A DRCI (Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Informáticos) de Cuiabá tem lidado com um número crescente de casos de extorsão virtual, especialmente os relacionados à chamada “sextorsão”. Em entrevista ao MidiaNews, o delegado titular Guilherme Fachinelli alertou que negociar com criminosos é perigoso, pois o pagamento de valores exigidos apenas incentiva novas extorsões, como um caso investigado por ele em que um morador de Mato Grosso teve prejuízo milionário.
"Criminoso é um poço sem fundo. Se pagar uma vez, você vai pagar sempre mais. A gente tem casos de sextorsão, que começa como estelionato e depois vira extorsão. Porque a vítima mandou foto, mandou vídeos... E ele fala assim: 'Agora se você não me mandar dinheiro, eu vou expor tudo na rede' [...] Se você pagou, você vai continuar sendo vítima", disse o delegado. "Teve um caso desse ano que a vítima pagou R$ 2 milhões".
Fachinell também explicou que a DRCI assume a investigação de crimes virtuais quando o caso é complexo e precisa de ferramentas de software, quando é de grande repercussão ou envolve alto prejuízo econômico. Casos como sites anônimos criados fora do país para disseminar discursos de ódio ou conteúdo antissemita exigem investigação especializada, já que envolvem técnicas para dificultar a identificação dos responsáveis, como o uso de VPNs.
Além desses crimes, Guilherme afirmou que tem havido alta no registro de crimes de “revenge porn” com uso de deepfake e criação de perfis falsos em sites adultos, invasões de dispositivos eletrônicos, armazenamento e produção de conteúdo pornográfico infantil em redes sociais. Segundo ele, esses tipos de crime se tornaram a principal atribuição da unidade devido à crescente sofisticação das ações criminosas no ambiente digital.
Leia os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - O senhor poderia nos falar quais são os crimes que lideram registro lá na delegacia de Cibernéticos?
Guilherme Fachinelli - A maioria dos registros envolve a invasão de dispositivos informáticos, que é a maioria dos boletins de ocorrência. Nós temos também, em segundo lugar, casos de armazenamento e produção de conteúdo pornográfico infantil pelas redes sociais. E, depois, os crimes contra a honra praticados pelas redes sociais, mas esses casos são aqueles em que há complexidade na apuração do fato, como o uso de deepfake. Mas o que nós mais temos, e aí entra na própria atribuição da unidade, é esse crime informático próprio, que é a invasão do dispositivo e a questão do armazenamento pornográfico infantil.
MidiaNews - Nesses crimes que envolvem crianças e adolescentes, existe um protocolo específico para lidar com esse tipo de caso?
Guilherme Fachinelli - Em relação à criança e o adolescente, um protocolo que nós temos, que foi pioneiro [...] é uma portaria estabelecendo um procedimento padrão de ação nos casos de Escola Segura. O que é escola segura? Escola segura é um movimento nacional, coordenado pelo Ministério da Justiça, para evitar aqueles ataques às escolas, que, principalmente, acontecem no mês de abril, por causa [do ataque] de Columbine.
Nos outros casos, que são muitas vezes esses praticados por intermédio das redes sociais, que é o induzimento ao suicídio, à automutilação, aos maus tratos animais cometidos via essas redes sociais, em regra pelo Discord, Telegram, não existe um procedimento padrão. A partir da comunicação, nós iniciamos os procedimentos de investigação de Polícia Judiciária, mas existe um padrão de apuração.
MidiaNews - De que forma geralmente chegam as denúncias desses crimes para vocês? Às vezes vocês conseguem simplesmente um vídeo, ou as pessoas mandam para vocês. Como é que funciona?
Guilherme Fachinelli - Nós temos os canais de denúncia próprias, que é o 197. Tem situações que os pais apareceram lá, falando: "A minha filha está sendo vítima, está se automutilando". A Polícia Civil, por intermédio a DRCI, tem uma parceria com o CyberLab, que é a Diretoria de Operações Cibernéticas do Ministério da Justiça. E também a Polícia Civil tem, dentro da Diretoria de Inteligência, um laboratório de operações cibernéticas, limitado ao Estado. A partir disso, é feito todo um acompanhamento dessas redes, e isso gera reportes, e é passado pra nós enquanto unidade operacional para darmos as respostas devidas.
MidiaNews - E faz parte do trabalho da Polícia Civil proteger essas vítima? Ou oferecer algum tipo de suporte?
Guilherme Fachinelli - A nossa atividade é uma atividade repressiva. Ocorrido o crime, a gente passa a atuar na investigação. Quais são as nossas ações de proteção à vítima? Por exemplo, a gente pede medidas cautelares contra esses possíveis agressores. A gente teve um caso que foi a Operação Adolescência, onde um adolescente publicou nas suas redes que mataria uma colega de turma. A diretora de Operações Cibernéticas nos encaminhou essas informações, e a partir disso, o que a gente verificou? Que o pai desse adolescente tinha duas armas registradas, legais.
O que nós fizemos? Nós pedimos ao Poder Judiciário busca e apreensão nessa residência e a suspensão da posse das armas pelo pai, porque esse adolescente falava na rede social que iria pegar as armas do pai escondido e iria matar essa adolescente e as amigas. Então, podemos pedir medidas cautelares de proteção, de afastamento em relação às vítimas. Essa parte do acompanhamento psicológico é geralmente feita no âmbito do Ministério Público e do Poder Judiciário.
MidiaNews - O senhor citou a questão dos crimes de contra a honra. Esse tipo de crime, o de violência de gênero, como a pornografia de vingança e perseguição online, têm crescido de registro na delegacia?
Guilherme Fachinelli - Elas têm crescido no registro na Polícia Civil como um todo. Mas quando que aparece a atribuição da DRCI? A atribuição da DRCI vai aparecer se o caso for complexo, se for de grande repercussão ou de elevado prejuízo econômico. Por exemplo, vamos imaginar que se crie um site, um determinado domínio, crie fora do país, hospeda isso, utilizando VPNs, para não identificar o proprietário desse site. E esse site começa a fazer um discurso de ódio, um discurso anti-semitista.
Então, assim, poderia ser apurado para uma outra unidade, mas diante dessa complexidade de identificar o site, onde está, IP, as conexões, isso acaba sendo encaminhado para a DRCI. Então, tem aumentado, inclusive nos casos que tem chegado a nós. Nesses casos de revenge porn [pornografia de vingança] que foi perguntado, a gente teve dois casos recentemente. O pessoal, além de utilizar uma deepfake, ainda criou cadastros falsos em sites de divulgação adulta, insinuando que aquela pessoa estaria fazendo programas sexuais. Aí nesse caso nós passamos a atuar.
MidiaNews - E quais as provas digitais a vítima pode coletar para poder ajudar a Polícia?
Guilherme Fachinelli - A gente sempre fala da preservação das evidências digitais. Em algumas situações, quando a vítima vai até a delegacia, nós mesmos fazemos a preservação dessas evidências digitais quando é da nossa atribuição. Vamos supor que a vítima teve a invasão do seu dispositivo eletrônico. Nesse caso, a vítima não pode formatar seu aparelho, seu computador. Ela até pode fazer o boletim de ocorrência, mas vai prejudicar demais a apuração. Porque eu preciso apreender esse dispositivo eletrônico e fazer o encaminhamento para a perícia.
E tem as demais evidências que a vítima pode preservar, manter o original, e fazer uso dessas ferramentas que eu falei. Eu não quero falar o nome da ferramenta, para não fazer propaganda, mas a gente tem tantas ferramentas pagas como gratuitas. E sendo atribuição da unidade, nós fazemos essa preservação lá pra vítima, para ter todo um cuidado em relação à cadeia de custódia da prova. O pacote Anticrime trouxe essa inovação, regulamentando na nossa lei. E tem sido uma preocupação muito cara, nossa, esse manejo da evidência, principalmente da digital.
MidiaNews - Mas caso a vítima mesmo leve alguns prints, algumas coisas assim, isso pode ser usado na investigação ou não?
Guilherme Fachinelli - Pode ser usado. A gente tem decisões aí do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido. A gente já teve decisões assim que autorizaram, decisão depois que não autorizava e decisão que depois voltou a autorizar. Então serve. Isso vai ser coletado lá e vai ser dado o tratamento devido.
MidiaNews - E como que a DRC orienta pais, escolas e instituições para prevenir ou lidar com crimes como aliciamento virtual, sextorção, e esses desafios que também têm crescido muito, desafios perigosos que têm crescido entre os adolescentes?
Guilherme Fachinelli - Eu tenho falado: a gente tem que ressuscitar o pai chato. O pai e a mãe chato. Por muito tempo os pais tinham, às suas vistas, os filhos. Sempre brincando no quintal, depois brincando na rua, jogando uma bola. Eu, pelo menos, cresci assim. Eu fui ter acesso a um computador com 16 anos. Não porque na minha época não tinha computador. Tinha, mas lá em casa a gente não tinha dinheiro para ter. Mas quando tive acesso, era acostumado jogar bola na rua, andar de bicicleta.
E meu pai [sempre dizia]: 'Olha, não pode perder a criança e o adolescente de vista. Não pode perder os filhos de vista'. Então, falava que iria jogar bola: "Com quem você vai? Aonde você vai? Ah, você vai com fulano? Quem que é o pai dele?'. O que acontece hoje? A maioria das nossas crianças e adolescentes estão dentro das casas. Então, o pai está na sala e a criança, o adolescente, está na sala do lado dele, naquele mundo virtual, imerso. Nós temos aplicativos que podem ser colocados nos dispositivos eletrônicos dos filhos, computador, celular, que vão permitir o controle.
E nada também foge daquela boa fiscalizada, de pegar o celular. Porque se o pai entrar ali dentro da AppStore, da Play Store, vai ver os aplicativos que o filho baixou. A gente já teve situações em que os pais eram muito cuidadosos. E o filho sabia desse cuidado do pai. O que ele fazia? Ele apagava. E o pai, muito desconfiado, pôs uma câmera em casa. E aí conseguiu verificar que o filho estava sendo vítima. Eles levaram o fato pra delegacia e a partir dali a gente começou a investigação.
Ao mesmo tempo que eu falo que tem que ser chato, falo que criança e adolescente não têm intimidade, não têm privacidade. Quer ter intimidade? Quer ter privacidade? Então, paga seu celular, paga sua internet, e você vai ser dono do seu nariz. Aí você faz o que você quiser. Mas essa postura tem que ser carregada de diálogo. Por quê? Porque nós encontramos muitas vezes crianças e adolescentes que estão sendo vítimas na internet e não têm coragem de falar com os pais, porque acho que a repressão vai ser muito dura.
Então, o seu filho tem que saber, a escola também tem que saber que tem que dar um tratamento mais duro, no sentido de não dar essa liberdade, essa privacidade da forma que é pregada hoje, mas ter um canal aberto para o diálogo. Que é o seguinte: 'está sofrendo alguma coisa? Deu um problema? Pode falar com seu pai, que a gente também teve situações nesse sentido'. A gente também teve casos de o adolescente fazer tudo escondido do pai.
Esse adolescente foi aliciado via Roblox e depois passou a tratar no Instagram, no WhatsApp, com esse assediador. Chegou um momento em que esse criminoso pressionou tanto, mas tanto, que esse adolescente resolveu procurar o pai e pedir ajuda. A partir do momento que o pai pediu ajuda, isso foi comunicado a nós, a delegacia deu uma resposta rápida, inclusive estivemos no estado de Goiás para prender esse criminoso.
MidiaNews - O senhor acha que existem sinais de alerta que os pais conseguem ver nos filhos, caso eles estejam sendo vítimas desse tipo de interação suspeita na internet?
Guilherme Fachinelli - Tem alguns que são silenciosos, outros não. Por exemplo: auxílio à mutilação. A gente tem casos lá que [nós questionamos]: 'Como que a mãe dessa menina não viu, como que o pai desse menino não viu os braços mutilados?' Agora, há aquelas situações que são mais silenciosas. Por exemplo, às vezes seu filho pode estar cometendo esses atos infracionais ou esses crimes na internet, como maus tratos aos animais.
Já teve uma situação que o pessoal, na sala do Discord, escalpelou um gato e o matou ao vivo. Então, seu o filho está participando disso, está vendo isso. Um outro caso que a gente atendeu foi de uma menina estava sendo alvo de um possível estupro virtual, e a mãe não se atentou. Outro fator importante é verificar se o filho tem uma outra conta, não só aquela oficial. Então, o pai tem que pegar e fiscalizar mesmo, manualmente e virtualmente.
MidiaNews - O senhor falou de estupro virtual. O que configura esse crime?
Guilherme Fachinelli - O estupro virtual é um nome que foi criado para o artigo 218 C [do Código Penal], naquelas situações onde o criminoso exige da vítima que ela passe a introduzir objetos nos seus órgãos genitais, fazendo live. A gente teve caso que a menina postou no Instagram: 'Hoje à noite eu vou ser estuprada', e marcou o nome de uma determinada pessoa. Eles obrigavam a menina a enfiar canivete, faca, tesoura nos seus órgãos genitais, além de se automutilar. E o pior disso tudo, depois pegavam esses vídeos e vendiam na rede.
MidiaNews - O senhor citou a questão de algumas dessas vítimas que tinham marcas no corpo, por conta da automutilação. Acredita que há negligência de muitos pais no que diz respeito à fiscalização dos seus filhos?
Guilherme Fachinelli - Eu tive contato com pais muito diligentes e que perceberam isso. A filha, o filho não falava o que estava acontecendo e os pais começaram a investigar, a fiscalizar, fazer um controle maior, ou seja, um pai diligente. Agora, tem situações que há uma total negligência. A gente tem que ver que, principalmente os adolescentes, eles também são espertos. Igual esse caso que eu falei que o pai era bem diligente.
Ele via que tinha um comportamento estranho, pegava o celular, aplicativo tudo apagado, conversa tudo apagada. Mas ele não sabia desse bizu de verificar ali nas lojas de aplicativos, na Play Store, na App Store, quais tinham sido os aplicativos que tinham sido baixados, que não estavam ali mais. Porque a gente consegue verificar, e ele não sabia disso. O que ele fez? Ele instalou a câmera no quarto, na sala, no corredor e viu o comportamento. Porque ele trabalhava um dia todo. E a partir desse comportamento, ele verificou [que o filho era vítima] e apresentou tudo na delegacia.
MidiaNews - Aqui em Mato Grosso, recentemente, houve uma adolescente de 15 anos que foi apreendida por ter envolvimento num triplo homicídio lá no Rio de Janeiro, que o namorado virtual dela cometeu contra a própria família. A investigação revelou que eles consumiam muito conteúdo de jogos violentos, e se relacionavam virtualmente desde os 9 anos. O senhor acha que a banalidade desses jogos violentos influenciam os adolescentes?
Guilherme Fachinelli - Com certeza. Isso muda a rotação de qualquer ser humano. Eu vou dar um exemplo do policial: a cabeça do policial funciona em outra rotação, porque ele lida com uma violência absurda todos os dias. Então, você tem um alto índice de suicídio, você tem um alto índice de depressão. Agora, você imagina uma criança de 9 anos, ainda que seja um jogo virtual, vendo esse tanto de violência. A cabeça dela começa a funcionar em outra rotação. Então, isso tem um impacto direto. Isso, pra mim, é negligência dos pais. Deixar uma criança, [porque] 9 anos é criança, ter acesso a esse tipo de jogo.
MidiaNews - O senhor vê que muito disso tem acontecido com frequência aqui na região da metropolitana ou isso é mais frequente no interior?
Guilherme Fachinelli - Acontece [no interior], e eu posso falar com propriedade. A DRCI tem atribuição estadual. A gente tem esse problema no interior, tem esse problema aqui na Capital. Existem casos subnotificados. Muitas vezes os pais pegam e resolvem não levar isso para a Polícia. Por exemplo, na situação da Operação Mão de Ferro, que foi deflagrada na nossa unidade e teve repercussão em 12 estados da federação, com medida de internação, cumprimento de prisão... E a gente conseguiu identificar só duas vítimas. E uma das vítimas a mãe não queria, falava que já foi resolvido. 'Não quero expor meu filho'... E isso vira um ambiente propício [para que esse tipo de crime].
MidiaNews - Com relação às vítimas que sofrem sequestros das redes sociais, alguns criminosos às vezes chegam a pedir dinheiro ou outras coisas. Como as vítimas devem agir nesse caso? O senhor acha que é viável fazer um pagamento para poder recuperar as redes?
Guilherme Fachinelli - Eu não oriento isso. Caso em que é subtraído [o perfil da vítima] e se exige um valor para devolver, é extorsão. E criminoso é um poço sem fundo. Se pagar uma vez, você vai pagar sempre mais. A gente tem casos de sextorsão, que começa como estelionato e depois vira extorsão. Porque a vítima mandou foto, mandou vídeos. E ele fala assim: 'Agora se você não me mandar dinheiro, eu vou expor tudo na rede'. 'Eu vou contar pra sua esposa'. 'Vou contar pra sua filha'. 'Vou contar para o seu esposo'. Isso tem demais. Se você pagou, você vai continuar sendo vítima. Teve um caso desse ano que a vítima pagou R$ 2 milhões. Tem criminosos que expõem, tem criminosos que não expõem. Agora, se pagar, vai continuar pagando. Você não negocia com o criminoso.
MidiaNews - O senhor já comentou dando o exemplo de vídeos pornográficos que alguns criminosos criam. Teve um caso em Confresa, em fevereiro desse ano, de um homem que estava fazendo isso. Como a Polícia trata esse tipo de crime? Como que o criminoso consegue criar esse tipo de conteúdo?
Guilherme Fachinelli - Não tem uma tipificação criar imagem de sexo ou de sexo ou imagem pornográfica utilizando inteligência artificial, que é a deepfake. Mas existem outras formas de tipificar, às vezes, uma pena até mais branda, do que a gente acha que seria viável. Eles fazem [os vídeos] por aplicativos, e isso está disponível, alguns pagos, outros gratuitos. Eu tive um caso na semana passada, que a nossa perícia conseguiu identificar que aquele conteúdo que a gente aprendeu tinha sido todo produzido por inteligência artificial. Era um caso clássico de deepfake.
Teve outro caso que, por mais que a gente tentou, não conseguiu chegar [no autor]. Foi um caso de deepfake que a pessoa que fez conseguiu apagar os metadados. Quem passou o vídeo não quis mostrar a origem, porque não queria expor quem tinha passado pra ela. O mundo cyber evolui muito rápido. A gente sempre está um passo atrás. E olha que o Estado de Mato Grosso e a Polícia Civil de Mato Grosso têm investido muito em tecnologia!
MidiaNews - A DRCI já investigou crimes articulados na deep web, na dark web, e os criminosos geralmente acreditam que conseguem se esconder nessa camada da internet. O senhor diria que esse tipo de investigação exige mais ferramentas, mais técnicas, recursos mais especiais para tratar deles?
Guilherme Fachinelli - Exige. Os policiais da DRCI têm uma qualificação um pouco mais especializada. A Polícia tem dado essa qualificação e é muito de cada um no seu particular buscar. A maioria das capacitações, apesar de a Polícia fornecer, é dos policiais buscando se capacitar e se aprimorar a partir para poder entregar um bom trabalho da população. Vou dar um exemplo próprio meu. A partir do momento que eu assumi a delegacia, me matriculei numa pós-gaduação sobre o assunto, porque precisa de uma capacitação mais aprofundada em alguns assuntos, que no dia a dia às vezes passa despercebido.
MidiaNews - O Discord é frequentemente usado para aliciar menores no Mundo todo. Como foi para o senhor investigar um crime por meio dessa plataforma?
Guilherme Fachinelli - A plataforma contribuiu com a investigação. Ela cumpriu as ordens judiciais e ela cumpriu também as requisições administrativas, que são aquelas que são encaminhadas pelos delegados de Polícia. O detalhe é que a estrutura da plataforma, como ela vai criando sala, tem administrador, ele tem que autorizar entrada naquela live, faz com que a gurizada prefira essa plataforma. E eu acho que é essa a dinâmica que facilita, que faz com que os jovens e esses grupos extremistas prefiram ir para essa plataforma. Porque, por exemplo, você vai fazer uma live no Instagram, no Facebook, qualquer pessoa tem acesso, basta a pessoa clicar ali. Mas em relação ao Discord, até hoje, a gente não teve problema, diferente do Telegram, que às vezes você pede, a resposta não vem.
MidiaNews - Agora com relação aos casos que envolvem criptomoedas, golpes financeiros, a polícia tem tido desafios nesse tipo de investigação?
Guilherme Fachinelli - Temos. Nós temos investigações de cripto, principalmente esses golpes que se utilizam cripto. Tem uns casos que são mais corriqueiros do que as próprias fraudes. Porque a gente tem a Delegacia de Estelionato aqui em Cuiabá, que é especializada, e a atribuição dela é só na região metropolitana e eles acabam fazendo [a investigação] dessas fraudes. Quando que vai para a DRCI? [Quando tem] Grande complexidade, elevado prejuízo econômico e grande repercussão. Mas nós temos alguns casos dessas fraudes eletrônicas que envolvem as criptos, que é um caso que é da atribuição nossa que são os casos de ransomware. O [criminosos] invade seu sistema criptográfico e te pede uma quantidade de dinheiro.
Em regra, ele pede o pagamento em cripto, senão ele vai deletar todo o seu sistema. Alguns casos de ransomware a gente tem vacina e consegue dar uma resposta, mas tem outros casos que nós não temos a vacina. Se a pessoa não paga, de fato, ela acaba perdendo. Então, eu acho que entra aqui mais uma campanha preventiva nesse sentido. Você tem que ter backup dos seus dados. Esse backup, se possível, tem que ser de hora em hora. Porque isso vai afastar essa vulnerabilidade da sua da sua empresa, do seu seu negócio.
MidiaNews - Para finalizar, o senhor citou a questão de as penas de alguns crimes cibernéticos seriam leves. O senhor acha que por ser um mundo novo, que agora que está sendo mais fiscalizado, deveria o Congresso dar um olhada melhor na questão das penas, de olhar melhor como seriam cuidadas essas infrações?
Guilherme Fachinelli - Sim. Alguns tipos penais eu acho que deveria ter um aumento de pena substancial. Porque a pessoa tem que analisar o custo do crime. A gente lida com situações, por exemplo, quando você pega esses crimes contra a honra envolvendo as redes sociais, o custo acaba falando. 'Vou só fazer um acordo de não persecução penal'. O crime está migrando para o mundo digital. Lembro quando eu cheguei em Cuiabá em 2016, fui trabalhar no enfrentamento de roubo à residência que na época explodia. Era roubo violento. Graças às boas investigações que foram feitas, isso foi reduzindo.
Mas o criminoso entendeu também que era melhor migrar para o crime digital. Penas mais brandas, não tem violência ou grave ameaça. Então, [defendo] avaliar a pena mais gravosa. Eu não quero fazer um discurso aqui de populismo penal, mas ele vai pensar no custo do crime. Porque isso entra na conta. Eu tenho esse caso de custo do crime: quando eu trabalhava na Roubos e Furtos, a gente prendeu uma associação criminosa que tava roubando. Era um grupo de sete pessoas, não chegava a ser uma organização criminosa, mas tinha uma associação. Prendemos esse pessoal.
Continuei na Roubos e Furtos, esse pessoal ficou preso, foi condenado. Depois da condenação, como a pena era abaixo de 8 anos, ficaram no semi-aberto e foram recorrendo em liberdade. Um tempo depois eu fui chamado pra dar apoio numa operação da GCCO [Gerência de Combate ao Crime Organizado], de furto a caixa eletrônico, a Operação Luxus. Cumpri a prisão, e um desses alvos já tinha sido preso por nós. Ou seja, ele migrou do roubo para o furto. Porque o furto, apesar do furto ser de caixa eletrônico, não tinha violência ou grava ameaça.
É o custo do crime. E isso tem que ser analisado pelos nossos legisladores para quanto for tratar o preceito secundário da pena, apesar desse crime não ter violência ou gravo ameaça. Eu preciso ter uma pena alta para poder dá uma resposta nisso. Eu já tenho 15 anos de formado e 13 como delegado, e vejo que a gente sempre está correndo atrás. O crime sempre está um passo à frente, porque eles não seguem nenhum limite legal, e o operador do direito fica vinculado à legalidade. Mas eles têm recebido a resposta, as investigações têm dado resultado.
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