Comparação Praça Ipiranga
A poda drástica da mangueira histórica em uma área de convívio popular no bairro CPA 2 levantou discussão em Cuiabá sobre o déficit de arborização e as formas de amenizar as altas temperaturas, que se tornaram rotina na capital, com os termômetros ultrapassando os 40°C.

Com a cobertura vegetal perdendo espaço ao longo dos anos, pontos de convivência popular têm visto a vegetação ceder lugar a áreas concretadas. Um exemplo é a Praça Santos Dumont , localizada na região central da cidade.
Moradora da zona rural de Cuiabá, Rita de Cássia visita semanalmente a praça, onde trabalha comercializando verduras. Com a frequência no local, ela percebeu a transformação do espaço, que perdeu força e “vida” ao longo do tempo.
“Essa praça aqui, quando todas as árvores estavam verdes, tinha vida. Todo mundo, em horário de sol, corria pra se esconder debaixo de uma árvore. Isso beneficiava as pessoas daqui”, relatou.
Segundo ela, a reclamação se estende aos frequentadores da área, que usavam as árvores para se proteger do sol nos horários de maior calor.
“Tem muita gente reclamando. A gente sente muita falta. Pessoas que às vezes precisam trabalhar se refugiam embaixo de umas dessas árvores, porque aqui em Cuiabá é muito quente. E, como falam que é a ‘cidade verde’, é pra estar verde, né?”, disse.
Yasmin Silva/MidiaNews
Rita de Cássia, que vende verduras na Praça Santos Dumont
Imagens da Praça Santos Dumont, registradas em 2006 e pertencentes ao acervo da Prefeitura Municipal de Cuiabá, mostram a mudança drástica no local nas últimas décadas. Cercada por vegetação, a praça, localizada na Avenida Getúlio Vargas, era um ponto de convívio para a população (Veja abaixo na galeria).
Nos anos seguintes, a vegetação foi diminuindo, reduzindo também o fluxo de pessoas. Mas foi a partir de 2022 que a arborização perdeu ainda mais espaço, após uma obra de revitalização e a derrubada de uma das principais árvores do local.
Mobilização social em busca de melhorias
Diante das altas temperaturas, Rita ressalta a importância de transplantar árvores adultas e utilizar os canteiros já existentes como alternativa para arborizar o espaço.
“Tem como plantar, já trazer uma árvore mais adulta. Lá nas fazendas o pessoal refloresta. Era pra repor no lugar, retirar isso aí e colocar outra. Tem várias árvores que não crescem tanto e dão sombra”, destacou.
A mesma alternativa é defendida pela coordenadora da Associação Cuiabá Mais Verde, Silvia Mara.
“O que a gente tem que fazer nas praças? Tirar o concreto, colocar verde e fazer transplante de árvore. Pegar árvore já adulta e trazer para esses espaços”, afirmou.
Criado em 2020, o projeto surgiu da mobilização da sociedade civil em busca de retomar a arborização urbana da capital. O que começou como um grupo se tornou uma associação que luta pela implantação do Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU), ainda travado na Câmara Municipal.
“Se a gente não lutar por isso agora, vão continuar sendo só plantios aleatórios. Muitos falam que plantam muito, mas a gente não vê essas árvores crescerem, porque plantam de maneira irregular, não escolhem as espécies adequadas, plantam mudinhas muito pequenas”, criticou Silvia.
Yasmin Silva/MidiaNews
Praça Ipiranga, em Cuiabá
A perda de vegetação na capital tem mobilizado cada vez mais cidadãos. Em uma publicação, a página Ia Em Cuiabá comparou o antes e depois de outro espaço conhecido dos cuiabanos: a Praça do Porto. A postagem refletiu sobre a desarborização causada por obras que deveriam revitalizar o ambiente.
“Infelizmente essa é uma realidade histórico de nossa cidade, cada vez que um praça é “revitalizada” tira-se mais espaços de árvores e jardins em troca de concreto”, afirma a publicação nas redes.
Localizada próxima à Ponte Sérgio Motta, que liga Cuiabá a Várzea Grande, a praça perdeu grande parte de sua vegetação após as intervenções. Imagens de 2006 mostram o ambiente coberto por árvores que serviam de refúgio para quem buscava sombra ou aguardava o ônibus intermunicipal que conecta as duas cidades.
A situação se repete em outro ponto de grande circulação de pedestres. Popular e com fluxo intenso, a Praça Ipiranga também perdeu grande parte da arborização ao longo dos anos.
Segundo Silvia, a falta de arborização torna esses espaços praticamente inabitáveis para a população, que perde oportunidades de lazer ao ar livre.
“Lá no Parque das Águas, é um exemplo, a gente tem muito cimento. Ninguém usa aquilo ali durante o dia. Depois das oito da manhã, é inabitável. Não tem como andar ali”, afirmou.
“A matemática que eu faço é: tirar de onde não querem, por algum motivo, e levar para esses parques e praças. Tirar o concreto, colocar verde. A gente não tem mais verde no chão. Nas reformas, é só cimento nessa cidade”, completou.
Como exemplo de espaço que ainda proporciona conforto térmico e registra alto fluxo de pedestres que utilizam diariamente o ambiente urbano, está a Praça da República.
Yasmin Silva/MidiaNews
Praça da República, em Cuiabá
Localizada em frente à Igreja Matriz de Cuiabá, o espaço abriga árvores históricas que funcionam como barreira aos fortes raios solares típicos da capital.
Arborização em déficit
Para além das podas irregulares e derrubadas de árvores em pontos de convivência, a vereadora e presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal, Dra. Mara, alerta para o risco de novas podas em árvores históricas.
“Acontecem aberrações na nossa cidade, e parece que as pessoas estão se dando conta disso agora. É muito triste ver que o Poder Público não olha isso como prioridade. Precisamos pensar na cobertura vegetal, porque ela está em déficit de 70%”, afirmou.
Segundo a vereadora, a comissão tem cobrado a execução do Plano Diretor como forma de minimizar o déficit arbóreo da capital.
“A cobertura vegetal da cidade está em torno de 21%. Cuiabá cresceu muito, de forma espalhada e desordenada. E com isso, não foram repostas as árvores desmatadas. Precisamos cobrar o novo Plano Diretor e a nova rota de arborização da cidade”, explicou.
Para Silvia, a arborização urbana não contribui apenas para o conforto térmico, mas também ajuda a minimizar os efeitos climáticos extremos que têm atingido a capital nos últimos anos.
“A crise climática é uma realidade. Muita gente acha que não existe, mas ela já bateu na nossa porta há muito tempo. Tanto é que a gente vê chuvas e secas muito fortes”, afirmou.
“Porque as árvores também seguram a água das chuvas. A gente viu nas últimas chuvas aqui em Cuiabá o caos que foi. Ano que vem, se nada mudar, será ainda pior”, alertou.
A piora mencionada por Silvia diz respeito ao fenômeno El Niño previsto para ter início em abril de 2026. Com as águas do Oceano Pacífico aumentando de temperatura, o aquecimento tende a refletir em temperaturas ainda mais elevadas no continente.
Victor Ostetti/MidiaNews
Silvia Mara, coordenadora da Associação Cuiabá Mais Verde
Segundo ela, o impacto será mais intenso nas periferias da cidade, devido à falta de arborização e ao planejamento urbano limitado.
“Cada bairro da cidade era para ter, no mínimo, 30% de vegetação. Não chega a 7%. Em alguns, vemos um pouco mais; em outros, principalmente nos bairros pobres, quase nada.”
“Quem mora em condomínio tem árvores, tem conforto climático, energia solar, ar-condicionado, piscina. A periferia não tem. A periferia mal tem um ventilador, não tem calçada, que também tem relação com arborização, e não tem acessibilidade”, completou.
Até a execução do Plano Diretor, que busca ampliar a arborização da capital, os cuiabanos convivem com o calor extremo e a perda de espaços de socialização ao ar livre.
“Todo mundo que vinha pra cá [para a praça] sentava e conversava. Pessoas que vinham do médico e paravam aqui para pegar um ônibus se refugiavam na sombra. Gente com criança, idosos, ambulantes. Faz muita falta”, finaliza Silvia.
Veja vídeo:
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