas pedindo ajuda. Existem milhares de pessoas que não estão satisfeitas com a sua orientação sexual e elas têm o direito de procurar ajuda, tanto na esfera espiritual, quanto na psicológica, para reencontrar a verdadeira identidade”.
Miranda cita o papel da religião nesse chamado reencontro (“se o ser humano quiser voltar para Deus, é possível sim Deus restaurar a identidade sexual dele”), mas ressalta a importância da ajuda de psicólogos.
“Durante o processo, vai precisar de ajuda de profissional. Não devemos espiritualizar tudo”, justifica.
Conselho Federal de Psicologia
Coordenadora da inspeção realizada em 2011, a psicóloga e conselheira do CFP, Ana Luiza Castro diz que se algum psicólogo oferecer tratamento para deixar a homossexualidade, vai responder a processo ético na instituição.
“De acordo com o nosso código de ética, de acordo com a nossa resolução sobre a questão da homossexualidade, o psicólogo não pode oferecer uma cura para algo que não é doença”, explica.
O objetivo da inspeção do CFP, de acordo com a entidade, foi levantar a situação do atendimento a dependentes químicos e identificar possíveis abusos, maus tratos e violações dos direitos humanos.
O conselho também teve o objetivo de saber se essas clínicas seguem padrões de tratamento “de acordo com os princípios éticos e técnicos da psicologia”.